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Por Heloísa Traiano, Especial para O GLOBO — Berlim

Uma fila aparentemente infindável de tratores e caminhonetes desfilou pela avenida que leva ao Portão de Brandemburgo, o lugar de maior simbolismo político da Alemanha, na última segunda-feira. Seus motoristas eram pequenos agricultores, majoritariamente homens, jovens e brancos. Eles dirigiram até centenas de quilômetros para protestar contra uma medida que beneficia o planeta e prejudica suas produções.

Chegava ao ápice uma onda de protestos pelo país, desencadeada pelo fim de benefícios fiscais sobre o diesel para os agricultores, que alertavam que seus negócios poderiam fechar, forçando a importação de alimentos. Mas, agora, os protestos tinham se virado contra o governo e as metas climáticas da União Europeia (UE), que centraliza a política agrária no continente. E, no rastro das manifestações, que ecoam movimentos semelhantes na França e na Holanda, vem de carona a extrema direita, que, com uma agenda cheia de intersecções com as desses grupos, procura se cacifar ainda mais para as eleições para o Parlamento Europeu em junho, quando procurará ampliar sua bancada e dar mais um salto adiante na política continental.

‘Loucura climática’

O movimento alemão é um espelho da insatisfação de vários grupos agrícolas e rurais na Europa, que se percebem subvalorizados e temem os efeitos das políticas ambientais alinhadas ao Green Deal europeu, o pacto ecológico da UE. Para Karl-Friedrich Wolff von der Sahl, representante do setor agrícola de Braunschweiger, na Baixa Saxônia, a Alemanha e a UE se voltaram “contra as áreas rurais” nos últimos anos:

— Nos sentimos negligenciados, sobretudo com essas ideias de investir numa transição por causa da mudança climática. Não somos contra a ideia em si, mas isso custa, e nós estamos saindo feridos. Somos contra as políticas sendo adotadas para atingir esse objetivo — disse ele ao GLOBO, à frente de uma caravana de tratores, carros e ônibus no coração da capital alemã.

Em janeiro, a Alternativa para a Alemanha (AfD), partido de extrema direita em ascensão, prometeu desmantelar o que chamou de política energética “extremista” e “ideológica” do governo e da UE, que estaria conduzindo o país a uma “descarbonização ilusória” e os agricultores à ruína.

Uma semana depois, parte significativa dos tratores em Berlim, estimados em 6 mil pela polícia, levava bandeiras alemãs e slogans nacionalistas e antiambientais. Nos para-choques mais radicais, liam-se: “Chega de dinheiro para todos no mundo! Alemanha sempre primeiro”, “Se o cidadão fica desconfortável, ele é imediatamente extremista de direita” ou “Vocês estão paralisando toda a economia por causa de sua loucura climática”.

Segundo Felix Anderl, professor de Estudos de Conflito na Universidade de Marburg, a repentina apropriação da causa rural por grandes partidos de extrema direita, como a AfD, sucede um longo histórico de associação do setor agrícola ao conservadorismo. Para ele, essas forças trabalham, hoje, para canalizar a frustração dos agricultores com seu lugar reduzido na economia atual — apenas 0,9% do PIB alemão vem da agricultura.

— A AfD, na verdade, nunca se importou com a agricultura. O seu programa sempre foi o oposto das demandas desse setor — explica. — Mas o símbolo do agricultor é facilmente explorável pela extrema direita porque serve de figura nostálgica e para imaginar como seria uma suposta Alemanha melhor.

Líderes dos protestos em nível regional e nacional negam ligações com grupos ultranacionalistas e neonazistas que, diz a mídia alemã, infiltraram-se nas manifestações. Em Berlim, Von der Sahl usava um adesivo que dizia “A agricultura é de todas as cores, e não marrom”, cor associada aos uniformes nazistas.

— Cada um tem direito de escolher seu partido, mas não houve sequestro dos protestos — disse ele. — Nós protestamos por uma visão para o futuro da agricultura. É disso que sentimos falta.

Também em Paris, os tratores tomaram as ruas contra regulações ambientais no ano passado. A gota d’água foi a reversão pela UE de uma decisão francesa que permitia uso de um inseticida em plantações de beterraba.

Contágio mútuo

Já na Polônia e na Romênia, agricultores passaram a bloquear estradas em novembro, pressionados pelos grãos mais baratos vindo da Ucrânia e impacientes com a abertura pela UE das fronteiras com o país em guerra. A imprensa fala em contágio mútuo entre eles e seus colegas alemães, impulsionado por perfis ultraconservadores nas redes sociais.

Na França, veículos de direita e do nicho agrícola reportam agora que o presidente da Federação Nacional dos Sindicatos dos Agricultores, Arnaud Rousseau, tem expressado apoio ao caso alemão, traçado conexões com agricultores europeus e acusado os eurodeputados de desconexão com a realidade do setor agrícola. “Os mesmos princípios estão em jogo em toda a Europa. A força motriz é a visão transmitida pelo Green Deal de um declínio da agricultura, que o mundo agrícola não consegue compreender”, disse à revista de direita Le Point.

Já a revolta entre produtores rurais na Holanda — força política em um dos maiores exportadores de produtos agrícolas do mundo — começou em 2019 e ganhou tração em 2022, com o aumento da pressão do governo e da UE para reduzir as emissões de nitrogênio. Em 2023, o Movimento Agricultor Cidadão (BBB, na sigla em holandês), partido agrário e de extrema direita, se tornaria líder da oposição no Senado no país. O sucesso do movimento inspirou a revolta atual dos alemães, que compartilham com a Holanda uma porosa fronteira rural.

Bancada maior

Na França, a nova lista Aliança Rural está em campanha para as eleições europeias de junho, afirmando a sites conservadores que compartilha sua “cultural rural contra o ambientalismo” com contrapartes, como o BBB holandês. Já em Bruxelas, o Partido do Povo Europeu (PPE), de centro-direita, apresenta-se como “voz e defensor dos agricultores europeus e de nossas comunidades rurais” e tenta barrar o avanço do Green Deal europeu.

— O alvoroço e a linguagem dos protestos certamente não ajudam as forças moderadas e de esquerda, mas, sim, as de direita — disse Anderl. — Todos podem compreender a insatisfação dos agricultores. Só que ela não será resolvida apenas gritando com o governo, mas discutindo honestamente que transformação é necessária.

Mas, de olho nas urnas em junho, a extrema direita amplifica esses gritos na expectativa de aumentar sua bancada no Parlamento Europeu. Previsões indicam que os dois blocos ultradireitistas — Identidade e Democracia e Conservadores Europeus e Reformistas — devem eleger mais de 165 deputados, contra os atuais 137, do total de 705 parlamentares.

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