Mundo
PUBLICIDADE
Por — Varsóvia

Quase um milhão de ucranianos vivem hoje na Polônia, de acordo com o último relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), lançado em setembro, que mostra que a Polônia é o segundo país que mais recebeu ucranianos com a guerra, atrás apenas da Alemanha, não só pela proximidade geográfica, mas também pelas raízes culturais e históricas que os dois países compartilham. É, de longe, a maior população de imigrantes presentes no país, com uma população de 41 milhões de habitantes. Por isso, às vésperas das eleições legislativas polonesas, no próximo dia 15, é inevitável que o país e a guerra na Ucrânia estejam presentes com força na campanha.

Nas ruas das principais cidades polonesas, é comum ver bandeiras ucranianas em lojas, instituições privadas e nas janelas das casas, assim como atos de apoio em praças públicas. No centro da cidade velha de Cracóvia, por exemplo, voluntários poloneses pedem diariamente doações para os refugiados ucranianos, e lá se reúnem para entoar o hino da Ucrânia. O maior jornal privado do país, o Gazeta Wyborcza, agora tem uma seção apenas com notícias escritas em ucraniano, e há vários canais pagos de TV ucranianos no país — o que não era comum antes da guerra.

Desde o início da invasão russa, Varsóvia desempenhou um papel fundamental no lobby junto a outros membros da União Europeia e da Otan para o envio de mais armas à Ucrânia. Mas, há pouco mais de uma semana, o premier polonês, Mateusz Morawiecki — que vinha sendo um dos apoiadores mais resolutos de Kiev no conflito contra Moscou — anunciou que interromperá o fornecimento de ajuda militar à Ucrânia para armar seu próprio Exército.

A suspensão acontece após protesto de Kiev contra a decisão de Varsóvia de proibir a venda de grãos ucranianos, que passaram a inundar a Polônia após o rompimento pela Rússia do acordo de exportação de cereais através do Mar Negro. Os agricultores e a população rural do país representam um importante eleitorado para a direita polonesa. E eles agora temem que seus meios de subsistência estejam ameaçados pelos grãos e outros produtos agrícolas baratos vindos da Ucrânia.

— O PiS reconhece corretamente os sentimentos dos poloneses em geral, que foram entusiasticamente pró-ucranianos durante muito tempo e agora estão exaustos com a guerra, com a inflação e os custos de vida — afirma ao GLOBO o cientista político polonês Pawel Ukielski, vice-diretor do Museu do Levante de Varsóvia, referindo-se ao ultranacionalista Partido Lei e Justiça. — Eles também sentem que a Ucrânia não valoriza o apoio polonês tanto quanto deveria. Com as declarações, o primeiro-ministro, o presidente e o líder do PiS jogam, portanto, uma cartada política.

Bandeira da Ucrânia é hasteada na entrada do  Centro Comunitário Judaico (JCC) de Cracóvia — Foto: Marina Gonçalves
Bandeira da Ucrânia é hasteada na entrada do Centro Comunitário Judaico (JCC) de Cracóvia — Foto: Marina Gonçalves

'Circo antiucraniano"

Na semana passada, o presidente polonês, Andrzej Duda, chegou a comparar a Ucrânia a um "homem que está se afogando". Dias depois, no entanto, suavizou as declarações do premier, argumentando que a ameaça de parar de fornecer armas a Kiev foi "interpretada da pior maneira possível".

— Uma pessoa que se afoga é extremamente perigosa, porque pode puxá-lo para as profundezas. Ela pode simplesmente afogar o salvador — afirmou Duda.

Marta Prochwicz-Jazowska, analista do escritório de Varsóvia do centro de estudos German Marshall Fund, afirma ainda que as declarações do premier na TV pretendem tranquilizar os eleitores de que o governo da Direita Unida (coligação de partidos de direita liderados pelo PiS) investirá na modernização do Exército polonês.

