Se Israel batalha neste momento por sua própria existência, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu se vê em outro embate, mais pessoal: a defesa de seu legado e de sua reputação. Após comandar o país por quase 16 anos com a bandeira de ter trazido prosperidade e segurança aos israelenses, o veterano político agora enfrenta a exposição do fracasso de sua estratégia nas relações com os palestinos em meio ao maior massacre de judeus desde o Holocausto.
Independentemente dos desdobramentos da contraofensiva contra o Hamas, a morte de centenas de civis e soldados israelenses marcarão para sempre a biografia do primeiro-ministro, hoje líder de uma coalizão que inclui a extrema-direita.
Netanyahu vem demonstrando dificuldade em negociar um governo de coalizão nacional em tempos tão críticos com alguns de seus mais notáveis rivais, a maioria deles oficiais militares experientes. Moshe Yaalon, um ex-aliado que foi Ministro da Defesa do país, exigiu a renúncia do primeiro-ministro em uma rede social, para que ele pague assim “o preço de seu fracasso”.
Colunista do Yedioth Ahronoth , Amit Segal, um dos jornalistas mais próximos de Bibi, como o primeiro-ministro é conhecido, acredita que ele não “escapará da culpa por falhar sistematicamente ao tolerar o Hamas e tentar estabilizar Gaza”. “Vai ser muito difícil ele sobreviver politicamente”, afirmou. E comparou as cenas dos próximos capítulos à queda dos caciques políticos do país após a invasão árabe na Guerra do Yom Kippur, em 1973. “Creio que o conflito de agora também terminará sem uma única peça, política ou militar, no mesmo local em que estava no último sábado”, disse.
É claro que importa a maneira como a guerra terminará. Mas só até certo ponto. A derrota dos primeiros dias não será apagada nem por uma vitória esmagadora contra o Hamas nos próximos dias. Raposa política, Bibi sabe que Israel existe para defender o povo judeu. E que os israelenses querem erradicar o Hamas do mapa. Por isso ele deixou de lado sua tradicional cautela em iniciar uma frente de ataque em Gaza e outra, se necessário, no Líbano, como explica o escritor Mazel Mualem, que recentemente escreveu uma biografia do líder de direita.
Hospitais de Gaza estão sobrecarregados, e médicos falam em 'situação catastrófica'
— Ele está focado agora no controle de danos. Compreendeu que não será possível seguir no poder após as devastadoras falhas desta semana— afirma. — O que mais temia aconteceu: ele dormiu no posto e falhou em manter a segurança de Israel. É o pesadelo se tornando realidade para ele.
Somente o êxito no campo de batalha, frisa, poderá mitigar parte do dano causado pelas incursões do Hamas.
Historicamente, Bibi, opera durante as campanhas eleitorais pela divisão mas, uma vez no governo, adota esta estratégia de contenção de danos. No entanto, ele não vem tendo o mesmo êxito desde dezembro passado, quando voltou a governar Israel.
A coalizão com ultra religiosos e a extrema-direita, que rechaçou no passado, alçou duas figuras controversas, Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, a ministros de Estado. Eles defenderam mais assentamentos israelenses na Cisjordânia e propagandearam apoio tácito à violência contra os palestinos. Em outra frente, Netanyahu pressionou por uma reforma judicial que enfraqueceria a Suprema Corte, levando a uma onda de manifestações gigantescas nas ruas do país.
Medidas agora apontadas como equívocos políticos que sugaram dinheiro e atenção da segurança nacional. Até mesmo um de seus focos nas Relações Externas, o de tentar restabelecer relações com a Arábia Saudita, é visto como possível incentivador dos atos de um Hamas decidido a mostrar ao mundo que ainda precisa ser levado em conta no tabuleiro regional.
No entanto, apesar das dificuldades enfrentadas para afirmar o legado que gostaria, o primeiro-ministro ainda é visto como um político talentoso, com profundo conhecimento das maquinações políticas locais, fundamental para reduzir o centro e a esquerda israelenses nas últimas décadas. E o mais importante: Netanyahu sabe falar e agir afinado com os termos do Oriente Médio.
— Somos menos uma França conservadora e mais um Líbano muito liberal. E Netanyahu entende isso de forma que outros políticos israelenses jamais conseguiram. Isso o protegeu — explica o analista político Haviv Rettig Gur, do The Times of Israel. Até agora.
Inscreva-se na Newsletter: Guga Chacra, de Beirute a NY