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Por — São Paulo

A rejeição do texto apresentado para substituir a Constituição do Chile, a segunda tentativa a falhar com esse objetivo, votada no domingo, encerrou, sem qualquer mudança significativa para o sistema político e o ordenamento jurídico do país, o processo que começou em meio aos violentos protestos registrados em 2019. O desfecho, opinam especialistas, representa um fracasso para a classe política chilena, que não conseguiu — nem por polarização ou por consenso — se sobressair e apresentar uma solução viável para substituir a Carta Magna herdada da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).

O texto colocado para votação no domingo, costurado por um conselho constitucional amplamente dominado pela direita e extrema direita, foi rejeitado por 55,76% dos chilenos. Embora a margem de desaprovação seja menor do que a primeira proposta de alteração da Constituição rejeitada, votada em setembro de 2022 e escrita por uma outra Assembleia Constituinte, majoritariamente formada por esquerdistas e delegados independentes (rechaçada por 61,89% dos eleitores) os resultados ]não demonstram fielmente o comprometimento da sociedade chilena com uma ou outra corrente política.

— Nem a direita nem a esquerda deveriam interpretar qualquer resultado que lhes pareça favorável como adesão ideológica [da população chilena] — afirmou o advogado Carlos Peña, reitor da Universidade Diego Portales, em entrevista ao El País, antes da apresentação final do resultado de domingo.

Para o advogado, as forças políticas falharam ao tentar interpretar as verdadeiras preocupações de uma sociedade chilena em transformação e que ainda procura uma agenda política que satisfaça seus anseios com relação a temas como segurança pública, massificação do ensino superior e mudança demográfica. Em última análise, Peña afirma que as vitórias relativas alcançadas por cada corrente política nos diferentes momentos dos últimos quatro anos foram alcançadas por um comportamento reativo da população, mais movida por rejeição do que por adesão a um ideal.

— A grande derrotada é a classe política em seu conjunto, na medida em que estamos neste debate desde a explosão social [de 2019], com quatro anos de debate constitucional, com duas tentativas frustradas de chegar a um consenso sobre um texto — afirmou Stéphanie Alenda, analista da Faculdade de Educação e Ciências Sociais da Universidade Andrés Bello.

Consenso ou polarização

A falta de consenso ficou evidente em declarações dos principais líderes políticos do país ao longo dos últimos meses. O presidente do ultraconservador Partido Republicano, José Antonio Kast, que tinha maioria no Conselho Constitucional, abraçou a autoria do texto e tentou transformar a votação de domingo em um plebiscito sobre Boric e sobre o aborto. Em termos eleitorais, ele disse que atuaria para garantir a vitória da proposta. Após a rejeição, fez um discurso admitindo a derrota como a de seu partido.

O presidente Gabriel Boric, que manteve uma postura mais afastada e neutra durante o processo, comentou sobre o tema em outubro, criticando o processo então em curso, apontando uma ausência de tentativa de buscar o consenso, afirmando que tanto o projeto liderado pela extrema direita quanto a primeira tentativa, orquestrada pela esquerda, falharam ao tentar construir um diálogo.

Apesar das rejeições aos dois projetos antagônicos, não é certo que a polarização política tenha se esgotado no país. De acordo com o pesquisador do Observatório de Regionalismo, André Araujo, as forças políticas distintas envolvidas nos processos conquistaram o apoio de grupos sociais relevantes, restando saber como estes serão fidelizados e como irão se expressar nas próximas eleições.

— Por um lado, os plebiscitos mostraram que agradaram parcelas significativas do eleitorado. E não é certeza que uma hipotética proposta “moderada” conseguiria agradar mais de 50% da população. As próximas eleições em 2024, para o nível subnacional, podem mostrar quais partidos terão preferência nos resultados ao redor do país — explicou Araujo.

Perdas, ganhos e rearranjo de forças

Com a rejeição do texto conservador, nada mudará na organização política e jurídica do Chile. Por outro lado, analistas e líderes partidários ainda tentam fazer uma leitura de cenário para avaliar ganhos e perdas relativas após a realização da segunda constituinte.

Embora Boric tenha mantido certa discrição — ele acompanhou a apuração das urnas do Palácio de La Moneda, apenas com integrantes de seu Gabinete, enquanto os líderes governistas se reuniam e comemoravam a derrota da proposta dos republicanos — muitos apontam a rejeição como um raro motivo de otimismo para o presidente, que desde a vitória na eleição de 2022, conta revéses para a oposição.

O principal efeito positivo para Boric e a esquerda chilena, contudo, pode vir de uma fragmentação do bloco à direita. Ao se pronunciar após a derrota, Kast apareceu acompanhado apenas por representantes do Partido Republicano, isolando-se da direita tradicional reunida na coalizão "Chile Vamos". A maioria da direita no Conselho Constitucional só foi possível com a união dos integrantes de direita.

A sigla de Kast também vive uma dissidência interna, depois que um grupo liderado pelo senador libertário Rojo Edwards, renunciar e levar com ele um setor do partido.

O ex-candidato presidencial chileno e fundador do Partido Republicano, de extrema direita, José Antonio Kast votou durante o referendo sobre a nova proposta de Constituição do Chile, em Santiago — Foto: Javier TORRES / AFP
O ex-candidato presidencial chileno e fundador do Partido Republicano, de extrema direita, José Antonio Kast votou durante o referendo sobre a nova proposta de Constituição do Chile, em Santiago — Foto: Javier TORRES / AFP

— A direita perdeu uma grande oportunidade de não cometer os erros do processo anterior e agora hipoteca as figuras presidenciais de (a prefeita direitista Evelyn) Matthei e de Kast, suas futuras instâncias, pensando em seu destino e ambições presidenciais — disse Rodrigo Espinoza, diretor da Escola de Administração Pública da Universidade Diego Portales.

Um único consenso parece ter sido formado durante o processo: a certeza de que uma nova constituinte não será tentada dentro de um curto espaço de tempo. De Boric a Kast, os líderes partidários que se manifestaram na noite de domingo afirmaram que o processo estava esgotado — bem como os eleitores parecem cansados de debater a constituição e esperam soluções para problemas mais urgentes e imediatos do cotidiano.

— Na América Latina de modo geral se nota um processo de descontentamento tanto com a qualidade de vida quanto com as instituições democráticas. No entanto, nem sempre isso é orientado com uma perspectiva político-ideológica de como resolver os problemas existentes. No caso chileno, foram apresentadas duas propostas distintas, que foram rejeitadas. Por esse motivo, a busca por melhores condições socioeconômicas, trabalho, segurança pública e a própria satisfação com os rumos do país não tem uma resposta única que consiga convergir diferentes setores da sociedade — explicou Araujo.(Com AFP e El País).

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