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Por ordem do santo algoritmo, nas últimas semanas quem surgiu na minha timeline com alguma frequência foi Nego Bispo, quilombola piauiense, pensador e escritor da cultura originária brasileira. Em um dos vídeos, ele dedica boa parte de sua palestra para atacar o que define como arrogância da academia que, a partir de conceitos rebuscados e complexos, tentaria ensinar a eles, quilombolas, nada mais do que o óbvio. Nesse vídeo, ele falava da “agroecologia” que, para ele, era a ‘roça’ que ele sempre cultivou, mas poderia estar falando das “soluções baseadas na natureza”, ou SBN, termo cunhado pela primeira vez em 2008, pelo Banco Mundial, para ressaltar a importância da natureza na solução das crises climática e de biodiversidade. Ora, Nego Bispo não titubearia ao vaticinar que “soluções baseadas na natureza” poderiam ser traduzidas simplesmente como “deixem a natureza agir, afinal ela também somos nós”.

O ano de 2023 está a um passo de ser confirmado como o mais quente da História. Os efeitos da “era da fervura”, nome dado ao “novo anormal” climático por António Guterres, secretário-geral da ONU, estão a olhos vistos, em todo o planeta. No Brasil, exemplos recentes são a estiagem que secou os maiores rios da Amazônia e as tempestades que deixaram a Região Sul debaixo d’água. Extremos climáticos que afetaram milhares de pessoas, com sede, fome e morte, além das perdas materiais. Apesar das tentativas de negar o óbvio, o fato é que a crise climática é uma realidade, e resultado de uma visão de desenvolvimento econômico infinito, que enxerga a natureza como uma barreira. Sob essa perspectiva, é preciso “dominar” o meio natural para que possamos nos desenvolver.

Revertendo esta lógica, as SBN preconizam a volta do uso de recursos e da inteligência naturais não apenas para recuperar os estragos causados pelas ações humanas, mas também para melhorar as nossas vidas, olhando para a natureza como uma parceira. A mais evidente delas, diante da necessidade urgente de reverter o processo de aquecimento terrestre, é o uso das SBN na mitigação de emissões de gases de efeito estufa, através da recuperação de florestas desmatadas e reflorestamento.

Há, contudo, outro imenso potencial para as SBN na adaptação de cidades aos efeitos da crise climática. Afinal, em 2021, 56% da população mundial era urbana, percentual que deve subir para 68% em 2050, projeta a ONU. A instalação de jardins de chuva e parques lineares, bem como o estímulo à agricultura urbana, aproximando a produção do consumo, são exemplos simples dessa aplicação, mas existem outros. Números da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) comprovam a urgência dessa adaptação. Entre 2013 e 2022, nada menos que 2,2 milhões de residências foram atingidas por eventos climáticos extremos no Brasil, 107 mil delas completamente destruídas. No total, foram 4,3 milhões de pessoas atingidas, das quais 808 mil perderam suas casas. O prejuízo financeiro é calculado em R$ 26 bilhões, somando as perdas para os cofres públicos e para as pessoas atingidas por esses eventos.

As oportunidades e a lógica da operação das SBN falam por si, mas há desafios. Em sua grande maioria, as gestões dos municípios brasileiros não estão adaptadas à aplicação das SBN. Há uma visão cultural bastante arraigada de que a prevenção de tragédias como inundações, deslizamentos de terra, calor extremo e secas está na tecnologia, nas obras de concreto e cimento. Falta conhecimento, sobra pragmatismo.

O mesmo pode ser dito pelo lado do dinheiro. Embora fique cada vez mais claro o potencial econômico das SBN na mitigação (o mercado de carbono vem se estruturando a passos largos), na adaptação estas tecnologias ainda carecem de recursos financeiros. O World Resources Institute (WRI) e a I Care Brasil fizeram um levantamento recente sobre fontes de financiamento para soluções baseadas na natureza em meio urbano. Descobrimos que não há linhas de crédito específicas. Há, no máximo, linhas adaptáveis, mas precisamos de recursos para pilotar e escalar projetos de SBN em cidades.

Como diria Nego Bispo, se pararmos de atrapalhar, a natureza se encarrega de consertar, mas precisamos começar.

*Leonardo Furquim Werneck é diretor da I Care Brasil

** O artigo faz parte de uma série de 12 textos que explicam e detalham a Convenção da ONU sobre a Mudança do Clima (COP) e as negociações para as mudanças climáticas. A seleção de articulistas e a edição foram obra da Alter Conteúdo.

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