Até agora, o governo destinou cerca de 40% do seu equipamento militar à Ucrânia, mas o ritmo diminuiu desde abril. Depois de perder as suas próprias capacidades, o país iniciou rapidamente compras em grande escala para reabastecer e modernizar as Forças Armadas polonesas. Em 2023, o orçamento destinado à modernização foi de US$ 33 bilhões (R$ 165 bi).

— As declarações do premier foram dirigidas a um público interno que teme a Rússia. O slogan da campanha do PiS é “Futuro Seguro para a Polônia”, e a intenção do primeiro-ministro era assegurar aos eleitores que a Polônia está segura e que a sua segurança é uma prioridade — afirma Marta Prochwicz-Jazowska.

O líder da oposição liberal polonesa, o ex-primeiro-ministro Donald Tusk, descreveu o novo conflito retórico entre os dois países como um "escândalo moral e geopolítico". Num comício na cidade de Kalisz, Tusk falou de um "desprezível circo antiucraniano" que está sendo encenado pelo PiS.

No domingo, milhares de manifestantes que apoiam a oposição foram às ruas protestar contra o governo.

— É um escândalo moral e geopolítico apunhalar politicamente a Ucrânia pelas costas quando decidem lutar na frente ucraniana, só porque será rentável para a sua campanha — disse Tusk, cujo partido, Coligação Cívica (KO, de centro), aparece em segundo nas pesquisas.

Segurança para o próprio país

Diferentemente de outros momentos da História do país, não há hoje um sentimento antiucraniano generalizado na Polônia — longe disso. De acordo com uma sondagem do German Marshall Fund, mais de 70% dos poloneses são a favor de que a Ucrânia se torne membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) — uma das justificativas do presidente russo, Vladimir Putin, para iniciar a guerra — e de que o governo polonês dê uma ajuda financeira para a reconstrução do país. O número é um dos mais altos da Europa.

— Os poloneses acolheram os ucranianos nas suas próprias casas, e os ucranianos que permaneceram na Polônia [muitos regressaram à Ucrânia, e outros foram para Alemanha] estão bem integrados à sociedade. Os poloneses também estão conscientes de que a sua economia está indo bem graças à força de trabalho ucraniana — afirma a analista do German Marshall Fund.

A sociedade polonesa em geral também entende que defender a Ucrânia — e os ucranianos — é uma questão de segurança para o próprio país. A ajuda militar, financeira e humanitária dada ao país vizinho totaliza cerca de 4,27 bilhões de euros (R$ 22 bilhões), de acordo com um levantamento do Ukraine Support Tracker, que quantifica a ajuda prometida pelos governos a Kiev.

— Há um consenso geral que os ucranianos lutam também pela nossa segurança, por isso a sociedade como um todo apoia os ucranianos na guerra — concorda o historiador polonês. — Os dois lados políticos, governo e oposição, concordam com os gastos militares, ou seja, o nível de militarização não é questionado.

A exceção é a legenda Confederação, partido nacionalista ainda mais à direita que o PiS, que usa abertamente slogans antiucranianos em sua campanha eleitoral, e defende, de maneira mais sutil, a decisão de Moscou de invadir o país. As últimas pesquisas mostram o PiS à frente, com apoio de 39% dos eleitores. A Coligação Cívica, de Tusk, vem em segundo, com 31%. A Confederação tem, em média, 10% dos votos.

Justamente por isso, alguns analistas acreditam que, com a aproximação da eleição, o PiS possa estar usando o sentimento anti-Ucrânia para fazer campanha para sua própria base eleitoral, usando os agricultores poloneses para angariar votos do Confederação.

— O comentário também pode ter tido como objetivo alcançar os eleitores da extrema direita que se afastaram do PiS a favor da Confederação, e reter os votos dos agricultores — diz Prochwicz-Jazowska.

