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Por Lorena Arroyo, El País — Cidade da Guatemala

Um vídeo de campanha que circulou no Tik Tok mostra um grupo de estudantes recebendo Bernardo Arévalo na cidade de Escuintla, no sul da Guatemala, ao som contagiante da cumbia. Os instrumentos de percussão passam de mão em mão até chegar ao então candidato do Movimento Semente, eleito no domingo o novo presidente da Guatemala. O vídeo com a legenda “meu talento oculto”, em que ele toca e dança, foi compartilhado por dezenas de milhares de pessoas. Foi com essas e outras histórias contadas nas redes sociais que o sociólogo, doutor em Filosofia e Antropologia Social e diplomata especialista em resolução de conflitos aproximou-se do eleitorado jovem e chegou à eleição como favorito, resultado confirmado nas urnas por mais de 59% dos votos.

Embora não estivesse bem posicionado antes do primeiro turno de 25 de junho, o fundador do Movimento Semente, partido criado por intelectuais e jovens que se dizem indignados com a política tradicional, surpreendeu ao conseguir chegar ao segundo turno como o segundo mais votado. Desde então, e em apenas dois meses, Arévalo subiu ao primeiro lugar nas pesquisas até vencer a ex-primeira-dama Sandra Torres, da Unidade Nacional da Esperança (UNE), que em sua terceira tentativa de se tornar presidente abandonou a origem social-democrata e se laçou à tentativa de atrair o voto conservador.

Arévalo se identifica como social-democrata e ocupou, entre outros cargos diplomáticos, o de embaixador da Guatemala na Espanha. Desde 2020, lidera a bancada do Movimento Semente, partido que surgiu no calor dos protestos anticorrupção de 2015. Desta vez, conseguiu conquistar o coração dos guatemaltecos com uma forte mensagem anticorrupção e um atípico discurso antissistema. Durante a campanha, no lugar de uma retórica inflamada, Arévalo mantinha a calma diante dos ataques de rivais. Foi acusado de ser estrangeiro por ter nascido no Uruguai durante o exílio de seu pai, o ex-presidente Juan José Arévalo (1945-1951), e de não conhecer o país por ter vivido anos no exterior. Também foi atacado por não acreditar em Deus e querer impor a ideologia de gênero e o aborto na Guatemala, embora nada disso conste em seu programa de governo.

— Ao povo da Guatemala: essas são exatamente as mentiras e informações com as quais tentam enganá-lo e distraí-lo — repetiu o então candidato na segunda-feira passada, duas vezes, no único debate presidencial organizado antes do segundo turno.

Arévalo também manteve a calma diante das tentativas de anular os resultados do primeiro turno e de cassar os direitos políticos de seu partido com decisões judiciais. O Movimento Semente foi foco de investigação por suposta falsificação de assinaturas de adesão de apoiadores para a formação da legenda, uma tentativa que fracassou e que o candidato e sua equipe atribuíram ao desejo das elites políticas tradicionais de eliminá-lo da disputa.

“Não perceberam que estávamos vindo”, repetiu várias vezes após o primeiro turno. Sua principal promessa é recuperar as instituições guatemaltecas, sufocadas pela corrupção, para depois botar o Estado a serviço da população. Mas Arévalo não promete milagres para a Guatemala, um país de 17,6 milhões de habitantes, onde cerca de 60% da população vivem abaixo da linha da pobreza e com grandes deficiências nas áreas de saúde, educação e infraestrutura.

— Sempre dizemos: ‘Não temos uma varinha de condão.' Os problemas do país não vão se resolver em quatro anos, mas podemos começar a agir, e é isso que temos de demonstrar — disse na quinta-feira passada em entrevista ao El País.

A ascensão do ‘tio Bernie’

Bernardo Arévalo nasceu no Uruguai em 1958 e morou em Caracas, Cidade do México e Santiago quando criança, durante o exílio dos pais, ambos guatemaltecos. Cursou a universidade em Israel e na Holanda. O cofundador do Movimento Semente é autor de vários livros sobre democracia, processos de paz, segurança e o papel do Exército. Também dirigiu a ONG Interpeace para América Latina, onde se destacou na resolução de conflitos na Guatemala e em outros países da região, além da África. Há uma década, uniu-se ao Movimento Semente, que começou como um grupo de acadêmicos e intelectuais liderado pelo sociólogo Edelberto Torres Rivas e acabou se transformando em um partido durante os protestos pela democracia em 2015.

Em 2020, Arévalo assumiu a liderança do partido no Congresso, bancada que, nas eleições de 25 de junho deste ano, conquistou 23 deputados. Na ocasião, foi o azarão que chegou ao segundo turno, e seu rosto começou a ficar mais popular entre os guatemaltecos. Para os integrantes da campanha, formada por equipes interdisciplinares geridas majoritariamente por jovens, começou o trabalho de aproximar a população de uma pessoa que eles definem como “inteligente, estável e calma”.

— A estratégia era fazerem conhecer o Bernardo como Bernardo e não só como filho do [Juan José] Arévalo, mas a sua personalidade, a sua naturalidade, e depois chamar ao voto. E para isso o TikTok foi uma grande ferramenta, assim como o Twitter (atualmente chamado X) — explica o gerente de campanha, Justo Pérez.

Dentro dessa estratégia, aponta, foi fundamental a participação dos deputados eleitos pelo partido, alguns deles jovens com bastante influência nas redes sociais e que usaram suas contas para percorrer o país e divulgar a mensagem do partido, promovendo o candidato para além dos centros urbanos onde já estava seu eleitorado.

— Bernardo é muito carismático. De repente, no palco ele se torna o professor, mas acho que o TikTok permitiu vê-lo como é. Ele é um cara muito próximo, falante, brincalhão, superalegre e acho que foi isso que o fez romper o teto de conhecimento, porque é uma pessoa supertolerável, como dizemos na Guatemala — explica o deputado Román Castellanos, de 38 anos, que foi um dos parlamentares engajados na campanha.

Das redes também surgiu a figura do “tio Bernie”, como lhe chamam os seguidores mais jovens. Foi assim que o candidato exibiu seu lado mais humano, desde fotos de família até seus gostos pessoais, como a paixão pelo xadrez ou pelo torresmo.

— É só mostrar o lado mais próximo do Bernardo porque, como você pode ver, ele tem uma relação muito boa com os jovens — diz Justo Pérez na sede da campanha, onde um exército de profissionais, a maioria na casa dos 30 anos, conduz as redes sociais, as finanças e a estratégia.

— É alguém que, apesar de intelectual e doutor em Filosofia, não coloca barreira com os jovens e, diria, que com quase ninguém em geral. Então foi a esse Bernardo que agrada que começamos a dar combustível — explica.

Bernardo Arévalo costuma se apresentar como "o filho do melhor presidente da Guatemala", um título que muitos guatemaltecos dão à Juan José Arévalo, o líder reformista que governou o país centro-americano de 1945 a 1951, após o triunfo da Revolução de Outubro de 1944 e que encerrou um ciclo de ditaduras. Embora tenha consciência da carga histórica que carrega, esta semana, no fim da campanha, o agora presidente eleito manifestou o desejo de escrever sua própria história política.

— Não sou meu pai, mas sigo pelo mesmo caminho — disse a centenas de seguidores no Parque Central da Cidade da Guatemala.

A partir de agora, tem pela frente o desafio de cumprir a promessa de governar a Guatemala de um modo diferente.

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