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Por Paola de Orte, Especial Para O GLOBO — Ghajar

No Norte das Colinas de Golã, uma escultura de arbustos em formato de coração recheada de flores enfeita o lugar onde fica a placa “Bem-vindos à vila de Ghajar”. Apesar disso, o local vive uma tensão crescente, que torna o enfeito meio sem sentido atualmente. No início de agosto, auge do verão de quase 40°C do Oriente Médio, um veículo militar Hummer do Exército de Israel circundava o chafariz ao lado da jardinagem.

A pacata vila está em um ponto que já foi reivindicado por Israel, Líbano e Síria e no epicentro de uma disputa que pode se tornar um conflito de maior escala a qualquer momento. Este é o período de maior tensão entre Israel e Líbano em anos, dizem especialistas. O risco de erupção de um novo conflito não é tão alto desde a última guerra entre os dois países, em 2006.

– Estamos mais perto de um conflito potencial irromper mais do que a qualquer outro momento desde a última guerra – diz Nicholas Blanford, consultor do Atlantic Council em Beirute. – O Hezbollah analisou que as coisas não têm ido bem em Israel, por muitas razões, o aumento da violência na Cisjordânia, o tumulto político enorme por causa da reforma do judiciário.

A crise doméstica que Israel enfrenta desde que a atual coalizão de extrema direita liderada por Benjamin Netanyahu anunciou sua reforma do Judiciário adicionou um ingrediente a mais ao caldeirão de tensões. O grupo militante libanês Hezbollah avalia que os problemas internos israelenses mostram que o país se encontra enfraquecido.

– Este dia específico é o pior dia na História de Israel, como alguns israelenses estão testemunhando – disse o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, em 24 de julho, quando grupos de manifestantes israelenses foram às ruas em massa para protestar contra a revogação da lei da razoabilidade pelo governo Netanyahu. – Este dia coloca o país no caminho para o desaparecimento.

Criação do Hezbollah

As localidades na fronteira entre os dois países vivem a apreensão no cotidiano e não se arriscam a fazer previsões sobre quando será a próxima guerra – embora haja quase um consenso de que ela virá, mais cedo ou mais tarde.

Ghajar abriga cerca de 2.500 alauitas, minoria muçulmana xiita que governa a Síria de Bashar al-Assad. Os habitantes vivem em uma encruzilhada geopolítica desde que Israel ocupou as Colinas de Golã em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias. A cidade pertencia à Síria até então. Em 1981, quando Israel anexou formalmente a região, concedeu cidadania a seus habitantes. Em 1982, começou a primeira guerra do Líbano, que teve como consequência a ocupação do território sul do país por Israel. A resposta foi a criação do Hezbollah.

Quando as tropas de Israel se retiraram do Sul do Líbano em 2000, as Nações Unidas traçaram uma “Linha Azul” no meio de Ghajar, deixando a metade Sul sob Israel e a Norte sob território libanês. Ao final da guerra entre os dois países em 2006, soldados israelenses retomaram o controle do lado Norte.

Apesar de a ONU ter demarcado que o Norte pertence ao Líbano, os moradores dizem ser sírios. Eles temem falar com a imprensa por medo de represálias e do risco de aumentar ainda mais a tensão, mas um funcionário do governo local disse ao GLOBO que sua família, assim como a dos outros habitantes, sempre se considerou parte da Síria e torce para que o momento difícil passe logo, sem que suas vidas sejam afetadas.

No ano passado, Israel construiu uma cerca ao redor de Ghajar, separando a cidade do território libanês. A cerca isola do Líbano toda a vila: tanto o Norte, que a ONU diz ser libanesa, quanto o Sul. O Hezbollah afirma que a presença israelense em Ghajar é uma ocupação de território libanês.

Após a construção da cerca, a cidade foi reaberta para o turismo. Ao longo dos 22 anos anteriores, era preciso apresentar documentos para entrar no perímetro, uma zona militarizada.

Depois que Israel suspendeu a exigência, milhares de turistas, entre eles árabes e judeus ortodoxos, começaram a frequentar o centro da vila, vindo de ônibus leitos e munidos de smartphones com câmeras abertas, curiosos para ver os monumentos alauitas e tirar fotos com o Líbano ao fundo – por trás da cerca de proteção, mas a uma caminhada de distância. É uma espécie de turismo do conflito, que incentiva a abertura de novas lanchonetes de shawarma e baklava – o doce árabe.

Neste ano, a escalada de tensões ganhou força em março, quando um indivíduo armado se infiltrou pela fronteira a partir do Líbano e explodiu uma bomba em uma estrada dezenas de quilômetros dentro do território de Israel, deixando um israelense ferido. O conselheiro de segurança Nacional de Israel, Tzachi Hanegbi, disse que o ataque foi orquestrado pelo Hezbollah.

