Em setembro, uma batalha marítima irrompeu no Mar Negro — e chamou a atenção de especialistas militares por sua especificidade: de um lado, havia soldados russos; do outro, drones ucranianos. Esses tipos de ataques, na avaliação de analistas, têm sido os raros pontos positivos num ano decepcionante para a Ucrânia, que agora enfrenta dificuldades para conseguir novos aportes financeiros internacionais.
Ao narrar o ocorrido naquele dia, um operador de drone ucraniano afirmou que os equipamentos saltaram sobre as águas agitadas e avançaram em direção ao navio de guerra russo. A tática, de acordo com militares, foi letal e eficaz. Da segurança de uma sala e a centenas de quilômetros de distância, os pilotos avançaram com joysticks. Como resposta, marinheiros russos abriram fogo com metralhadoras pesadas.
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— Quando atingimos o alvo, toda equipe, é claro, ficou emocionada — disse ele, que pediu para ser identificado apenas pelo apelido, Treze. De acordo com as Forças Armadas ucranianas, dezenas de engajamentos semelhantes ocorreram ao longo deste ano, e os drones utilizados nessas ocasiões foram construídos pela Ucrânia.
Ainda segundo o operador, um dos drones se aproximou tanto de seu alvo que chegou a perfurar o casco da corveta de patrulha russa, o Sergey Kotov, ocasião que fez os ucranianos “gritarem e parabenizarem uns aos outros”. Na época, porém, o Ministério da Defesa da Rússia disse que o navio havia frustrado um ataque de cinco drones marítimos.
Caminho futuro
O uso dos drones marítimos é um caminho futuro para a Ucrânia em sua luta com a Rússia. A ideia é complementar o armamento fornecido por parceiros ocidentais com os produzidos internamente no país. A ajuda militar é especialmente importante para Kiev, que enfrenta uma guerra desigual contra Moscou, um inimigo muito mais populoso e industrial. Grande parte dessa assistência está pendente, já que o Congresso americano adiou uma votação sobre o assunto.
Diante de tais obstáculos, a administração de Joe Biden tem promovido empreendimentos conjuntos entre fabricantes de armas dos EUA e da Ucrânia. O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, que promoveu seu país como um “centro” para fabricação de armas e testes de campo de batalha, esteve com os principais executivos de empreiteiras militares dos EUA durante uma visita a Washington na semana passada.
Alguns no exército dos EUA querem que a Ucrânia siga uma estratégia de “segurar e construir” — focar em manter o território que possui agora e produzir suas próprias armas. Com uma ofensiva ucraniana paralisada e poucas chances de avançar em terra, o objetivo seria criar uma ameaça crível o suficiente para abrir espaço para negociações com a Rússia no final do próximo ano ou em 2025.
Fábricas militares
As enormes fábricas militares da Ucrânia já foram a base da indústria militar soviética, onde eram construídas aeronaves e mísseis balísticos intercontinentais. Muitas ficaram obsoletas no final da Guerra Fria. Mesmo assim, fabricantes de armas domésticas têm fornecido cerca de 20% das necessidades do Exército ucraniano desde a invasão russa, em fevereiro de 2022, segundo o analista militar Serhiy Hrabsky.
Hoje, a Ucrânia fabrica veículos blindados e tanques, obuses autopropulsados (espécie de canhão moderno), projéteis de artilharia e mísseis antitanque guiados a laser. No entanto, seu maior potencial é visto no teste de sistemas inovadores. Drones marítimos explosivos, por exemplo, uma nova classe de armas navais, foram implantados pela primeira vez em combate com a Rússia.
O exército ucraniano disponibilizou um piloto para uma entrevista neste mês e permitiu a visita a uma oficina de drones e um local de armazenamento, com a exigência de que sua localização não fosse divulgada. A intenção, afirmou a agência de inteligência militar, era demonstrar a autoconfiança ucraniana mesmo enquanto o Congresso considera se deve fornecer mais ajuda militar ao país.
'Não há instrutores ou manuais'
— Ninguém tem a experiência de usar drones marítimos como nós temos — disse Treze, o piloto de drones, que compareceu à entrevista usando uma máscara de esqui por questões de segurança. — Não há instrutores, não há manuais. Estamos escrevendo esses manuais agora.
Num armazém escuro, dezenas de lanchas rápidas pintadas de cinza e preto, tornando-as mais difíceis de detectar no mar e à noite, descansavam em carrinhos em várias fases de montagem. Utilizando conexões via satélite, os pilotos na sala de guerra usam consoles para guiar os drones, que são projetados para atacar em enxames de cerca de seis unidades, aumentando as chances de penetrar nas defesas.
O último ataque bem-sucedido com drones marítimos para a agência de inteligência de defesa foi em 10 de novembro, quando um enxame atingiu dois navios de desembarque russos ancorados em uma baía na Crimeia, afundando ambos, disseram os operadores. A Rússia respondeu com interferência eletrônica, montando metralhadoras em seus navios de guerra e navegando fora do alcance dos drones.
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— A cada nova operação, estamos aprendendo e eles estão aprendendo.
Estudiosos da guerra naval afirmam que os modelos ucranianos demonstraram como as marinhas de países menores podem defender águas costeiras com drones. Esses equipamentos não substituirão navios de superfície tão cedo, mas “a capacidade de danificar embarcações é um retorno impressionante do investimento”, afirmou Sidharth Kaushal, especialista em poder marítimo no Royal United Services Institute.
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