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Por e , Em The New York Times — Cidade do México e Matamoros

A mensagem de texto que Cynthia Menchaca recebeu era uma que via cada vez mais: uma moradora do Texas contava que havia abandonado um relacionamento violento e queria desesperadamente fazer um aborto após descobrir a gravidez só depois do fim da relação. A mulher soube que Cynthia poderia enviar-lhe pílulas abortivas do México, onde o procedimento foi descriminalizado em vários estados.

Mas a crescente procura nos EUA por procedimentos de aborto não se limita ao fornecimento de medicamentos, segundo ativistas como Cynthia, que vive no estado de Coahuila, no nordeste do México.

Clínicas em Tijuana e na Cidade do México, bem como ativistas na cidade de Hermosillo, afirmam ter visto mulheres atravessando a fronteira do Texas, Louisiana e Arizona em busca de acesso ao aborto.

— Antes, as mulheres de Sonora iam para os Estados Unidos para fazer abortos em clínicas — disse Andrea Sanchez, uma ativista pelo direito ao aborto, referindo-se ao estado mexicano que faz fronteira com o Arizona. — E agora as mulheres dos Estados Unidos vêm ao México.

Mais de um ano depois que a Suprema Corte dos EUA derrubou o precedente do caso Roe v. Wade, ativistas mexicanos pelo direito ao aborto observaram um aumento de americanas cruzando a fronteira em busca de procedimentos – cristalizando as mudanças nas políticas de duas nações que antes mantinham posições muito diferentes sobre o tema.

Protesto de mulheres em frente à Suprema Corte dos EUA, que retrocedeu no direito ao aborto no país — Foto: Sergio Flores/AFP
Protesto de mulheres em frente à Suprema Corte dos EUA, que retrocedeu no direito ao aborto no país — Foto: Sergio Flores/AFP

Durante décadas, o aborto foi criminalizado no México e em grande parte da América Latina, com poucas exceções, enquanto nos Estados Unidos, a decisão Roe v. Wade, de 1973, estabeleceu um direito constitucional ao aborto.

Agora, o Supremo Tribunal do México descriminalizou o procedimento em todo o país, tornando-o legalmente acessível nas instituições federais e eliminando sanções federais para o procedimento. Dos 32 estados do país, 12 também descriminalizaram o aborto, renovando o ímpeto para pressionar as autoridades locais nos restantes, segundo ativistas.

Em comparação, mais de 20 estados americanos proíbem ou restringem atualmente o procedimento após 18 semanas de gravidez ou antes, com 14 estados proibindo completamente o procedimento em quase todas as circunstâncias.

Os ativistas mexicanos, prevendo que o Supremo Tribunal poderia derrubar Roe quando o caso ainda era avaliado, começaram a organizar-se e estabeleceram um sistema clandestino, enviando milhares de comprimidos para o norte e ajudando as mulheres a viajar para o sul através da fronteira. Dizem que as restrições de longa data na América Latina os prepararam para lidar agora com o influxo de procura.

— A verdade é que, há anos, não tínhamos nem imaginávamos colaboração com os Estados Unidos — disse Verónica Cruz, que há 20 anos ajudou a fundar a organização de direitos reprodutivos Las Libres. Ela acrescentou:

— Mas confrontados com a urgência e as restrições crescentes no momento em que temos um modelo, como recursos como as pílulas, e nosso território progride, tornou-se evidente que precisávamos construir solidariedade internacional.

Verónica planejou inicialmente ajudar a transportar mulheres dos Estados Unidos para o México, mas descobriu que isso seria muito oneroso financeiramente tanto para sua organização quanto para aquelas que buscavam o aborto. Em vez disso, concentrou-se em enviar mifepristona e misoprostol, dois medicamentos para interromper gravidez, através da fronteira para americanas, especialmente aquelas que vivem em estados que proíbem o procedimento ou proíbem os prestadores de prescrever os comprimidos.

Em estudos realizados nos EUA, a combinação dessas pílulas provoca um aborto completo em mais de 99% dos pacientes e é tão segura como o procedimento tradicional de aborto administrado por um médico em uma clínica. Evidências crescentes no exterior sugerem que as pílulas abortivas são seguras mesmo entre mulheres que não têm um médico para aconselhá-las.

Verónica Cruz, ativista pelo direito ao aborto no México — Foto: Marian Carrasquero/The New York Times
Verónica Cruz, ativista pelo direito ao aborto no México — Foto: Marian Carrasquero/The New York Times

Desde o recuo dos EUA sobre o tema, Verónica disse que ajudou cerca de 20 mil mulheres em 23 estados a obter pílulas abortivas. Ela disse que continuará a ajudar essas mulheres, mesmo que alguns estados tomem medidas para penalizar aqueles que auxiliam no aborto.

Os ativistas envolvidos no envio das pílulas para os EUA recusaram-se a especificar os métodos de envio e entrega, embora a maioria tenha dito que estão em coordenação com ativistas americanos na fronteira. Uma organizadora no México, que pediu anonimato por medo de retaliação, disse que esconde o medicamento em acessórios eletrônicos, roupas, bichos de pelúcia ou suplementos dietéticos quando envia para estados que o restringem.

