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Membros do Conselho de Segurança da ONU se reuniram na semana passada para tentar negociar os planos do envio de uma força-tarefa internacional para ajudar as forças de segurança do Haiti a combater a crescente violência das gangues no país. O pedido de ajuda, solicitado por Porto Príncipe no ano passado, foi reiterado pelo primeiro-ministro Ariel Henry na Assembleia Geral da ONU, há poucos dias, mas ainda não tem data para sair do papel, podendo demorar "meses" para ser implementada, segundo o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken. Enquanto isso, a crise multifacetada em que esta nação caribenha se encontra tem feito cada vez mais vítimas diariamente.

O vácuo de poder deixado após o assassinato do presidente Jovenel Moïse, em 2021, desencadeou uma série de desafios políticos e sociais sem precedentes. Gangues violentas agora controlam cerca de 80% do território da capital Porto Príncipe, e ameaçam derrubar o governo interino e expulsar as forças internacionais presentes no país. Somente neste ano, cerca de 2.800 pessoas morreram em decorrência dos confrontos entre grupos rivais, segundo a ONU.

A escalada da violência se entrelaça a outros problemas graves, com impactos devastadores na saúde e segurança. Dados recentes da ONU mostraram que a insegurança alimentar afeta 44% da população. Há também a preocupação com epidemias (como a de cólera, que matou 283 pessoas no ano passado) e com o número alarmante de vítimas (sobretudo mulheres e crianças) de violência sexual e sequestros.

Em um cenário em que tiroteios e balas perdidas viram rotina, organizações humanitárias, como a Médicos Sem Fronteiras (MSF), trabalham sob pressão e medo constante de novos confrontos entre gangues rivais em localidades próximas às suas unidades de atendimento.

É o caso de Jacob Burns, coordenador de projeto do MSF na área de Cité Soleil, na capital. Para o escocês, que trabalha na ONG desde 2018 (e no Haiti há cerca de um mês), o cenário é desolador e a atuação do grupo no país tem sido cada vez mais dificultada, com o fechamento de hospitais e ameaças a membros das equipes médicas. Mas, para grande parte da população do país de pouco mais de 11,5 milhões de habitantes e afundada na pobreza, "somos uma das únicas opções para aqueles que não têm dinheiro", afirmou ao GLOBO em entrevista exclusiva nesta sexta-feira.

Jacob Burns, coordenador do MSF em Cité Soleil, no Haiti — Foto: Divulgação / MSF
Jacob Burns, coordenador do MSF em Cité Soleil, no Haiti — Foto: Divulgação / MSF

Os confrontos entre as gangues continuaram na última semana em Porto Príncipe, com homens armados atacando um dos maiores hospitais do país, em Mirebalais, na terça-feira. As unidades do MSF também foram afetadas? Como está a situação atual no país?

Sábado passado foi o primeiro dia em que todas as estradas foram bloqueadas em torno do nosso hospital em Cité Soleil. Tudo se tornou muito tenso de uma hora para outra e tivemos de transferir nossos pacientes para outra unidade, como um homem com ferimentos de tiros. Tivemos que fazer isso porque, com exceção da nossa ala de emergências e outros setores, algumas de nossas instalações estão fechadas desde um grande confronto entre gangues em fevereiro e março.

Mas as coisas ficaram muito piores na última quarta-feira. Foram 36 horas sob intensos tiroteios ao redor do hospital. Recebemos 13 pessoas atingidas pelos disparos naquele dia, mais três na quinta-feira e uma na sexta. Nosso trabalho era garantir a transferência segura dessas pessoas que precisavam de cirurgia às pressas para a unidade de Tabarre [que reabriu recentemente após ter sido fechada em maio, por conta de uma invasão armada]. Nós conseguimos, mas foram horas muito difíceis.

Tem sido muito difícil, há muita instabilidade. Quando há confrontos do tipo, não são apenas as pessoas atingidas por tiros que são afetadas diretamente. Recebemos uma mulher que teve uma eclampsia pós-parto e, infelizmente, sofreu convulsões por três horas em casa. O marido dela não conseguiu levá-la na hora ao hospital por causa do tiroteio e, quando eles finalmente chegaram, já era muito tarde e a mulher morreu.

Dados do Haiti, país assolado por crises — Foto: Editoria de Arte / O Globo
Dados do Haiti, país assolado por crises — Foto: Editoria de Arte / O Globo

A ONU fez um novo alerta, nesta quarta-feira, para a crescente de violência entre as gangues no Haiti. Como isso impacta na capacidade do MSF de oferecer assistência médica para a população local?

Há uma série de coisas que acontecem em várias partes da cidade, onde há diferentes gangues em confronto com outras, com a polícia ou até mesmo com grupos de defesa. A dinâmica hoje em Cité Soleil, uma comunidade muito pobre e com histórico de violência, é que a área tem sido cena de combates entre duas grandes gangues.

