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Era para ser um simples programa contando a rotina de integrantes do grupo de K-Pop TWICE, que havia "debutado", ou estreado, semanas antes da exibição, em outubro de 2015. Mas em vez de likes e as habituais centenas de milhares de visualizações no YouTube, uma cena da produção deu início a uma crise comercial e diplomática e interferiu diretamente na eleição presidencial de Taiwan de 2016 — a ilha volta às urnas neste sábado para escolher um novo presidente, em meio a tensões elevadas com a China.

No centro da polêmica estava uma jovem de 16 anos, Chou Tzuyu, ou apenas Tzuyu, como é conhecida profissionalmente. No programa, exibido em novembro de 2015, quando as câmeras mostravam os aposentos das jovens, Tzuyu levantou duas pequenas bandeiras, uma da Coreia do Sul e uma de Taiwan, a ilha considerada um território rebelde por Pequim e onde ela nasceu em 1999.

A cena durou apenas alguns segundos, mas foi suficiente para provocar a ira de nacionalistas chineses e alguns taiwaneses. Huang An, um cantor de Taiwan conhecido por suas visões pró-Pequim, foi um dos mais exaltados e acusou Tzuyu de ser uma ativista pró-independência, algo que ela jamais mencionou publicamente. Além de An, as redes sociais chinesas fervilharam com ataques à cantora, que também começou a sentir no bolso a polêmica.

Logo de início, Tzuyu perdeu um contrato com a gigante chinesa do setor de telecomunicações, a Hwawei, e a participação do TWICE em um programa do ano novo chinês, transmitido pela Anhui TV e que renderia grandes dividendos, foi cancelada. Ao mesmo tempo, o volume das críticas à cantora aumentava exponencialmente nas redes sociais.

Foi quando a JYP Entertainment, empresa que controla o TWICE, tomou uma das piores decisões de controle de crise já vistas nesse século. Com medo de perder novos contratos, a JYP decidiu que Tzuyu deveria fazer um pedido de desculpas — o problema, contudo, não foi apenas o conteúdo, mas o formato do pedido de desculpas, quase uma ironia em se tratando de uma companhia que trabalha com a imagem de seus contratados.

No dia 15 de janeiro de 2016, Tzuyu apareceu em um vídeo com uma blusa preta em um fundo cinza, sem maquiagem em com uma expressão sombria. Nas mãos, um longo pedido de desculpas por ter ostentado sua bandeira de Taiwan.

— Há apenas uma China. Os dois lados do Estreito de Taiwan são apenas um. Sempre me considerei uma pessoa chinesa e sinto orgulho disso — disse Tzuyu. — Como uma pessoa chinesa, eu sinto muito e me sinto culpada pelas minhas palavras e ações inapropriadas, que prejudicaram minha companhia e os sentimentos de internautas dos dois lados do Estreito de Taiwan.

No texto, Tzuyu se referiu ao "Princípio de Uma China", um dos pilares do governo chinês. Ela estabelece que há apenas um Estado com o nome de China, e que Taiwan, que tem sistemas político, econômico e judicial próprios, é uma parte inalienável da China. Cabe ressaltar que esse princípio tem diferentes interpretações, dependendo do lado do Estreito de Taiwan.

Se a JYP esperava controlar a crise com o pedido de desculpas, essa esperança virou pó segundos depois do vídeo ser publicado. Especialmente em Taiwan, que no dia seguinte escolheria um novo presidente: invés de apaziguar as tensões com os chineses, a JYP criou um fato novo e impactante na reta final da campanha do outro lado do Estreito de Taiwan.

— Eu estava em um trem de alta velocidade de Taipé para a minha cidade, Taichung, para votar — disse à NPR, em 2016, Wen Li, editor de livros digitais. — O trem estava lotado, e todo mundo tentava encontrar um espaço a bordo. Muitos desses passageiros não pensavam em voltar para casa para votar. Mas por causa desse incidente, as pessoas sentiram uma crise, sentiram que "se eu não for votar, eu, minha família e meus amigos, talvez sejamos os próximos a pedir desculpas".

Nas redes sociais, o apoio a Tzuyu foi maciço. Além de críticas à JYP e a Huang An, muitos compararam o formato do pedido de desculpas aos vídeos de reféns publicados pelo grupo Estado Islâmico, que à época estava em seu auge na Síria e Iraque. E não foram raros os pedidos para que as pessoas expressassem sua raiva também nas urnas.

"Se alguém força você a esquecer algo, você não deve se esquecer, deve se revoltar e lutar. Para quem ainda não votou, use seu voto para lutar de volta. Hoje é o Dia D", escreveu um usuário no Facebook.

Como esperado, o meio político encontrou meios de se beneficiar. Ma Ying-jeou, então presidente de Taiwan, disse que ela não precisava pedir desculpas por mostrar ao mundo sua nacionalidade. Todos os candidatos condenaram as ações da JYP, e uma delas, Tsai Ing-wen, do Partido Democrático Progressista, conseguiu capitalizar o momento melhor do que os demais.

Com um discurso em defesa da autodeterminação de Taiwan, ela já era favorita para vencer, mas o caso Tzuyu deu um impulso de última hora não apenas em seus números finais — uma estimativa aponta que 1,34 milhão de jovens eleitores decidiram votar ou mudaram seus votos por causa do incidente —, mas também deu força às suas ideias nacionalistas.

— Nos últimos anos, vimos notícias de abalaram a sociedade taiwanesa. Uma artista, uma jovem de 16 anos, trabalhando na Coreia do Sul, atraiu críticas depois que foi filmada com uma bandeira da República da China [Taiwan]. Esse incidente enfureceu muitos taiwaneses, não importa de qual afiliação política — disse Tsai Ing-wen em sua declaração de vitória. — Esse incidente servirá como um lembrete permaente para mim sobre a importância da força e união de nosso país para lidar com questões além de nossas fronteiras. Esta será uma das mais importantes responsabilidades para mim como a próxima presidente da República da China.

Curiosamente, Tzuyu recebeu apoio até da imprensa estatal chinesa.

"Ao balançar a bandeira, Chou [Tzuyu] fez um ato de reconhecimento da 'República da China'", disse um artigo publicado na edição internacional do Diário do Povo, ligado ao Partido Comunista, que afirmou ainda ser "injusto" aplicar à cantora o rótulo de separatista. "A expressão da República da China contém o princípio de 'Uma China com respectivas interpretações', um conceito compreendido dos dois lados do Estreito."

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