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Desde o início do ataque do Hamas a Israel , no último dia 7, a violência das ações atribuídas tanto ao grupo terrorista quanto às Forças Armadas israelenses levou expressões como "genocídio" e "punição coletiva" para o centro do debate público. As atrocidades cometidas levantaram questionamentos sobre se as ações de ambos os lados configurariam crime de guerra e como poderiam ser julgadas no futuro.

O bombardeio ao Hospital Árabe al-Ahli em Gaza na terça-feira, apontado por analistas ouvidos pelo GLOBO como uma violação grave do direito internacional, acirrou ainda mais o debate, elevando o temor de uma escalada maior da violência. O cenário se complica diante da falta de informações detalhadas sobre a explosão, que matou ao menos 471 pessoas, segundo autoridades palestinas. Ao mesmo tempo que o Hamas acusa Israel pelo ataque aéreo, o governo israelense culpa a Jihad Islâmica — outro grupo extremista que atua na região e é aliado do Hamas — pelo foguete que deixou local em ruínas.

Antes mesmo do bombardeio ao hospital, porém, a avalanche de acusações ganhava tração. Não demorou 48 horas após o início do conflito para as primeiras denúncias de crime de guerra surgirem em um relatório da ONG Human Rights Watch (HRW). De acordo com o documento, tanto o ataque terrorista do Hamas contra civis — que deixou mais de 1,4 mil israelenses mortos, 3,9 mil feridos e fez ao menos 199 reféns, incluindo estrangeiros —, quanto a reação de Israel de bombardear áreas densamente povoadas em Gaza e isolá-la — impedindo a abertura de um corredor humanitário e suspendendo o fornecimento de suprimentos essenciais, como água, energia, alimentos e remédios — configurariam crimes de guerra.

Segundo Omar Shakir, diretor da HRW dedicado a observar a situação Israel-Palestina, a ONG monitora há 30 anos as condições da população na Faixa de Gaza e alerta para um cenário de crise humanitária sem precedentes. Para ele, é preciso pôr fim à impunidade pelas violações aos direitos humanos que ocorrem há anos na região.

— É necessário que haja responsabilização, pois lidamos com décadas de ataques ilegais de várias partes — afirma Shakir ao GLOBO. — Enquanto não houver responsabilização, vamos continuar com ciclos de escalada da violência.

No contexto do atual conflito, a apuração dos fatos e a sua eventual punição ficam a cargo do Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, que desde 2021 investiga as violações ao direito internacional na região a pedido da Autoridade Nacional Palestina (ANP) — signatária do Estatuto de Roma, no qual a corte se baseia.

Mas o regimento do tratado, assinado em 1998 e incorporado posteriormente pelo Brasil à Constituição, é comumente ignorado por militares, avalia o professor de direito internacional Ricardo Victalino.

— Muitos estrategistas militares foram formados no período anterior a 1998, quando o TPI não atuava, então eles não estão preparados para responder conforme o direito internacional — analisa Victalino.

De acordo com o professor, mesmo Israel não reconhecendo o TPI, caso sejam comprovados crimes de guerra, de agressão, contra a Humanidade e/ou de genocídio — os únicos sob jurisdição da corte —, suas condutas poderiam ser levadas a julgamento. Como o órgão não pune Estados, mas pessoas, seriam responsabilizados os mandantes das ações, isto é, o alto-comando militar e a cúpula do governo israelense, incluindo o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, já que nem mesmo chefes de Estado têm imunidade no tribunal. A punição, porém, não incluiria soldados na linha de frente, explica Victalino.

Um desafio maior seria punir o Hamas, já que o grupo não é aceito internacionalmente como representante dos palestinos como a Autoridade Nacional Palestina (ANP), que comanda a Cisjordânia. Também por isso, a ANP não poderia ser considerada culpada por qualquer ação orquestrada pelos terroristas que controlam a Faixa de Gaza.

Procurado pelo GLOBO, o TPI confirmou que as recentes ações do Hamas e do Estado de Israel estão sob a sua jurisdição e poderão ser incluídas na investigação em aberto. A corte, no entanto, se negou a dizer em que estágio está o processo devido a sua confidencialidade. Desde 2021, nenhum relatório sobre a ação veio a público.

— Dirigir intencionalmente ataques contra a população civil é crime de guerra e a utilização de civis como escudos humanos também — analisa Sylvia Steiner, ex-juíza do TPI e única brasileira a já ter integrado a corte. — Essa reação do governo [israelense] de bombardear prédios civis e cercar a cidade de Gaza, interrompendo o fornecimento de suprimentos, também faz parte das condutas proibidas pelo direito internacional humanitário. Não importa que seja por retaliação, tem que ser proporcional.

O Estatuto de Roma estabelece como crime de guerra aqueles que violam a Convenção de Genebra, promulgada em 1949 no contexto pós-Segunda Guerra Mundial, e só podem ser classificado assim no momento em que há confrontos ativos. Eles incluem cenários como sequestro de reféns; ataques intencionais contra civis e instalações como hospitais, escolas, templos religiosos e monumentos históricos; uso de civis para autodefesa em operações militares; e restrição ao acesso a suprimentos essenciais à sobrevivência.

Os crimes de lesa-Humanidade, por outro lado, não precisam acontecer necessariamente durante um conflito armado. Segundo o estatuto, são violações cometidas "como parte de um amplo ou sistemático ataque direcionado a qualquer população civil", relacionadas ou não às características que unem aquele povo. Nesta categoria incluem-se a deportação ou deslocamento forçado de uma população, a perseguição aos seus direitos civis, o extermínio por meio da privação ao acesso a alimentos e medicamentos e o apartheid.

Para Victaralino, embora as diferenças entre crime de guerra, crime contra a Humanidade e genocídio pareçam sutis, a intencionalidade e o contexto no qual ocorrem são formas de distingui-los. No entanto, provar o crime de genocídio é mais desafiador, já que é preciso comprovar o intuito de dizimar um grupo de pessoas de uma mesma etnia ou religião, por exemplo. Mas o professor pontua: os crimes não se anulam e podem se somar a uma mesma acusação num processo no TPI.

Atualmente, o Tribunal Penal Internacional investiga 17 casos de violações cometidas em países como Sudão, Mianmar, Afeganistão e Ucrânia — este último culminando na ordem de prisão contra o presidente russo Vladimir Putin pela suposta deportação ilegal de crianças ucranianas para territórios sob controle de Moscou.

Embora a corte não seja reconhecida pela Rússia, o chefe de Estado pode ser detido caso viaje para algum dos mais de 120 países que são signatários do Estatuto de Roma, incluindo o Brasil.

Mais recente Próxima Estudantes, ataque suicida e proximidade com Hamas: o que é a Jihad Islâmica Palestina

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