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Por — São Paulo

"Agora sim vamos recuperar o Essequibo", prometeu, nesta segunda-feira, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, após o referendo sobre a reivindicação centenária de Caracas deste território rico em petróleo, parte da Guiana, que, por sua vez, diz se manter "vigilante" frente ao aumento das tensões na região, com a recente investida de Caracas. Segundo dados do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) de maioria chavista, mais de 95% dos 10,4 milhões de eleitores (o equivalente a metade dos 20,7 milhões habilitados a votar) que participaram da consulta aprovaram a criação, na região reivindicada, de um estado venezuelano chamado Guiana Essequiba. Outra proposta aprovada foi a concessão de cidadania venezuelana aos 125 mil habitantes da região. A divulgação dos números pelo CNE ocorreu após a divulgação de boletins iniciais pouco claros e questionados pela oposição.

— A decisão que vocês tomaram dá um impulso vital poderosíssimo (...). Agora, sim, vamos recuperar os direitos da Venezuela históricos na 'Guiana Essequiba', agora sim vamos fazer justiça, agora sim vamos reivindicar com a força de todos — afirmou o presidente durante um ato com a diretoria do CNE.

Ao lado de Maduro, o presidente do órgão, o chavista Elvis Amoroso, aproveitou a ocasião para comemorar a adesão, classificada por ele como "sem precedentes", após questionamentos da oposição.

A controvérsia sobre os dados começou no domingo, quando Amoroso informou que a participação havia superado os 10.554.320 votos, sem divulgar, no entanto, o número de eleitores.

Tal declaração gerou dúvidas entre líderes da oposição e analistas, que interpretaram a contagem como um voto para cada uma das cinco perguntas da consulta, o que levaria a uma participação bem menor, de cerca de 2 milhões — inferior aos 2,4 milhões de eleitores que participaram das primárias da oposição, em outubro.

A oposição, no entanto, contestou os números:

"Segundo Elvis Amoroso, a participação de hoje (ele não se atreveu a afirmar) foi de 2.110.864 eleitores. Foram cinco votos por eleitor", afirmou o ex-candidato à Presidência Henrique Capriles na rede social X (antigo Twitter). A cifra apresentada por Capriles multiplicada por cinco, o total de perguntas do referendo, é igual ao primeiro número apresentado por Amoroso.

No total, 20,7 milhões de eleitores são registrados hoje na Venezuela, e o resultado apresentado pelo CNE representaria a maior participação, em termos de número total de votos, na História democrática do país.

"No final, a verdade sempre se impõe. Todos sabemos o que aconteceu ontem [no domingo]: o povo suspendeu um evento inútil e danoso aos interesses da Venezuela, porque a soberania se exerce, não se consulta. Agora, devemos apresentar uma defesa impecável de nossos direitos perante a Corte Internacional de Justiça, com a participação de nossos melhores especialistas, e demonstrar que o Essequibo é da Venezuela", escreveu María Corina Machado, principal aposta da oposição para derrotar Maduro nas eleições de 2024.

O ex-presidente autoproclamado da Venezuela, Juan Guaidó, também classificou como fracasso a tentativa do governo de mobilizar o eleitorado por meio do referendo. "Hoje é um dia de boas notícias para a Venezuela: a ditadura fracassou, está isolada e sem poder de convocação. Os militares viram isso também", escreveu Guaidó.

Leopoldo López, outro líder histórico da oposição venezuelana, também se referiu ao governo Maduro como ditadura e defendeu que a questão de Essequibo só seria realizada com a mudança de poder no país. "Fracasso. A mensagem de hoje é clara: a defesa do Essequibo passa primeiro por recuperar a Venezuela. Abaixo a ditadura", escreveu.

Blefe?

Maduro, foi enfático ao se pronunciar sobre a vitória do "Sim" no referendo sobre a incorporação do território do Essequibo à Venezuela, dizendo ainda que, apesar de consultivo, o resultado tinha caráter "vinculante" — palavra repetida quase que uma dezena de vezes em sequência pelo presidente durante seu discurso oficial ao lado de autoridades eleitorais e militares —, o que obrigaria o governo a tomar ações para que cada termo votado seja devidamente efetivado.

O foco na obrigação do governo de efetivar as medidas votadas não se estendeu, no entanto, ao modus operandi, levantando dúvidas sobre se os próximos passos de Caracas incluiriam uma ação militar, uma nova frente de negociação ou mesmo não passaria de um blefe.