Embora a Food and Drug Administration tenha afirmado que os medicamentos abortivos podem ser entregues pelo correio, vários estados proibiram esse método de envio ou exigem que os medicamentos sejam dispensados pessoalmente pelos fornecedores.

Carol Tobias, presidente do Comitê Nacional pelo Direito à Vida, um dos maiores grupos antiaborto dos Estados Unidos, disse não estar surpresa com o fato de as mulheres viajarem para o México para fazer abortos. Os americanos há muito cruzam a fronteira para vários procedimentos, disse ela.

Mas ela pediu uma fiscalização mais rigorosa nos EUA para evitar que as pessoas entreguem facilmente pílulas abortivas pelo correio.

— Acho muito triste que se diga às mulheres que a pílula abortiva é uma forma fácil e segura de sair de uma situação difícil — disse Carol. — É muito mais complicado do que isso.

Não existem dados nacionais confiáveis sobre o aborto no México, segundo especialistas em saúde pública. Ativistas pelos direitos ao aborto dizem que enviam principalmente medicamentos para o norte para ajudar os americanos, em vez de fornecer acesso no próprio México.

Luisa García, diretora das clínicas do Profem em Tijuana e na Cidade do México, disse que normalmente atendia apenas uma paciente por mês cruzando a fronteira para o México, onde as clínicas oferecem atendimento ao aborto a um preço mais baixo do que nos Estados Unidos. Mas este ano ela recebeu pelo menos 80 ligações de números americanos solicitando agendamentos.

Ativistas mexicanas criaram operação para enviar pílulas abortivas para os EUA — Foto: Robyn Beck/AFP
Ativistas mexicanas criaram operação para enviar pílulas abortivas para os EUA — Foto: Robyn Beck/AFP

— Não consigo acreditar — disse Luisa. — A América era livre e tinha a mente aberta em relação ao aborto, mas agora, com essas decisões do tribunal, as mulheres precisam realocar os seus direitos reprodutivos e sexuais.

A diretora disse que ocasionalmente as americanas chegam à sua clínica sozinhas, nervosas e falando pouco espanhol. Algumas mulheres disseram à sua equipe que viajaram secretamente para o México, sem avisar aos familiares que desaprovam o procedimento.

Nicole Huberfeld, professora de direito sanitário na Universidade de Boston, disse que a decisão de cruzar a fronteira para fazer abortos mostra o quão desesperadas muitas americanas estão para conseguir o procedimento.

— Quando vemos mais pessoas atravessando a fronteira em busca de cuidados, isso mostra que algo está errado nos EUA — disse Nicole.

Os ativistas mexicanos dizem que mesmo no meio de recentes decisões sobre o direito ao aborto no México, o procedimento ainda não está completamente disponível em todo o país. A decisão do Supremo Tribunal mexicano não anulou as sanções penais em nível local e as instituições privadas ou estatais ainda podem proibir o procedimento.

Grupos antiaborto no México se opuseram veementemente à decisão do tribunal superior este mês.

Marcial Padilla, diretor da ConParticipación, com sede no México, disse à agência de notícias católica ACI Prensa que a decisão da Suprema Corte do México pressionaria os senadores a “remover a proteção do direito à vida”.

As recentes decisões judiciais no México transmitiram “que um filho ou filha não merece a mesma protecção da lei antes do nascimento e depois do nascimento”, disse ele.

Algumas americanas que procuravam procedimentos de aborto no México ficaram surpresos ao encontrar restrições duradouras a sul da fronteira.

Vanessa Jimenez Ruvalcaba, uma ativista mexicana que abre sua casa no estado de Nuevo León, perto da fronteira, a mulheres que procuram abortar, recebeu um telefonema em julho de um pai que viajou para o estado com a filha vindo do Nebraska, onde o aborto é proibido após 12 semanas.

Mas Nuevo León só permite o aborto em caso de incesto, estupro ou quando a vida da mãe estiver em perigo. Jimenez disse que pai e filha foram afastados de uma clínica antes de serem encaminhados para sua organização, o Coletivo Preciso Abortar. Vanessa e seus colegas ativistas ajudaram a jovem a ter acesso a pílulas abortivas.

Mesmo diante da proibição do aborto, os grupos mexicanos formaram um modelo conhecido como “acompanhamento”, no qual distribuem pílulas ao mesmo tempo que prestam aconselhamento médico e apoio psicológico às mulheres.

Andrea Sanchez e sua colega, Carolina Castillo, disseram que vêm implementando o modelo em Sonora há anos. Elas agora respondem a perguntas nas redes sociais de americanas que temem enfrentar punição criminal por procurar medicamentos para aborto nos EUA. Elas dizem que as mulheres ficam aliviadas ao ouvir os organizadores que passaram anos enfrentando tais restrições.

— Há muitos anos que vivemos num contexto de penalização social e legal do aborto — disse Andrea. — É por isso que nós, como mulheres, tivemos de nos organizar.

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