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Por , Em The New York Times

Por 20 meses, o governo do presidente americano, Joe Biden, buscou estabelecer uma "superioridade moral" em relação à Rússia, condenando a guerra brutal contra a Ucrânia e a morte indiscriminada de civis. O argumento ressoou em grande parte do Ocidente, mas teve menos força em outras partes do mundo. No Sul Global, a guerra foi muitas vezes percebida como um conflito entre grandes potências e não houve adesão a sanções e ao isolamento de Moscou defendido por Washington. Agora, enquanto Israel bombardeia a Faixa de Gaza, matando mais de 4,3 mil pessoas desde 7 de outubro, o apoio inabalável de Biden aos israelenses corre o risco de criar novos obstáculos aos seus esforços para conquistar a opinião pública global.

Em discurso no Salão Oval da Casa Branca, na quinta-feira, Biden igualou o apoio americano à Ucrânia e a Israel, descrevendo as duas nações como democracias que lutam contra inimigos determinados a “aniquilá-los completamente”. A Rússia invadiu e pretende anexar parte do territóiro da Ucrânia, enquanto o Hamas, grupo que controla Gaza e nega o direito de existência de Israel, deflagrou um ataque terrorista que matou pelo menos 1,4 mil pessoas no sul do país.

Mas o contra-ataque de Israel a Gaza, a iminente uma invasão terrestre em larga escala e o forte apoio dos EUA ao seu mais importante aliado no Oriente Médio, independentemente disso, motivaram acusações de hipocrisia.

Cratera após um ataque russo no centro da cidade de Kharkiv, no leste da Ucrânia — Foto: Sergey Bobok/AFP
Cratera após um ataque russo no centro da cidade de Kharkiv, no leste da Ucrânia — Foto: Sergey Bobok/AFP

Tais acusações não são propriamente novas no conflito do Oriente Médio. Mas a dinâmica da crise dupla foi além do desejo de Washington de reunir apoio global para isolar e punir a Rússia por invadir o seu vizinho europeu.

Cada vez mais, o Oriente Médio se torna uma frente renovada na luta por mais influência no Sul Global, opondo o Ocidente à Rússia e à China.

— A guerra no Oriente Médio aumenta o fosso crescente entre o Ocidente e países como o Brasil e a Indonésia, estados-chave do Sul Global — afirmou Clifford Kupchan, presidente da organização de avaliação de risco Eurasia Group. — Isso tornará a cooperação internacional na Ucrânia, assim como a aplicação de sanções à Rússia, ainda mais difícil.

Críticas de Lula e Widodo

O presidente da Indonésia, Joko Widodo, líder da nação muçulmana mais populosa do mundo — e que não reconhece Israel —, condenou as “injustiças em curso contra o povo palestino”. "A guerra em Gaza só irá piorar a situação global", disse ele, ameaçando apoiar o aumento dos preços do petróleo depois de a guerra na Ucrânia já ter desacelerado as exportações de trigo.

No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou o fornecimento de armas dos EUA à Ucrânia como “incentivo” à guerra, mas culpou os dois lados pelo conflito e ofereceu-se para mediar. O Brasil, como presidente rotativo do Conselho de Segurança das Nações Unidas este mês, elaborou uma resolução de cessar-fogo humanitário em Gaza, que também condenou explicitamente “hediondos ataques terroristas do Hamas”.

Após os EUA terem vetado a resolução por, segundo Washington, não mencionar o direito de Israel à autodefesa, o embaixador do Brasil nas Nações Unidas, Sérgio França Danese, expressou frustração.

— Centenas de milhares de civis em Gaza não podem esperar mais — disse ele. — Na verdade, eles (já) esperaram muito tempo.

Nesta segunda-feira, Lula falou com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, sobre os conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio. Por telefone, os dois presidentes concordaram quanto à necessidade de que Israel cesse os bombardeios na Faixa de Gaza e que haja uma imediata libertação dos reféns feitos pelos Hamas, de acordo com comunicado emitido pelo Itamaraty.

Dois pesos, duas medidas

Líderes árabes – incluindo o presidente do Egito, Abdel Fattah el-Sisi, o rei da Jordânia, Abdullah II, e o ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, o príncipe Faisal bin Farhan al-Saud – atacaram o que chamaram de "padrões duplos", em discursos na Cúpula de Paz do Cairo, no sábado.

— Em qualquer outro lugar, atacar infraestruturas civis e deixar deliberadamente uma população inteira sem alimentos, água e necessidades básicas seria condenado, e a responsabilização seria imposta — disse o rei Abdullah. — O direito internacional perde todo o valor se for implementado de forma seletiva.

Os palestinos criticaram os maiores centros de poder do Ocidente por não expressarem indignação ao bombardeio de Gaza "similar" a que apontaram quando dos ataques com mísseis russos contra cidades e infraestruturas ucranianas, classificados como “bárbaros” e “crimes contra a humanidade”.

Quando a guerra na Ucrânia eclodiu, os palestinos ficaram exultantes com a posição dura assumida pelas capitais ocidentais contra "um país que ocupava terras de outro", afirmou Nour Odeh, comentarista político palestino baseado em Ramala.

Imagens aéreas mostram destruição ao sul de Gaza após bombardeios

Imagens aéreas mostram destruição ao sul de Gaza após bombardeios

— Mas parece que a ocupação só é ruim se os caras que a fazem não estiverem do seu lado — afirmou.