Maduro cumprimenta presidente do Conselho Eleitoral da Venezuela, Elvis Amoroso — Foto: Federico Parra/AFP
Maduro cumprimenta presidente do Conselho Eleitoral da Venezuela, Elvis Amoroso — Foto: Federico Parra/AFP

— A ênfase que Maduro deu ao caráter vinculante indica que todas as propostas expressas no referendo avançarão. Julgo que as medidas serão de caráter progressivo, porque implicam medidas jurídico-políticas e de segurança e defesa nacional — disse ao GLOBO a advogada venezuelana Rocío San Miguel, presidente do Observatório Venezuelano para a Segurança e Defesa Nacional (Ovesede).

A advogada afirmou que não está claro como o país passará a abordar o caso na Corte Internacional de Justiça (CIJ), onde ele está desde 2018, à revelia de Caracas— uma das perguntas aprovadas no plebiscito era sobre não reconhecer o tribunal internacional como competente para julgar o caso. Ela também esboçou dúvida sobre como Caracas reagirá a medidas administrativas e acordos comercias autorizados previamente por Georgetown.

Embora a Venezuela tivesse reivindicado a soberania sobre o território quando a Guiana ainda era uma colônia britânica — o país ganhou independência em 1966 — a escalada de interesse de Caracas sobre a região aumentou, sobretudo, com a descoberta de grandes reservas de petróleo na região em 2015. Para Erik del Bufalo, professor da Universidade Simón Bolívar, o fator foi a principal razão externa para a realização do referendo.

— Como política externa, o objetivo era simplesmente mostrar à ExxonMobil, que tem negócios com a Guiana, que a Venezuela está presente, mas sem tomar uma medida mais contundente, digamos, nem civil, nem militar, nem legal, para assumir que aquela região faz parte do território venezuelano — disse o professor.

Risco de guerra

A ideia de um conflito bélico na América do Sul mexeu com a região. O presidente da Guiana, Irfaan Ali, pediu a intervenção diplomática do Brasil — ele conversou na semana passada por telefone com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que enviou seu assessor especial de Assuntos Internacionais, Celso Amorim, a Caracas. À BBC, Irfaan criticou o "comportamento imprudente e aventureiro” do governo Maduro.

— Esse tipo de retórica e o referendo podem levar a várias circunstâncias, com pessoas agindo por conta própria, alimentando os sentimentos do público sobre um tema em torno do qual você está tentando criar um conflito — disse ele.

Uma escalada militar no momento atual divide os especialistas. Rocío afirma que a possibilidade de um conflito nunca pode ser descartada. Para Del Bufalo, crítico do chavismo, o cenário mais provável é de que Maduro use o incidente politicamente, embora também não descarte algum grau de violência.

— O chavismo geralmente faz mais barulho do que outra coisa. Não sei se além do jogo de cena vai haver realmente um conflito com a Guiana, não acredito que vão fazer nada que fragilize sua lógica de se manter no poder. Dito isso, não posso descartar nada, porque com este governo, nunca se sabe. Poderia haver algumas escaramuças militares, mas não é algo que eu veja indícios claros no momento — afirmou.

Impacto político

Luis Vicente León, economista e analista eleitoral venezuelano, indica que Maduro está mais interessado em utilizar o referendo e a soberania sobre Essequibo de forma política, tentando criar uma unidade em torno da defesa do território nacional.

— Maduro está muito mais interessado no impacto político desta ação do que em resolver realmente o tema do Essequibo, que é bastante complicado. Eu diria que vamos ver um Maduro que pode discutir, falar da criação do estado da Guiana Essequiba e ameaçar com a declaração de um estado de emergência, se considerar que o convém, incluindo no caso de pensar que corre risco nas eleições.

Para Regiane Bressan, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), uma escalada é motivo de preocupação na região, mesmo sem nenhuma declaração expressa de que o conflito chegue a esse ponto.

— As fontes oficiais não falam ainda em movimentação militar, mas se supõe que isso pode ser feito. O Brasil fez mobilizações de tropa na semana passada para a tríplice fronteira — disse a professora, relembrando o envio de soldados brasileiros para Pacaraima.

Entenda a disputa

A disputa territorial pelo Essequibo, que pertence à Guiana, remonta ao século XIX. De um lado, a Guiana se atém a um laudo arbitral de 1899, no qual foram estabelecidas as fronteiras atuais. Do outro, a Venezuela se apoia em sua interpretação do Acordo de Genebra, firmado em 1966 com o Reino Unido, antes da independência guianesa, em que Londres e Caracas concordam em estabelecer uma comissão mista "para buscar uma solução satisfatória", já que o governo venezuelano considerou o laudo de 1899 "nulo e vazio".

Sem solução, a questão foi parar nas mãos da CIJ em 2018, por definição do secretário-geral da ONU, António Guterres, que se valeu da prerrogativa estabelecida pelo próprio Acordo de Genebra no caso de as partes não chegarem a um entendimento. Ainda não há previsão para uma decisão final da Corte sobre o caso. (Com AFP.)

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