Os ministros das Relações Exteriores da Venezuela, Yván Gil, e da Guiana, Hugh Todd, conversaram por telefone nesta quarta-feira, informou o governo venezuelano em um comunicado. A iniciativa teria partido do chanceler guianês. Esta é a primeria conversa entre os ministros desde o referendo consultivo de domingo, que acentuou a tensão secular entre os dois países sobre o território de Essequibo, região rica em petróleo e atualmente sob jurisdição da Guiana. Mais cedo, a pasta venezuelana denunciou o país vizinho por autorizar a presença do Comando Sul dos Estados Unidos na região, classificando a decisão como "imprudente".
"A pedido da parte guianense, o ministro das Relações Exteriores, Hugh Todd, manteve uma conversa telefônica com o ministro das Relações Exteriores, Yván Gil, para discutir a disputa territorial", informou a nota.
O texto disse ainda que os dois lados "concordaram em manter os canais de comunicação abertos" e que "o lado venezuelano aproveitou a oportunidade para atualizar o governo guianense sobre a participação esmagadora na consulta popular, gerando um mandato irrecorrível".
Segundo dados do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) de maioria chavista, mais de 95% dos 10,4 milhões de eleitores (o equivalente a metade dos 20,7 milhões habilitados a votar) que participaram da consulta aprovaram a criação, na região reivindicada, de um estado venezuelano chamado Guiana Essequiba. Outra proposta aprovada foi a concessão de cidadania venezuelana aos 125 mil habitantes da região. A divulgação dos números pelo CNE ocorreu após a divulgação de boletins iniciais pouco claros e questionados pela oposição.
O lado venezuelano também "expressou a necessidade de interromper as ações para agravar a disputa", acrescentou o comunicado.
Comando Sul
A ligação entre os chanceleres ocorre no mesmo dia em que o Ministério das Relações Exteriores da Venezuela acusou o presidente da Guiana, Irfaan Ali, de dar "sinal verde" à presença de bases militares americanas no país. Através de um comunicado, o governo venezuelano acusou o líder guianês de ter agido "de maneira irresponsável" e denunciou a decisão "imprudente" de Georgetown, alegando que as ações "agravam a disputa territorial” e que ocorreriam após o referendo de domingo.
Um dia antes, na terça-feira, o presidente venezuelano, Nicolas Maduro, anunciou que a empresa petrolífera estatal PDVSA concederá licenças para explorar petróleo, gás e minerais na região de 160 mil quilômetros quadrados e informou a nomeação do major-general e deputado Alexis Rodríguez Cabello como autoridade única da Guiana Essequiba. O líder venezuelano também anunciou a criação de uma Zona Operacional de Defesa Integral (Zodi) na área, baseada em Tumeremo, no estado de Bolívar, a 100 quilômetros de Essequibo.
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Ali descreveu os anúncios de Caracas como "uma ameaça direta" e avisou, durante uma transmissão ao vivo no Facebook na madrugada de terça-feira, que levaria a situação nesta quarta-feira ao Conselho de Segurança da ONU "para que esse órgão possa tomar as medidas adequadas”. O líder guianês disse ainda na transmissão que está em comunicação com "parceiros bilaterais" — Brasil, o Reino Unido, a França e os EUA — e que as Forças de Defesa da Guiana estavam em contato com seus "homólogos militares, incluindo o Comando Sul dos Estados Unidos".
Entenda a disputa
A Venezuela sustenta que o Essequibo é parte de seu território, como era em 1777, quando era colônia do Reino da Espanha, e apela para o acordo de Genebra, assinado em 1966, antes da independência da Guiana do Reino Unido, que estabeleceu as bases para uma solução negociada e anulou uma sentença de 1899 que definia os limites atuais.
No acordo, que deu ganho de causa ao Reino Unido na disputa pelo Essequibo, Londres e Caracas concordaram em estabelecer uma comissão mista "com a tarefa de buscar uma solução satisfatória" para a questão — uma vez que o governo venezuelano na ocasião considerou o laudo arbitral de 1899 "nulo e vazio". No entanto, Londres apenas reconheceu esse posicionamento de Caracas, mas não respaldou sua interpretação de que o laudo arbitral não tinha validade.
Em 2018, porém, a Guiana solicitou à Corte Internacional de Justiça (CIJ) — cuja jurisdição Caracas não reconhece — uma decisão sobre se o Laudo Arbitral de Paris de 1899 é legal ou não. Com a convocação do referendo sobre a região por Maduro, o governo guianês pediu ao tribunal que tomasse medidas para impedir a consulta. Na sexta-feira passada, a CIJ emitiu uma decisão indicando que, enquanto aguarda a decisão final no caso (que está nas mãos do órgão desde 2017), "a Venezuela deve abster-se de tomar qualquer ação que modifique" a situação prevalente atual. O órgão judicial também determinou que nenhum dos países adote medidas para agravar o conflito. Caracas não reconhece a jurisdição da CIJ no caso.
Embora a Venezuela tivesse reivindicado a soberania sobre o território quando a Guiana ainda era uma colônia britânica — o país ganhou independência em 1966 — a escalada de interesse de Caracas sobre a região aumentou, sobretudo, com a descoberta de grandes reservas de petróleo na região em 2015. Além disso, para analistas, o referendo pode ter intenção política clara, mirando uma possível reeleição de Maduro.
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