De certa forma, o conflito de Gaza tem sido uma bênção pro Kremlin, afastando os holofotes da guerra na Ucrânia e fortalecendo a imagem da Rússia no Oriente Médio e no Sul Global. Nos últimos anos, o presidente Vladimir Putin tem procurado restaurar parte da influência perdida da antiga União Soviética na região, intervindo militarmente em guerras civis na Síria e na Líbia. Ele fortaleceu enormemente os laços com o Irã, país que Israel considera uma ameaça à sua segurança nacional.

Imagens aéreas mostram destruição após recaptura de Robotyne, no sul da Ucrânia

Imagens aéreas mostram destruição após recaptura de Robotyne, no sul da Ucrânia

O apoio russo ao Hamas tem sido visto como uma extensão desses esforços, e Putin tem comparado o cerco de Gaza ao de Leningrado, na Segunda Guerra Mundial, símbolo sagrado na Rússia por conta da resistência aos nazistas.

A China também tem procurado expandir sua influência no Oriente Médio, tendo recentemente mediado um acordo entre o Irã e a Arábia Saudita para restaurar as relações entre os países. Rússia e China se recusaram a condenar oficialmente o Hamas. Em vez disso, criticaram o tratamento dispensado por Israel aos palestinos, especialmente a decisão de cortar água e eletricidade de Gaza. E destacaram o número de mortes de civis. Os dois países pediram mediação internacional e um cessar-fogo.

Olhar para o Sul Global

Um estado independente palestino é defendido há tempos no Sul Global e a guerra em Gaza apenas aumentou ressentimentos na África, Ásia e América Latina de que o Ocidente trata a Ucrânia como um caso especial por se tratar de "um conflito europeu". Critica-se o montante gasto em armamentos para a Ucrânia, enquanto os objetivos de desenvolvimento internacional, argumenta-se, são ignorados.

— [Há uma percepção de que o Ocidente] preocupa-se mais com os refugiados ucranianos, com o sofrimento dos civis ucranianos, do que de refugiados no Iêmen, Gaza, Sudão, Síria — disse Hanna Notte, analista do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais da Eurasia Group.

Isto ajuda a ilustrar a razão pela qual o Ocidente não conseguiu persuadir países como a Índia e a Turquia a apoiarem sanções contra a Rússia. Dada a situação em Gaza, é pouco provável que o esforço tenha sucesso tão cedo.

— É uma enorme dor de cabeça para os diplomatas ocidentais porque eles gastaram muito tempo este ano tentando encantar o Sul Global — disse Richard Gowan, diretor de ONU no International Crisis Group. — Vimos o apoio e o interesse pela Ucrânia desaparecerem entre os membros da ONU ao longo deste ano.

Na Europa, a discussão desenrolou-se em grande parte nas redes sociais, onde alguns comentaristas também criticaram a Europa pela "hipocrisia nas diferentes abordagens às guerras na Ucrânia e em Gaza", enquanto alguns poucos políticos comentaram o tema direta e publicamente.

Carl Bildt, ex-primeiro-ministro sueco, escreveu no X (antigo Twitter), que a maior parte do mundo percebe um duplo padrão na reação ocidental em relação às duas guerras. “Certo ou errado, isso é algo com o qual devemos lidar”, escreveu.

Acertando a narrativa

E há sinais de que isso está acontecendo. Josep Borrell, o principal diplomata da União Europeia, disse em um discurso no Parlamento Europeu na quarta-feira que cortar o abastecimento de água era uma violação do direito internacional, independentemente de onde acontecesse. “Está claro que privar uma comunidade humana sitiada do abastecimento básico de água é contrário ao direito internacional – seja na Ucrânia ou em Gaza”, disse.

Analistas sugeriram que a hostilidade em relação à política ocidental na Ucrânia em certos cantos do mundo deveria mesmo ser considerada inevitável, mas que ainda poderia ser tratada "com algum tato". Gaza mudou a equação.

Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos enfrentaram frequentemente um bloco hostil de nações não-alinhadas, bem como a União Soviética e os seus aliados, e ainda assim conseguiram prevalecer, disse John Herbst, ex-enviado dos EUA à Ucrânia e também diplomata em Israel e nos territórios ocupados, atualmente analista no Atlantic Council.

O conflito de Gaza pode tornar a conquista de apoio à Ucrânia “um pouco mais difícil”, disse, ainda que de forma alguma impossível.

O objetivo de Israel de destruir o Hamas é provavelmente ambicioso demais, disse ele, mas pode enfraquecer enormemente a capacidade militar do grupo armado. Os EUA sofrerão no curto prazo um golpe na opinião pública global por seu apoio a Israel, mas isso provavelmente desaparecerá com o tempo, previu ele, e não deverá dissuadir Washington de continuar a defender sua posição em relação à Ucrânia.

— Devíamos explicar que o que Moscou está fazendo na Ucrânia é perigoso para todas as nações, porque se o tipo de ordem internacional que o Kremlin está perseguindo, e que Pequim está a seguir, se tornar a ordem internacional, isso significa que todos os Estados pequenos e comparativamente fracos estariam à mercê de seus vizinhos maiores — disse Herbst, sem fazer paralelos, neste caso, com a situação no Oriente Médio.

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