Referendo sobre imigração

Apesar do elevado número de ucranianos no país, nem todos os refugiados são bem-vindos. A discussão em torno do tema, aliás, mudou dramaticamente nos últimos três anos no país. Antes da guerra, o PiS explorou a crise dos refugiados para promover sua “propaganda xenófoba” — que pintava migrantes não europeus, especialmente do Oriente Médio e da África, como “terroristas”.

Em 2021, o governo iniciou a construção de uma cerca de metal em sua fronteira com Bielorrússia, aliada de Moscou, após um fluxo de migrantes sem precedentes vindo do país. O Centro de Análise de Propaganda e Desinformação, vinculado ao Ministério de Negócios Estrangeiros da Polônia, denuncia uma "guerra híbrida" travada pela Bielorrússia. Segundo o centro, criado em 2019, o governo bielorrusso promoveu campanhas de desinformação, oferecendo uma rota para a União Europeia através da Bielorrússia — o que levou centenas de migrantes à fronteira.

— Vemos a Rússia como uma ameaça. E a desinformação, além dos ataques cibernéticos diários, são uma ameaça real à nossa segurança — disse uma porta-voz do centro, sob condição de anonimato. — Há uma guerra híbrida em curso com o objetivo de desestabilizar nosso país e influenciar as eleições. Hoje, 80% dos esforços do ministério têm a Rússia como alvo.

No fim do ano passado, o governo polonês voltou a reforçar a fronteira, desta vez com a construção de uma cerca ao longo na divisa com o território russo de Kaliningrado. A barreira temporária ao longo da fronteira de 210km conta com uma cerca de arame de 2,5 metros de altura e três metros de profundidade, além de equipamentos eletrônicos.

No dia das eleições legislativas, um referendo também irá consultar a população sobre o tema: “Você apoia a admissão de milhares de imigrantes ilegais do Oriente Médio e da África, de acordo com o mecanismo de relocalização forçada imposto pela burocracia europeia?”, diz a pergunta na cédula. Nos panfletos e peças de propagandas do governo sobre o referendo, a resposta "sim" já aparecia marcada.

Mais recente Próxima Trump comparece a julgamento por fraude civil em Nova York, e procuradora-geral diz que 'justiça prevalecerá'

Inscreva-se na Newsletter: Guga Chacra, de Beirute a NY

Mais do Globo

Atletas se enfrentam no início da tarde

Adversária de boxeadora da Argélia por medalha, húngara luta com gritos estilo Guga, do tênis

Cantor precisou cancelar show por recomendação médica

Lulu Santos é internado com sintomas de dengue no Rio de Janeiro

Erik Cardoso, Felipe Bardi e Paulo André não conseguiram se classificar para as semifinais da prova

Entenda por que a melhor geração de brasileiros dos 100m no atletismo termina os Jogos de Paris sem medalha

Podem se vacinar pessoas com 5 anos ou mais: 'o objetivo é aproveitar as doses descongeladas que valem até esta data', diz secretaria

Rio tem último dia de vacinação contra variante da Covid-19 neste sábado (3); saiba onde receber o imunizante

Prefeito do Rio diz que presidente vai liderar reunião com a Caixa e ministério responsável pelo patrimônio da União nas próximas semanas

Estádio do Flamengo: Eduardo Paes revela bastidores de conversa com Lula sobre terreno

Pacientes internados em hospitais que realizaram a pesquisa tiveram 33% menos chance de serem acometidos pela infecção

Pneumonia: escovar os dentes 2 vezes ao dia pode ajudar a afastar doença, diz estudo da Harvard

Classificada para as quartas de final, Imane Khelif enfrentará a húngara Luca Anna Hamori

Boxeadora da Argélia alvo de polêmicas pode garantir medalha hoje, saiba horário da luta

Local possui sistema de empréstimo de veículos com estações distribuídas pela cidade

Aproveitando 'clima olímpico', Paris quer virar 'cidade das bicicletas'; entenda