Nosso hospital fica bem na linha de frente entre esses dois grupos, então nossas atividades têm sido constantemente interrompidas nos últimos anos por causa desses confrontos. Tivemos de suspender as atividades duas vezes somente neste ano porque havia gangues em confronto literalmente na frente da unidade.

Além de Cité Soleil, outras instalações do MSF também tiveram de ser temporariamente fechadas nos últimos meses, como em Drouillard, Martissant e Tabarre, devido às balas perdidas, invasões e ameaças. Como é a atuação do MSF em meio a uma zona de perigo e como é garantida a segurança das equipes médicas nessas situações?

Grande parte do meu trabalho é me certificar de prestar atenção aos locais onde iremos, o que está acontecendo nesses lugares, quando é a melhor hora para partir e tentar falar com todas as partes. Nós do MSF negociamos nossa presença nos lugares com quaisquer que sejam os que estão no poder em determinada região. Avisamos sobre o que faremos, por que iremos até lá e quando iremos embora. Obviamente não é o ideal, mas é o que dá para fazer. E, mesmo tomando todas as precauções, às vezes nossas equipes ainda passam por situações de perigo.

Mas é muito triste que a insegurança tenha se tornado algo normal para as nossas equipes médicas. Quando algo de ruim acontece, o que para nós seria absurdamente chocante, para eles já é algo como "apenas mais um dia de trabalho por aqui". Eu noto que o pessoal está muito cansado e preocupado sobre o que pode vir a acontecer no futuro também. Muitos moram em partes da cidade que estão atualmente sob ataques, alguns inclusive tiveram de sair de suas casas por isso.

Quanto ao acesso aos serviços médicos, quais os maiores obstáculos que as pessoas enfrentam ao tentar buscar os serviços do MSF?

No geral, há épocas em que as coisas estão mais violentas, como agora, mas há também fases em que há uma espécie de trégua entre os dois grupos rivais. Ainda assim, a situação ainda é muito complicada, pois parte da cidade é controlada por um desses grupos, que bloqueiam as saídas. E há apenas uma única estrada por onde as pessoas podem entrar e sair da cidade, e barreiras tornam essa movimentação difícil.

A população fica amedrontada de passar por lá e sofrer qualquer tipo de violência, como estupros, ou de morrer ali mesmo. Então as pessoas acabam ficando "presas" em suas vizinhanças. Por conta desse controle, há também uma escassez de serviços disponíveis na cidade. Há poucos centros de saúde, as pessoas estão pobres, não há trabalho. As pessoas não têm para onde fugir. Há poucas estruturas que ainda funcionam, e somente se você pagar por isso. Nós somos uma das únicas opções para aqueles que não têm dinheiro.

A população está cada vez mais pobre e a comida cada vez mais cara. Com o recente fechamento da fronteira com a República Dominicana, as coisas só aumentam de preço.

Além da violência das gangues, há também o problema das chuvas e as enchentes, como as de junho, que deixaram 42 mortos e mais de 13 mil desabrigados...

Sim. Toda vez que chove, há inundações na cidade. Fomos com uma clínica móvel a uma escola recentemente, onde que milhares de pessoas estão vivendo após perderem suas casas nas enchentes. Atendemos cerca de 200 pacientes em um único dia, com apenas dois médicos na equipe. As condições variavam de sarna a febre, de pequenos ferimentos a feridas inflamadas, além de vítimas da violência das gangues.

O MSF chegou a alertar sobre a alta no número de casos de cólera no ano passado, pedindo apoio no combate à doença. Como está a situação agora? Há expectativa de um novo surto neste ano?

Eu trabalhei intensamente no tratamento de pacientes com cólera recentemente, mas nos últimos meses o fluxo diminuiu. Há fases de altos e baixos em epidemias como a cólera, mas estamos na estação das chuvas no momento, e já estamos preocupados.

Há muitas inundações de água e esgoto, então sabemos que as pessoas estão tomando água não potável e prejudicial à saúde. Estamos preocupados que a cólera tenha um novo pico em breve, mas temos estoque para tratar os pacientes assim que isso acontecer.

O Unicef alertou, em agosto, sobre como a crise no Haiti também afeta mulheres e crianças, vítimas frequentes de sequestros e estupros. Vocês atendem muitas vítimas que passaram por traumas como esses?

Há, infelizmente, um nível muito alto de violência contra as mulheres e crianças atualmente, e é algo que vemos com frequência em nossos atendimentos. Há muitas mulheres que precisam de assistência médica e psicológica, e esse número só tem aumentado. Infelizmente não sei dizer uma média de pacientes que atendemos nessas condições, mas é uma situação certamente alarmante e que definitivamente necessita de atenção.

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