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Por Piero Locatelli, Especial para O GLOBO — Taipé

Foco de tensão entre as duas maiores economias do mundo, a ilha autogovernada de Taiwan vai às urnas neste sábado para decidir quem será o seu presidente durante os próximos quatro anos. O candidato governista do Partido Democrático Progressista (PDP), William Lai, lidera as pesquisas cinco pontos à frente de Hou Yu-ih, candidato de oposição do Partido Nacionalista (Kuomintang), segundo dados do agregador de pesquisas eleitorais da revista britânica The Economist.

Taiwan é um território com um governo distinto da China continental desde 1949, quando os nacionalistas sob comando de Chiang Kai-shek se refugiaram na ilha após a derrota para os comunistas de Mao Tsé-tung na Revolução Chinesa. Porém, o governo chinês considera que a ilha é parte do seu território e reiteradamente afirma que a sua incorporação é um processo inevitável. Diante dessas tensões, a relação de Taiwan com a China tem um grande peso eleitoral, e as duas candidaturas se dividem em como melhor lidar com essa situação.

“A visão do Kuomintang prioriza as relações com a China, enquanto a abordagem do PDP enfatiza o aprofundamento dos laços de Taiwan com democracias na comunidade internacional, em especial com os Estados Unidos”, disse ao GLOBO, por e-mail, Amanda Hsiao, analista sênior para a China do centro de estudos Crisis Group.

Candidato da situação, William Lai é o atual vice da presidente Tsai Ing-wen. Durante seus oito anos de mandato, Tsai adotou uma política de aproximação com os Estados Unidos e distanciou-se da China. Seu governo enfatizou políticas de valorização da identidade nacional taiwanesa e reforçou a sua capacidade militar, incluindo o aumento do serviço militar obrigatório de quatro meses para um ano.

Neste período, a China e Taiwan encerraram seus canais de comunicação oficiais, e o governo da ilha perdeu o reconhecimento formal de sete países que passaram a ser aliados da China. Atualmente, só 13 países com assento na ONU ainda reconhecem a República da China, nome oficial de Taiwan. Os demais países, incluindo Brasil e Estados Unidos, não a reconhecem oficialmente.

Lai tem prometido manter a política externa promovida por Tsai. O maior sinal nesse sentido foi a escolha de Hsiao Bi-khim como sua vice. Representante de Taiwan nos EUA entre 2020 e 2023, ela foi alvo de uma série de sanções por parte da China.

Apesar dessa escolha e da promessa de continuidade, Lai diz estar aberto ao diálogo com o governo chinês durante seu mandato. “A nossa porta estará sempre aberta para compromissos com Pequim sobre os princípios da igualdade e da dignidade”, disse Lai em entrevista coletiva na última semana.

Durante a campanha eleitoral, o candidato da oposição enfatizou diversas vezes que mais um mandato do PDP poderia levar ao crescimento das tensões no Estreito de Taiwan de maneira irreversível. Hou Yu-Ih lembrou do histórico do PDP, e do próprio Lai, junto ao movimento pela independência de Taiwan no passado.

Linha direta com Pequim

Prefeito licenciado de Nova Taipé, a maior cidade da ilha, Hou é um ex-policial que conseguiu notoriedade ao solucionar um caso de comoção nacional nos anos 1990. Entre os dois candidatos, o nome de Hou é visto como mais favorável aos interesses da China continental. “Se Hou vencer a eleição, a situação pode voltar a ser como era em 2008, quando a administração do Kuomintang podia negociar diretamente com Pequim, o que não é bom para os Estados Unidos. Já o PDP sempre precisa dos Estados Unidos como intermediário entre a China e Taiwan”, diz Chung-Min Tsai, professor de Ciência Política da Universidade Nacional de Chengchi, em Taipé.

As eleições de Taiwan não têm segundo turno e, portanto, devem ser definidas por uma pequena margem de votos. Um dos fatores mais importantes nessa definição é o comportamento do eleitorado do terceiro colocado nas pesquisas, Ko Wen-je. Com 24% das intenções de votos, 12 pontos a menos do que Lai, Ko conta com bastante apoio entre os jovens e aglutina parte do eleitorado que rejeita o atual governo do PDP.

Diante da disputa apertada, o governo de Taiwan tem afirmado que uma interferência da China pode ser definidora da eleição. O ministro das Relações Exteriores de Taiwan, Joseph Wu, disse que Pequim trava uma “guerra cognitiva” através do uso de desinformação e sanções, visando influenciar a eleição para grupos que a favoreçam.

— A diferença entre os dois candidatos nas pesquisas é de somente 5 pontos percentuais. Se os chineses conseguirem persuadir mais de 2,5% do eleitorado a votar de maneira oposta, isso poderia mudar o resultado da eleição — disse o ministro em entrevista coletiva.

Durante os últimos 30 anos, a população taiwanesa passou a se reconhecer cada vez menos como parte da China. Embora mais de 95% da população seja da etnia han, de origem chinesa, mudanças curriculares e um movimento nacionalista desde a democratização do país na década de 1990 levaram a um crescimento dessa percepção. Atualmente, a maior parte da população da ilha (62,8%) se considera somente taiwanesa. Outros 30,5% se consideram taiwaneses e chineses ao mesmo tempo, e somente 2,5% se enxergam exclusivamente como chineses, segundo pesquisas realizadas pela Universidade Nacional de Chengchi.

Apesar disso, a grande maioria da população não é favorável a uma declaração imediata de independência, opção apoiada por somente 4,5% da população. No total, 82,1% da população defendem a “manutenção do status quo” no curto prazo — expressão que demonstra a preferência pela situação atual, em que Taiwan se mantém como uma entidade política autônoma, com exército, governo e moeda próprios, mas sem uma declaração formal de independência, que irritaria Pequim.

Impacto da economia

A manutenção do status quo é uma maneira eficiente de amenizar a possibilidade de conflito entre China e Taiwan, segundo Chung-Min Tsai:

— Há somente duas condições em que a China adotaria uma ação militar. A primeira é se Taiwan declarar a sua independência, e a segunda seria se os Estados Unidos rejeitassem a política de uma só China — diz o professor.

Independentemente de quem ganhar as eleições, o cientista político acredita que atualmente está em curso uma diminuição das tensões no estreito, devido a fatores externos a Taiwan que se sobrepõem à eleição local. “A economia doméstica na China está atualmente em uma situação muito perigosa e arriscada, portanto eles não têm tempo para lidar com a questão de Taiwan. Já os EUA estão dialogando novamente com os chineses, então não há como Taiwan continuar sendo tão firme em relação à China” afirma o cientista político.

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