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Por — Brasília

O Brasil quer voltar a financiar Cuba, que passa por uma grave crise econômica e social, mas isso só será possível depois de o país caribenho encontrar uma forma de pagar sua dívida em operações passadas. Foi o que disse ao GLOBO Celso Amorim, assessor para Assuntos Internacionais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A dívida está em cerca de US$ 520 milhões, recursos usados pelo BNDES para financiar a exportação de produtos e serviços de empresas brasileiras, como a construção do Porto de Mariel. Segundo Amorim, a renegociação de dívidas entre países. Só é preciso encontrar a forma correta de fazer isso.

Recentemente, o senhor esteve em Cuba, que enfrenta uma profunda crise econômica e social. Como o governo Lula pretende ajudar aquele país?

Queremos integrar Cuba na comunidade latino-americana e caribenha. Cuba não pode ser excluída, isolada. E isso não interessa apenas ao povo cubano, que é o que mais sofre, mas à toda região, que é um ponto de constantes instabilidades. E a estabilidade você não obtém com isolamento ou política de sanções. Ao contrário, você tem que colocar o país de uma maneira razoável, cada um resolve qual o regime quer ter. Cuba tem muita dificuldade com a produção de alimentos e, obviamente, não tem recursos para a importação.

O Brasil já financiou exportações para Cuba, principalmente de serviços, no passado, como a construção do porto de Mariel, mas hoje há uma dívida não paga.

O Brasil financiou várias vezes, e sempre foi pago. Cuba só parou de pagar quando mudou o governo e aí a relação começou a se deteriorar. Hoje em dia, tem o problema da dívida. Temos de encontrar uma solução que, obviamente, tem de ser correta, legal, absolutamente certa, mas que pode ser uma renegociação, como é normal se fazer, como os países todos fazem. Essa é uma coisa que os países europeus diversas vezes fizeram com a África, e os Estados Unidos fizeram com o Leste Europeu. Aliás, o Brasil, na época do Collor [Fernando Collor de Mello, ex-presidente do Brasil], teve de abdicar de metade da dívida que a Polônia tinha conosco, as famosas polonetas [títulos da dívida pública que a Polônia ofereceu ao Brasil para honrar sua dívida]. Os EUA nos pressionaram para que a gente fizesse isso.

Qual seria a saída?

Não estou dizendo como é que vai ser, se assim ou assado. Eu digo que é natural você negociar, encontrar uma forma que até nos permitirá vender mais. E eles têm interesse que a gente participe, que invista. Acho que podemos investir até em associação com outros países. O grande drama são as sanções americanas, que são inclusive absurdas, porque elas atingem não só o interesse cubano, atinge interesses de outros países. Tudo tem de ser estudado, visto como é.

Qual a sua impressão de Cuba, durante sua visita?

Pude constatar as dificuldades. Eles são um povo estoico, porque há dificuldade de alimentos, por exemplo. Até tive o cuidado de ir ao dentista antes, porque fiquei com medo, pois eles não têm anestesia lá. Estava com um comecinho de dor de dente, e tratei logo de ir num dentista aqui. Lá falta anestesia, falta antibiótico. E olha que Cuba tem uma capacidade tecnológica, em matéria de medicamentos, fenomenal. Mas tem que ter também a capacidade industrial, de produção. Eles podem fazer muitas coisas, sobretudo se tiverem condições adequadas de financiamento e de distribuição. Então, nós estamos tratando em várias dessas áreas.

O presidente Lula vai passar por Cuba antes de ir a Nova York, para participar da Assembleia-Geral da ONU. Quanto tempo ele ficará em Havana?

Ele deve passar uma ou duas noites. É natural que tenha encontros com as autoridades cubanas também, mas a razão principal da visita é a reunião do G77 [coalizão de países em desenvolvimento], mas o presidente quer ajudar Cuba também. E Cuba nos ajudou muito na política externa internacional, em situações difíceis. No tempo que nós estávamos no governo, a situação entre Venezuela e Colômbia, na época de Chávez [Hugo Chávez] e Uribe [Álvaro Uribe], várias vezes estiveram à beira da guerra. E um país que tinha influência ali, entre os atores, era Cuba – mais que o Brasil.

O governo pensa em fortalecer a defesa do fim do embargo a Cuba junto aos EUA?

