Na última semana, o Equador sofreu a maior série de atos violentos da sua História. Nunca antes o país tinha enfrentado a quantidade de sequestros, carros-bomba, assassinatos e motins nas prisões que viveu nos últimos dias. A onda de violência deixa em evidência que as medidas adotadas com relação à segurança e ao controle de drogas ficam bem longe do ideal e põem em questão o modelo de combate ao narcotráfico.
Após a fuga de José Adolfo Macias, o “Fito” —suposto líder da organização criminosa Los Choneros— de uma prisão de Guayaquil no domingo passado, o presidente Daniel Noboa decretou estado de exceção. Isso derivou em atos violentos nas cidades, motins nas principais prisões, sequestros de agentes penitenciários, o assalto de criminosos ao canal de TV publica TC, e a decretação de estado de conflito armado interno, dispondo que as Forças Armadas realizem operações para neutralizar 22 grupos criminosos identificados como terroristas.
O Equador chegou a este ponto por uma série de fatores, entre eles o processo de paz na Colômbia e o papel do país no trânsito de drogas, sobretudo cocaína. Com o acordo de paz entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias de Colômbia (Farc) em 2016, vários analistas já alertavam para a possibilidade de que o Equador pudesse sofrer as consequências da desmobilização da guerrilha e se visse envolvido numa espiral de violência.
13 presidentes desde 1997
Segundo o diretor do Centro de Recursos para a Análise de Conflitos, Jorge Restrepo, em entrevista à BBC Mundo, o processo de paz e a luta antidrogas estão diretamente relacionados. “O desarmamento significou a intensificação dos conflitos em determinadas áreas do território colombiano entre grupos criminosos, mas o deslocamento para o Equador é uma consequência não desejada, um dano colateral”, indicou o especialista.
Nesse contexto, o país se tornou atrativo para esses grupos armados e os cartéis que eles representavam, devido à instabilidade política e à sua economia dolarizada. Desde 1997, essa instabilidade ficou expressa com a passagem de 13 presidentes pelo poder, muitos dos quais sequer conseguiram terminar o mandato.
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A crise política não é nova. O que é inédito é o aumento de atos violentos que são consequência de decisões políticas, econômicas e sociais ineficazes no combate à insegurança e ao narcotráfico. O cenário de criminalidade começou a ficar mais visível em 2018, no governo de Lenin Moreno. Sua abordagem afastou-se da de Rafael Correa e reforçou o velho discurso da guerra contra as drogas com uma série de medidas sem os resultados esperados. Assim, por exemplo, o investimento em armas, pessoal militar e tecnologia aumentou. De maio de 2017 a maio de 2019, o governo Moreno investiu US$ 355 milhões nas Forças Armadas e fez cortes nos gastos públicos. Isso se traduziu na redução significativa dos orçamentos de educação, saúde e infraestrutura.
“Aconteceu um efeito-dominó no setor público que rapidamente alcançou o sistema de reabilitação” afirmou Jorge Paladines, pesquisador equatoriano, no seu último livro “Matar e deixar matar”.
Sob Moreno, a superlotação de presídios e a precariedade do sistema carcerário começaram a ficar mais evidentes por falta de investimento, motins e o surgimento de organizações criminosas lá dentro. Segundo Paladines, “os massacres ocorrem quando o orçamento penitenciário é reduzido. As prisões ficaram em terapia intensiva”.
Dois fatos ajudaram a agravar a situação. Moreno dissolveu o Ministério da Justiça, e a política carcerária passou a depender de uma entidade de menor ranking no governo.
— Isso gerou descumprimento dos direitos dos detentos e significou a perda de institucionalidade de uma instância que podia coordenar temas além das questões punitivas, como saúde física e mental — explica Javier Díaz, consultor do Unicef no extinto Ministério da Justiça.
Além disso, Moreno eliminou a Secretaria Técnica de Prevenção Integral de Drogas (Seted), a entidade responsável pela implementação de processos intersetoriais de prevenção ao tráfico e consumo de drogas com um foco centrado nos indivíduos. Nesse momento, o processo de paz colombiano e a desmobilização das Farc, somados à decomposição do sistema de reabilitação, foram aproveitados pelos cartéis mexicanos.
