O líder do grupo xiita libanês Hezbollah, Hassan Nasrallah, fez nesta sexta-feira seu primeiro discurso desde o início da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, no dia 7 de outubro. Em um pronunciamento que durou cerca de 1h30, Nasrallah criticou abertamente os Estados Unidos e afirmou que o grupo libanês está na guerra desde o dia 8 de outubro — um dia após o ataque —, sem descartar a hipótese de uma escalada do conflito: “todos os cenários estão em aberto”. Nasrallah, no entanto, se distanciou da ofensiva, “decidida e executada 100%” pelos palestinos.
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A fala foi acompanhada por milhares de libaneses em praças públicas, que bradavam palavras de ordem e hasteavam bandeiras do país e do grupo xiita.
Nasrallah iniciou o seu discurso fazendo elogios aos “mártires caídos” do grupo e de outros movimentos que lutam contra Israel, como a Jihad Islâmica e o Hamas, além dos civis mortos. O líder confirmou que pelo menos 57 combatentes libaneses morreram desde o início do conflito. Do lado dos civis, Gaza soma mais de 9,2 mil palestinos mortos, enquanto a Cisjordânia, administrada pela Autoridade Nacional Palestina (ANP) presencia uma escalada no conflito em seu território, com 120 mortos.
Ao mencionar o “Dilúvio de al-Aqsa”, como o ataque contra Israel foi chamado pelos terroristas, o líder do Hezbollah afirmou que foi uma ofensiva “decidida e executada 100%” pelos palestinos, o que demonstra a autonomia da tomada de decisões pelos líderes das milícias financiadas pelo Irã ao redor do Oriente Médio — por exemplo, no Líbano, Iêmen, Iraque e Síria. Também afirmou que o país “não exerce qualquer tutela sobre as facções de resistência” e reforçou que as as decisões são tomadas pelos seus líderes. Disse ainda que o “segredo” do que chamou ao longo do discurso de “operação” não incomodou seus combatentes, defendendo que teria sido necessário para seu “êxito”.
Para o libanês, o ataque “corajoso, heroico e criativo” causou um “terremoto” em Israel, expondo o que chamou de “fraqueza” e “fragilidade total” do Estado judeu, com repercussões “estratégicas e existenciais” que deixarão marcas no presente e no futuro do país:
— Tinha que acontecer alguma coisa importante que abalasse a entidade usurpadora e os seus apoiantes em Washington e Londres. Foi neste cenário que ocorreu a abençoada operação de 7 de outubro.
Ao longo da sua fala, Nasrallah foi endurecendo o tom. Disse que esta guerra é diferente dos conflitos vistos e presenciados no passado, afirmando que dois objetivos devem ser traçados: um cessar-fogo em Gaza e a garantia de que o Hamas saia vitorioso. Pediu que países árabes cortassem óleo, gás e suprimentos exportados a Israel, em resposta ao "cerco total" imposto a Gaza e aos obstáculos para a entrada de ajuda humanitária.
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O líder do Hezbollah alertou que o front aberto com Israel no sul do Líbano irá se desenvolver “de acordo com o que acontece em Gaza”. Disse que o grupo xiita está na guerra desde o dia 8 de outubro, um dia após o ataque terrorista do Hamas ao território israelense, e que apesar de seus ataques parecerem tímidos, são considerados sem precedentes desde 1948, ano em que o Estado de Israel foi fundado.
Israel combate o grupo libanês ao norte do seu território e tem trocado disparos diários na fronteira há pouco mais de três semanas. Foguetes têm sido lançados pelo Hezbollah, que recebem como resposta o sobrevoo de aviões de guerra e helicópteros israelenses, além de artilharia e tanques. A intensificação do conflito levou israelenses em cidades e kibutzs ao norte a buscarem abrigos em outras regiões. O confronto matou o cinegrafista da Reuters, Issam Abdallah, de 37 anos, e deixou outros seis feridos, perto da cidade de Alma al-Shaab, no sul do Líbano.
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Nasrallah reiterou que todos os “cenários estão abertos” e que poderão ser “adotados a qualquer momento”. O libanês considerou ainda que a possibilidade de uma “guerra total é realista”, o que suscita o temor de uma possível escalada regional do conflito, e defendeu:
— Quem quiser evitar uma guerra regional deve parar rapidamente a guerra na Faixa de Gaza.
Em relação aos Estados Unidos, que prometeram apoio “inabalável” a Israel desde a eclosão da guerra, o chefe do grupo Hezbollah disse que eles são "totalmente responsáveis" pelo conflito em Gaza, alegando que “impedem o cessar-fogo e o fim da agressão". De maneira clara e incisiva, Nasrallah afirmou que seus navios estão prontos para “enfrentar a frota que os ameaça”, em referência aos porta-aviões americanos que aportaram no Mediterrâneo nas últimas semanas.
Nasrallah também saudou também “as mãos iraquianas” e a milícia houthi, do Iêmen, que passou a se envolver no conflito. Nesta terça-feira, o grupo iemenita reivindicou um ataque com mísseis balísticos e um "grande número de drones" contra a cidade turística de Eilat, no sul de Israel, em resposta ao bombardeio militar israelense na Faixa de Gaza. Os rebeldes também são apoiados pelo Irã e prometeram que outros ataques ocorrerão caso a guerra continue, o que abre uma nova frente no conflito.
O Hezbollah surgiu durante a ocupação israelense do sul do país, nos anos 1980 e 1990. A Revolução Islâmica do Irã, em 1979, e a marginalização do grupo dentro do Líbano, dominado ao longo da história por muçulmanos sunitas e diversos grupos cristãos, também foram fatores decisivos para a sua criação. O grupo está decisivamente inserido na sociedade do país: seus membros são libaneses, ele atua como partido político, mantêm escolas, hospitais e uma rede de TV.
Na década de 1990, o grupo passou a optar pelo investimento em uma milícia treinada e muito bem armada. Por isso, sua força bélica é ainda mais preocupante para Israel. Em 2006, o Hezbollah enfrentou o Estado judeu em um conflito que se estendeu por 33 dias. O confronto de grande escala, não teve vencedores, mas o Líbano foi arrasado. Atualmente, acredita-se que o grupo armado tenha cerca de 100 mil mísseis. (Com AFP)
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