Uma investigação da rede britânica BBC mostrou que cerca de 20 mil ucranianos deixaram o país desde o início da invasão da Rússia, em fevereiro de 2022, violando uma regra que impede a saída da maior parte dos homens entre 18 e 60 anos. A revelação ocorre no momento em que o governo encontra dificuldades para repôr as forças nas frentes de batalha.
- Alerta: Guerra entre Israel e Hamas desacelera entrega de munição à Ucrânia, diz Zelensky
- Snipers, motoristas de caminhão e drones: Mulheres se preparam para combates em meio à guerra na Ucrânia
Segundo os números da BBC, 19.740 homens conseguiram cruzar as fronteiras com países vizinhos, como Moldávia, Polônia, Hungria, Romênia e Eslováquia — os trajetos envolveram caminhadas por áreas pouco vigiadas e até desesperadas tentativas de atravessar a nado os rios próximos às áreas de fronteira. Em relatos à BBC, alguns declararam "não ver sentido" em serem enviados ao campo de batalha sem experiência militar ou treinamento adequado. Outros citaram os custos de vida cada vez mais elevados, além da falta de perspectivas além da guerra.
A investigação revelou também que mais de 21 mil homens ucranianos foram capturados tentando fazer a travessia de forma ilegal — 14,3 mil deles foram encontrados em áreas de fronteira ou dentro de rios. Relatos oficiais, consultados pela BBC, apontam para corpos de pessoas afogadas no rio Tisa, na divisa com a Romênia. Os demais barrados na fronteira tentaram usar documentos falsos, ou oferecer propina aos oficiais. As autoridades de Kiev não comentaram os números.
Imagens aéreas mostram destruição após recaptura de Robotyne, no sul da Ucrânia
- Conflito em Gaza: Zelensky reclama que guerra no Oriente Médio “tira o foco” da Ucrânia
Como em outras fronteiras pelo mundo — especialmente na divisa entre EUA e México —, serviços de "apoio" para quem quer burlar os controles estão disponíveis por alguns milhares de dólares. Mas ao contrário dos "coiotes" mexicanos, os "coiotes" ucranianos não são apenas pessoas com conhecimento das vastas e por vezes inóspitas florestas do país, mas também oficiais das Forças Armadas.
Em agosto, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, demitiu vários chefes de centros regionais de recrutamento depois da descoberta de que alguns cobravam até US$ 10 mil (R$ 49 mil) por travessia. Para ele, "suborno em tempos de guerra é uma traição".
Desde o final de fevereiro do ano passado, quando a Rússia invadiu a Ucrânia e Kiev declarou a Lei Marcial, homens entre 18 e 60 anos estão proibidos de deixar o país, com poucas exceções, incluindo pessoas feridas em combate, com determinados problemas de saúde, homens que têm três ou mais filhos menores de idade, ou que perderam parentes durante a guerra. Nos demais casos, as fronteiras estão fechadas por tempo indeterminado. Para quem é capturado, a pena é o pagamento de multa.
A Ucrânia não divulga suas perdas no campo de batalha, mas estimativas dos EUA afirmam que 70 mil militares morreram desde o início da invasão russa. Recentemente, o ministro da Defesa, Rustam Umerov, disse que as forças do país seriam compostas por 800 mil homens, mas sem detalhar quantos estariam aptos para combate.
Com menos voluntários do que nos primeiros dias de guerra, a Ucrânia começa a enfrentar dificuldades para repor suas tropas no momento em que há várias frentes de combate contra os russos, e com as condições do terreno cada vez mais difíceis por causa da chegada do inverno.
A média de idade também aumentou: no começo da guerra, o Financial Times reportou que os soldados tinham entre 30 e 35 anos. Agora, integrantes do governo reconhecem que a média é de 43 anos.
— São homens crescidos agora, e não são tão saudáveis assim — disse à revista Time um assessor de Zelensky, em uma reportagem publicada no começo do mês. — Aqui é a Ucrânia, não a Escandinávia.
- Cinco meses após contraofensiva: chefe das forças ucranianas admite que erros levaram a impasse na guerra
Uma forma de contornar essas dificuldades foi aumentar o contingente feminino. Segundo o Ministério da Defesa ucraniano, há 43 mil mulheres nas forças que enfrentam a invasão russa, boa parte delas concentradas no flanco Sul. Restrições outrora impostas também foram abolidas, e agora as militares podem exercer funções como comandante de tanque, atiradora de elite, motorista de caminhão e operadora de artilharia.
A idade máxima para as combatentes foi elevada para 60 anos.
- 'Cansados de protestar': Opositores de Putin pegam em armas e se unem à Ucrânia contra o próprio país
Outra forma de reforçar as linhas de frente são os combatentes voluntários do exterior: no começo da guerra, estimativas apontaram para a presença de até 20 mil estrangeiros lutando ao lado dos ucranianos, mas hoje as próprias autoridades locais reconhecem que o número não passa de 3 mil, com candidaturas cada vez mais escassas.
Enquanto alguns expressavam motivações como "a defesa do modelo de democracia ocidental contra o neoimperialismo russo" ou a "manutenção da soberania da Ucrânia", outros têm razões menos ideológicas.
— Os perfis mudaram, porque os combatentes estrangeiros que vêm lutar na Ucrânia não o fazem mais por convicção, e sim por dinheiro — disse Andriy Cherniak, porta-voz do serviço de inteligência militar do país, à rede de TV FranceInfo.
Inscreva-se na Newsletter: Guga Chacra, de Beirute a NY