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Do que você tem mais medo: daquilo que vê ou daquilo que não vê? Transporte-se por um momento para Buenos Aires. Você é Fernando Olmos, um cara perturbado pelas incertezas da vida trafegando num trem urbano por Palermo. Na sua frente, um cego vende coisas aos passageiros. Você não está ali por acaso: está ali por causa dele. Na verdade, você o persegue há tempos. Mas ele, ao menos aparentemente, não sabe disso.

O trem para, o cego desce, você também. Agora ele se movimenta com surpreendente precisão pelas ruas de Buenos Aires. Não importa, dessa vez você está decidido a ir até o fim. Chegou a hora de provar que a sua teoria está certa: tudo o que há de errado no mundo é obra de uma maléfica sociedade secreta de cegos.

Lembrei de Informe sobre Cegos, de Ernesto Sábato, ao presenciar a vitória de Milei. Cego é aquele desprovido da visão, mas consciente do mundo ao seu redor, ou aquele que vê, mas é escravo de suas preconcepções?

Quando percebemos o resultado da eleição argentina como o êxito de um ultradireitista carregado por uma manada de eleitores insanos, fazemos como Fernando Olmos e vemos somente aquilo que queremos ver.

Antes de ser um radical de direita, Milei é um líder antiestablishment. E isso faz muita diferença. Há uma demanda por políticos antiestablishment no mundo, não necessariamente de direita. México, Colômbia e Chile são exemplos recentes de países governados por líderes de esquerda antiestablishment. Na Europa e nos EUA, tivemos diversos políticos que fizeram dessa condição o seu principal ponto de venda nos últimos 15 anos. De Obama a Trump, de Pablo Iglesias a Macron ou a Zelensky.

Milei faz parte, portanto, de uma tendência global. Provocada por uma transformação também global: a desregulamentação maciça do mercado de trabalho com o surgimento de uma nova classe, a dos precarizados, essa multidão que trabalha por hora, não tem carreira e pula de galho em galho sem garantia alguma. Pode ser o entregador do Ifood que acaba de deixar o lanche na sua porta. Mas pode ser também o professor particular do seu filho ou o médico que o atendeu no hospital.

O fato é que, para os precarizados, a política não se divide entre direita e esquerda, se divide entre os que estão dentro e os que estão fora. E os que estão fora, amigo, estão mal. Na Argentina, além de ralar sem fim, eles recebem em pesos, a moeda que não vale nada.

A deterioração aguda da condição de vida e da autoestima de centenas de milhões de pessoas mundo afora detona a estabilidade política e fragiliza a democracia mesmo de potências como os Estados Unidos. A instabilidade produz surpresas eleitorais sucessivas não só porque o precarizado se mobiliza, mas também porque se abrem atalhos ao poder a personagens e grupos que até pouco tempo não teriam nenhuma chance.

Como o cego de Ernesto Sábato, Milei é uma criatura da margem. E exatamente por isso foi o único dos candidatos capaz de incorporar o espírito do momento. O vídeo de encerramento da campanha, uma sucessão de explosões atômicas, contém a sua mensagem principal: venho para destruir privilégios.

Mas talvez o principal trunfo para vencer a eleição tenha sido a sua própria fragilidade pessoal: vítima de bullying paterno, tratado como loser pela família e como palhaço pela elite educada portenha, sua emergência como candidato competitivo empoderou eleitores que também se sentiam humilhados. Massa bateu em Milei sem dó no único debate do segundo turno, apenas para reforçar a diferença entre o profissional e o amador, entre Apollo Creed e Rocky Balboa.

Como Rocky, o eleitor de Milei foi chamado de imbecil. Por que votar em quem prega a diminuição do Estado, a eliminação de direitos e o laissez-faire liberal? Acontece que esta já é a realidade de boa parte dos argentinos, embora, como Fernando Olmos, a elite se recuse a vê-la. Vivendo na pele o laissez-faire, eleitores foram as urnas com uma única exigência: laissez passer.

Eles não têm medo do que não veem, o salto ao vazio com Milei. Já se habituaram à escuridão.

*Renato Pereira é publicitário.

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