É inacreditável que, no governo passado, o Brasil tenha passado a votar contra a resolução que condena o embargo. Todo o mundo condena. Há apenas dois ou três países, no máximo, entre os quais EUA e Israel, que se posicionam de forma diferente. Às vezes, um terceiro país se abstém. Aliás, é preciso dizer que não é uma resolução para beneficiar Cuba – é claro que beneficiaria também — mas é uma resolução em defesa do direito internacional, contra a aplicação extraterritorial da lei. Vamos dizer que amanhã a gente não quer negociar com um país X ou Y. Tudo bem, é um direito nosso. Agora, você impedir que terceiros comerciem, isso é uma violação.

O Brasil poderia doar alimentos para Cuba?

Não sei se pode doar e se isso resolveria o problema. Ajudaria mais a gente poder financiar. Eles também estão muito interessados em diversificar a produção e a energia. São muito dependentes da importação de óleo combustível para tudo. E isso afeta a vida diária lá, que tem muitos apagões.

Essa questão se aplica à Venezuela também?

Sim, mas a Venezuela tem um pouco mais de mobilidade, talvez pelo tamanho do país.

Como estão as relações entre Brasil e EUA?

Há muita afinidade com o governo Biden [Joe Biden, presidente dos EUA], por exemplo, a visão de um papel do Estado na economia, na infraestrutura e nas limitações do liberalismo, pois o liberalismo não resolve tudo. É bom que essas afinidades apareçam, emerjam e gerem, inclusive, iniciativas internacionais que podem ter algum efeito. Os presidentes Lula e Biden farão uma declaração sobre o trabalho, e não apenas o trabalho decente, pois há um desafio colocado pelas novas tecnologias. Ninguém quer impedir que as novas tecnologias se espalhem, mas como fazer com essa quantidade crescente de trabalhadores precarizados, sem direitos? As soluções que Brasil e Estados Unidos, que são dois grandes países, encontrarem, vão ter impacto no mundo.

Como avalia o cenário, hoje, de guerra entre Rússia e Ucrânia?

Acredito que tenha alguma coisa na Assembleia-Geral da ONU. Não estou vendo nada de específico no G20, por exemplo, assim como não estou vendo nenhuma tentativa de levar o Zelensky [Volodymyr Zelenski] à Índia. É preciso tentar incluir mais países no diálogo, mas o que acontece é que você acaba esbarrando num fato que é fundamental: a paz não será encontrada se a Rússia não participar da negociação. De alguma maneira temos que chegar lá, pois há aumento da tensão. É preciso olhar o conjunto. Isso não justifica a invasão, mas não há como ignorar as preocupações de segurança da Rússia. Isso não é uma coisa de hoje, é uma coisa de quatro séculos, antecede ao comunismo. Sempre houve essa tensão, antes mesmo de existir a Otan, que foi criada na época do comunismo. É claro que a Ucrânia é a principal vítima. Mas, se você não olhar o conjunto, não vai resolver. Lembra que em 2008 teve um problema com a Georgia? Por quê? Porque colocaram armas lá. A coisa que mais desestabilizou, na minha opinião, a Europa, foi a expansão da Otan.

Muitas pessoas criticaram a aprovação do Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) para o ingresso de mais seis países. Outros disseram que a China se deu bem na cúpula de líderes da África do Sul. O que o senhor diria?

Essa ampliação do Brics é uma reação à volta dos países ocidentais a enfatizar o G7. O G20 era o principal órgão de discussão, mas com os problemas com a Rússia e a China, começaram a retroceder ao G7, que é um grupo restrito a países desenvolvidos. É mais que natural que haja uma reação dos países em desenvolvimento, também de fazerem o seu grupo para poderem atuar de maneira coordenada e mais forte, mais vigorosa.

Qual a importância do Brasil na presidência do G20?

O Brasil tem o Lula, um dos líderes mais respeitados e admirados em todo o mundo. Digo isso com total tranquilidade, porque já trabalhei com vários presidentes. Além disso, o Brasil conseguiu, depois de um ataque violento da extrema direita, se recuperar e recuperar a democracia.

Saiu uma notícia de que o presidente da França, Emmanuel Macron, pediu para seu país entrar para a Organização do Tratado dos Países Amazônicos (OTCA), talvez por causa da Guiana, que tem um pedaço da floresta. É possível?

Quem poderia esperar que a França fosse pedir para entrar para a OTCA? Eu estou falando porque eu li no jornal. Quer maior elogio do que isso? Não será fácil, porque o tratado diz que não está aberto a adesões. Mas, o simples fato de Macron pedir é um fato notável.

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