– Essa é a agenda dele [do líder do Hezbollah], sua organização pertence ao movimento de resistência, então de tempos em tempos, eles têm que lembrar que este é o objetivo – diz o professor da Universidade de Tel Aviv, Eyal Zisser. – Mas claramente os eventos domésticos em Israel mandam mensagem de fraqueza.

Além dos milhares de reservistas israelenses que já anunciaram que não vão se apresentar para exercícios voluntários em protesto contra a reforma do Judiciário de Netanyahu, o professor Zisser também afirma que a falta de interesse do governo israelense em questões militares e de segurança por causa do foco na reforma do Judiciário também afeta a percepção de que Israel está mais vulnerável.

Muros e foguetes

No início de abril, 34 foguetes foram lançados a partir do Sul do Líbano contra Israel, no pior ataque do tipo em anos. O governo de Israel culpou forças do grupo palestino Hamas baseadas no Líbano pelos ataques, mas a avaliação é de que o grupo não teria levado o ataque adiante sem o consentimento do Hezbollah.

Em junho, em uma aparente resposta à construção do muro em Ghajar, o Hezbollah instalou duas barracas nas redondezas, uma nas Fazendas de Shebaa, área vizinha de Ghajar também disputada por Israel e Líbano. Israel registrou uma queixa às Nações Unidas, dizendo que as barracas estão dentro do território israelense. O Hezbollah diz que elas estão em território libanês. O comandante da UNIFIL, força militar da ONU, repassou pedido israelense ao Líbano para que retirasse as barracas. Os líderes libaneses responderam dizendo que Israel deveria retirar suas tropas de Ghajar.

Em junho, o Hezbollah disse que derrubou um drone israelense que estaria sobrevoando uma vila no Sul do Líbano. No início de julho, um míssil anti-tanque foi disparado a partir do Líbano perto de Ghajar. Israel respondeu disparando projéteis contra a vila vizinha de Kfar Chouva. Em agosto, o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, visitou a região onde as barracas foram construídas e fez duras ameaças ao país vizinho:

– Se uma escalada ou um conflito acontecer aqui, nós vamos levar o Líbano de volta à Idade da Pedra. Nós não vamos hesitar em usar todo o nosso poder, e erodir cada centímetro do Hezbollah e do Líbano se precisarmos – disse Gallant. – Nós não queremos guerra, mas estamos prontos para proteger nossos cidadãos, soldados e nossa soberania.

No dia 13 de agosto, um membro do Hezbollah jogou um coquetel Molotov contra a cerca em Metula, cidade próxima. O exército respondeu com tiros. No dia seguinte, o líder do Hezbollah expôs a posição do grupo:

– É possível que o Líbano leve de volta para a Idade da Pedra um assentamento aqui e outro lá, mas se a campanha envolver todo o eixo da resistência, então não haverá mais tal coisa chamada Israel.

A afirmação do líder do Hezbollah é uma referência a outros atores que poderiam se envolver na guerra, como os grupos palestinos Jihad Islâmica e Hamas, que controla a Faixa de Gaza, que poderiam atingir Israel com foguetes também a partir do Sul, além da Síria e do Irã, que Israel acusa de estar desenvolvendo uma bomba nuclear.

O Hezbollah, aliado do Irã, é considerado por Israel sua ameaça direta mais séria. O país estima que o grupo possua cerca de 150 mil foguetes e mísseis que podem ser disparados contra Israel.

Apesar da escalada de tensões, a avaliação consensual é de que nenhum dos lados tem interesse em um conflito em escala maior.

– Ambos os lados sabem que o custo de uma guerra em grande escala seria enorme. Israel seria atingida de maneira mais forte do que a qualquer momento desde 1948 – diz Blanford, que afirma que os mísseis do Hezbollah tem capacidade de atingir todo o território de Israel, e o país teria que parar, com escolas fechadas e a população sem poder ir ao trabalho.

Ainda assim, especialistas acreditam que ele poderia vir a acontecer caso as provocações levem a um erro de cálculo que exija uma resposta, por exemplo, caso Israel atinja um alvo considerado especialmente sensível para os iranianos na Síria.

– Ninguém está interessado em uma guerra. Ninguém tem nada a ganhar, todos querem evitar uma guerra total. O problema são os cálculos errados – diz o professor Eyal Zisser. – Algumas vezes, no Oriente Médio, um pequeno evento ou incidente pode levar a uma escalada. O problema é que você está brincando com fogo, e pode perder o controle.

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