— Em vez da discussão de questões como temporalidade, classificação dos detentos por tipo de crime, periculosidade, nível de necessidades educacionais e laborais, esse abandono institucional gerou afinidade entre os grupos criminosos — afirma Diaz.
Medidas ineficazes
Foi nesse cenário que Guillermo Lasso assumiu a Presidência em maio de 2021 e trouxe consigo não somente a continuação da política econômica de Moreno e dos constantes massacres carcerários, mas a radicalização dos dois.
— Lasso aprofundou a visão securitária, militar e policial nas prisões e fora delas — diz Paladines.
Foram tomadas medidas como traslados ineficazes de líderes de gangues, formação em curto prazo de novos policiais e novos cortes no sistema penitenciário, além da educação e da saúde pública. Segundo o portal de notícias Primicias, dos US$ 768 milhões planejados para educação e saúde em 2022 , o governo destinou só US$ 184 milhões.
Já os decretos de estado de exceção do governo Lasso — 11 em dois anos e meio — constituíram ações sem resultados na diminuição da violência. Segundo a advogada Liliana Gonzalez, o Equador tem em média 7,84 estados de exceção por ano desde 2007, um total de 102 sem contar o último decretado por Noboa.
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No meio das declarações de exceção, Lasso implementou dois decretos-chave, autorizando a posse e o porte de armas de uso civil para defesa pessoal, e ordenando às Forças Armadas executar operações para enfrentar o terrorismo.
Daniel Noboa chegou ao poder no dia 23 de novembro de 2023, depois de uma campanha eleitoral marcada pelo assassinato do candidato presidencial e jornalista Fernando Villavicencio. Presidente mais novo da História do país, com 36 anos, Noboa acredita que a mão dura e a militarização são a saída para a onda de violência e insegurança. Pela rede social TikTok, anunciou a revogação da tabela de limites de posse de drogas, como tinha prometido em campanha. A Constituição de 2008 colocou o consumo como um problema de saúde, e a tabela de limites veio para operacionalizar essa norma.
— A tabela não é mais do que uma ferramenta jurídica para que os juízes possam diferenciar consumidores de traficantes —diz Ramiro Ávila, professor da Faculdade de Direito da Universidade Andina Simón Bolívar.— Ela buscava evitar a criminalização e superlotação carcerária. Essa era a lógica para evitar a seletividade sobretudo para pessoas vulneráveis.
Um mês depois, no dia 2 de janeiro, o presidente anunciou um novo referendo e enviou à Corte Constitucional 11 perguntas relacionadas sobretudo à segurança, propondo, entre outras medidas, mais poderes às Forças Armadas para combater o narcotráfico. A partir desse momento, a situação no Equador se deteriorou.
Novas prisões
As primeiras duas propostas do Noboa são a construção de duas novas prisões e, a mais recente e chocante para a população, o aumento do IVA de 12% para 15% para financiar a guerra ao narcotráfico.
— Tenho a impressão de que não há nada concreto na sua política de segurança e de drogas — afirma Paladines, alertando para os riscos de continuar com o discurso de guerra contra as drogas. — O problema não se resolve com mais Rambos. Resolve-se com mais Sherlock Holmes que possam entender quais são os caminhos certos para fora da crise.
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Para Ramiro Ávila, a forma do presidente de abordar a questão está errada e não discute, por exemplo, a legalização ou descriminalização de drogas ou a reestruturação do sistema de reabilitação. Nenhuma legislação proposta vislumbra medidas como flexibilizar o regime de proibição que causou a situação atual.
—A posição de Noboa é míope, superficial, irresponsável e ineficaz. O único resultado será o aumento da população carcerária. A Interpol, a polícia e a economia dependem das drogas, há enorme hipocrisia. O sistema penal é a pior forma de lidar com conflitos sociais e a complexidade da vida pessoal relacionada à exploração e ao consumo — sentencia Ávila.
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