Relatos de moradores e evidências de locais com grandes incidências de ataques a civis em Israel mostram falhas logísticas do governo e das forças militares do país após a chegada do Hamas. O resgate na área onde acontecia o Nova Festival e nos kibutz Kfar Azza, Be’eri e Nir Oz, no sul do país, demorou de oito a mais de 20 horas para acontecer, como indicam mensagens de sobreviventes. Os socorros mais atrasados foram registrados no assentamento comunitário Kfar Azza: desde o momento em que os moradores começaram a se esconder até o primeiro relatório de resgate quase um dia se passou.
A paramédica Amit Man, de 22 anos, mandou uma mensagem para sua família depois de se esconder do Hamas por cinco horas, antes de ser baleada e morta. Outras pessoas se esconderam na floresta, em bunkers e esperaram até 26 horas pela chegada de ajuda. A lenta resposta das forças israelenses no sábado, feriado nacional, permitiu aos grupos armados do Hamas um extenso tempo para se infiltrarem em mais de 20 cidades fora de Gaza, onde mataram pelo menos 1.200 pessoas e fizeram cerca de 150 reféns.
As autoridades israelenses se recusaram a responder a perguntas que questionavam seu tempo de de reação aos ataques. A cronologia de alguns dos eventos com mais mortos, a resposta oficial, com base em entrevistas com sobreviventes e seus familiares, e uma análise de fotos e vídeos foi revelada numa reportagem do "The New York Times".
Antes do ataque
Antes das 6h30m da manhã, a resposta oficial era: "a inteligência israelense detectou um aumento incomum na atividade nas redes militantes de Gaza que monitora e alertou os soldados israelenses que guardam a fronteira de Gaza". Mas o aviso não foi cumprido, ou porque os soldados não o receberam ou porque não o leram.
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Durante os ataques
Os ataques com uma intensidade nunca antes vista na história de Israel começaram em diversas regiões ao mesmo tempo. Parapentes armados decolaram de Gaza. Drones foram usados para destruir estações de vigilância israelenses e houve o disparo de milhares de foguetes. Comandos em caminhões e motocicletas aceleraram para o sul de Israel. Outros foguetes iluminaram o céu, ao amanhecer, num festival que durou toda a noite, o Nova Festival, e os espectadores começaram a evacuar.
Já em Nir Oz, um grupo de estudantes se refugiou em abrigos. Mas eles não seriam resgatados em menos de 12 horas.
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Em Kfar Azza, uma vila próxima também no sul do país, Shirley Okev foi para um quarto seguro e esperaria por ajuda mais de 20 horas. Ela tentou contato com o filho para fazer alertas ao exército, mas precisou aguardar mais do que imaginava. “Não vieram rápido, esperamos muito tempo”, disse.
Demora na identificação de ataques terrestres
Às 6h31m, a resposta dos militares israelenses aos foguetes foi imediata, mas o país ainda não considerava uma invasão terrestre. Mais ou menos no mesmo momento, em Alumim, noroeste do deserto de Negev, Sarit Kurtzman ouviu sirenes de foguetes e correu para um cômodo seguro com seu bebê de 14 meses. Ela ficaria lá por 26 horas até que a ajuda chegasse.
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Trinta minutos depois que os ataques começaram, homens armados do Hamas já percorriam diversas cidades. Arie Itzik, um enfermeiro aposentado que estava abrigado em Nir Oz, recebeu o pedido de ajuda de uma mulher que tinha saído para passear. Terroristas atiraram nela e em seu marido. Ferida, ela acreditou que ele estava morto. Mais tarde, ela seria sequestrada. E Itzik ficaria abrigado por pelo menos mais oito horas antes que os soldados chegassem para resgatá-lo.
“O exército não estava na área, nem mesmo um soldado. Estávamos sozinhos. Foi assustador”, disse ele.
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Uma hora depois, muitos civis tinham sido mortos em cidades próximas à fronteira de Gaza, incluindo em Sderot, onde houve tiroteio. Mais tiros aconteceram perto de onde era realizado um festival de música eletrônica. Participantes que enfrentavam um engarrafamento ficaram em pânico ao sair do evento.
Neste momento, as respostas oficiais israelenses, via redes sociais, era de que "militares relataram que grupos armados do Hamas cruzaram a fronteira e instaram os civis a permanecerem em suas casas". Mas as pessoas em casa corriam grave perigo.
Duas horas depois, o alerta
Israel declarou estado de alerta para a guerra duas horas depois do início dos ataques: “Durante a última hora, a organização terrorista Hamas lançou enormes foguetes de Gaza contra Israel, e os seus terroristas se infiltraram em Israel em diversas regiões do sul do país”.
Em seguida, imagens de redes sociais mostravam pessoas feridas e ensanguentadas, além de reféns levados pelo grupo armado. Mais de três horas e meia depois do início dos ataques, o Ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, disse que o país estava em guerra. A resposta oficial do país, minutos depois, era a de que Israel anunciava ataques a Gaza. Muitas pessoas, no entanto, ainda estavam desprotegidas em diversas regiões.
Pronunciamento cinco horas depois
O primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu fez sua primeira declaração à nação sobre a crise às 11h35m, horário local, cinco horas depois dos primeiros ataques e afirmou que o país estava em guerra.
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Enquanto isso, seis horas depois que o ataque começou, imagens mostravam que a área onde acontecia o festival de música eletrônica ainda tinha clima de insegurança, com dezenas de homens armados do Hamas percorrendo o local.
As primeiras fotos registradas de agentes israelenses fazendo rondas em lugares como Sderot vieram à tona sete horas depois dos primeiros ataques. Anteriormente, muitos deles tinham sido mortos em bases perto da fronteira e os ataques de drones causaram problemas de comunicação.
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Pedido de socorro via WhatsApp
Onze horas depois dos primeiros relatos de ataque, pessoas que faziam parte de um grupo de vizinhos de Nir Oz no WhatsApp ainda pedia socorro. "Alguém sabe onde o exército está?", perguntou um integrante. O resgate a alguns moradores aconteceu longos minutos depois.
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Em outro lugar do kibutz, uma mulher e sua filha também foram resgatadas. Ao saírem, constataram que dezenas de bicicletas da cidade tinham sido roubadas, carros tinham sido queimados e casas tinham sido saqueadas. "Os criminosos tiveram muito tempo”, observou ela. Em seguida, um grupo que foi resgatado numa creche percebeu que a ajuda só tinha chegado para cerca de metade da população local.
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Falhas logísticas
As autoridades de Israel estão, pouco a pouco, se dando conta de que houve um conjunto de falhas logísticas e de inteligência que abriram caminho à incursão de Gaza no sul de Israel e que houve demora na resposta. A escala total de crimes cometidos pelos terroristas do Hamas no último sábado ainda está para ser constatada e entendida.
Na manhã de segunda-feira, os soldados israelitas ainda combatiam grupos armados em pelo menos seis cidades, e os confrontos periódicos continuaram mesmo depois de um porta-voz militar israelita ter dito que os militares tinham recuperado o controle total das áreas. Dias depois dos ataques, moradores ainda aguardavam a força militar de Israel para identificar, recuperar corpos e avisar às famílias.
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