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Um dos maiores e mais temidos traficantes de toda a História da América Latina é uma mulher. Griselda Blanco Repestro foi, por quase duas décadas, a principal referência no tráfico de cocaína da região, abrindo o mercado dos EUA à droga colombiana e erguendo um império em Nova York e Miami. Acumulou uma horda de inimigos, uma pilha de corpos, fortunas e experiência suficiente para orientar o famoso narcotraficante Pablo Escobar, fundador do Cartel de Medellín. Sua história já rendeu filmes, documentários e livros, e volta a ser contada na minissérie "Griselda", da Netflix, que estreia na quinta-feira. Na produção, a traficante é interpretada pela atriz colombiana Sofía Vergara.

Blanco nasceu em 15 de fevereiro de 1943, em Cartagena, na Colômbia, mas mudou-se para Medellín com a família quando ainda era bebê. Filha de mãe solo, cresceu em uma sociedade completamente hostil: nas décadas de 1940 e 1950, o país vivia um contexto de pobreza e extrema violência (conhecido como “La violencia”), provocada por uma guerra civil “aberta e irrestrita” entre o partido liberal e o conservador, com efeitos não somente nas áreas urbanas, mas também no campo, explica Elizabeth Dickinson, analista sênior para a Colômbia do International Crisis Group.

— Certamente suas ações [futuras] não foram isoladas. Elas ocorreram no laboratório de violência que era a Colômbia na época — diz.

Há muitas versões sobre o passado da traficante. Muitas, por exemplo, contam que Blanco teria cometido seu primeiro assassinato com apenas 11 anos. A vítima seria um menino de 10 anos, de família rica. O caso, porém, nunca pôde ser confirmado, principalmente por conta da instabilidade do período, que teria comprometido possíveis registros. Ela também teria fugido de casa quando tinha entre 13 e 14 anos após ter sido vítima de uma tentativa de abuso por parte de seu padrasto. Na rua, começou a praticar pequenos furtos e a se prostituir. Foi nesse contexto que conheceu seu primeiro marido, Carlos Trujillo, pai de seus três primeiros filhos — Dixon, Uber e Osvaldo.

Trujillo era mais velho do que Blanco e teria sido uma das peças-chave para a guinada e transformação na vida dela. Tirando vantagem da crise e instabilidade no país, ele operava uma rede de tráfico humano e falsificação de documentos, facilitando a imigração ilegal de muitos colombianos ansiosos para deixar sua terra e se instalar nos EUA. Durante seu relacionamento, ele ensinou a Blanco os trâmites e as habilidades necessárias para participar de seus negócios.

O império nova-iorquino

O conhecimento, a experiência e os contatos com pilotos e funcionários responsáveis pelas movimentações ilegais, feitos durante sua participação na rede de tráfico humano, foram essenciais para que Blanco pudesse erguer seu império da cocaína e acumular uma fortuna de pelo menos US$ 2 bilhões. Mas, na visão de Elaine Carey, autora do livro "Women Drug Traffickers: Mules, Bosses, and Organized Crime" (2014), o diferencial da traficante estava mesmo em sua inteligência. O salto de uma educação rudimentar para a consolidação mais à frente de um mercado em Nova York seria a prova disso.

Blanco instalou-se no Queens com a família nos anos de 1960. Na época, ainda trabalhava com Trujillo, mas queria mudar o foco dos negócios para a cocaína, algo que o marido não concordava. Para Dickinson, Blanco entendeu “que a droga tinha potencial para explodir em escala e quantidade de dinheiro que circularia". A oportunidade para a mudança surgiu com a morte de Trujillo, em 1970, por suposta cirrose — mas há suspeitas de que Blanco seria a responsável. Verdade ou não, o falecimento ajudou aos poucos a construir um dos muitos títulos que receberia ao longo da vida: o de Viúva Negra.

A introdução no mercado de cocaína veio com seu segundo marido, Alberto Bravo, que conheceu ainda em Nova York. Aplicando o modelo de negócio do tráfico humano e o dinheiro angariado com ele, Blanco passou a investir na nova frente. Especializou-se como distribuidora e, ao longo dos anos, mostrou habilidade para logística. Em 1973, por exemplo, abriu uma empresa de lingerie, em que as peças tinham bolsos e compartimentos para facilitar a entrada da droga com as “mulas” (pessoas usadas para transportar drogas).

Segundo Carey, ela mantinha contato com três organizações do tráfico de cocaína em Medellín. No livro “Los jinetes de la cocaína”, o jornalista colombiano Fabio Castillo aponta que um dos contatos de Blanco era Alfredo Gómez, vulgo “El Padrino”, uma das primeiras pessoas identificadas por tráfico de cocaína na Colômbia. Na época, ela era responsável por “criar os mecanismos para lavar os dólares obtidos pelo tráfico”. Segundo estimativas das autoridades, a rede de Blanco chegou a enviar aos Estados Unidos uma tonelada e meia de cocaína por mês.

— Tem uma frase famosa que diz "Nova York: se você consegue fazer aqui, consegue fazer em qualquer lugar." — lembra Carey, em referência à música "New York, New York", de Frank Sinatra. — Ela fez seu nome no estado (de Nova York) e por isso era tão poderosa no crime organizado.

Griselda Blanco, a rainha da coca, foi deportada dos Estados Unidos para a Colômbia — Foto: Reprodução
Griselda Blanco, a rainha da coca, foi deportada dos Estados Unidos para a Colômbia — Foto: Reprodução

Acusada formalmente nos EUA em 1975, voltou para Colômbia, onde Bravo acabou morto em Bogotá no mesmo ano — crime também atribuído a Blanco sem comprovações. Ainda no país, engatou seu terceiro casamento com Darío Sepúlveda, pai de seu quarto filho, Michael Corleone, batizado em homenagem ao protagonista da franquia de filmes "O Poderoso Chefão" (1972), longa pelo qual era apaixonada. A relação, porém, durou pouco. Em 1983, Sepúlveda foi morto — corroborando mais uma vez para sua reputação de “Viúva Negra”.

A experiência com a falsificação de documentos acabou mostrando-se útil: segundo Carey, as autoridades americanas tinham dificuldade em localizá-la por causa de suas inúmeras identidades. Blanco voltaria então aos EUA, mas não para Nova York. Agora partiria para seu segundo império: Miami, na Flórida.

'Madrinha da Cocaína'

Nova York acabou funcionando como um disfarce. Com todos os olhos voltados para o estado, Miami tornou-se um lugar mais fácil para se esconder. Ela chegou à cidade no início dos anos de 1980, período que ficaria marcado por um banho de sangue pela guerra entre diferentes facções que disputavam a área. Ainda que seu império fosse em Nova York, foi na Flórida que Blanco se consagrou e construiu uma reputação violenta, cruel e assassina, que a marcaria para o fim de seus dias.

Blanco criou uma nova rota de narcotráfico, fazendo a cocaína circular da Colômbia para a Miami, caminho posteriormente herdado por Escobar, que o popularizou no Cartel de Medellín e onde Blanco, segundo Carey, era a mulher de mais alta posição. Desse movimento, que permitiu a entrada do narcótico em Miami e faria a cidade ficar conhecida como "construída pela coca", segundo a autora, vem os apelidos de "Madrinha" ou "Rainha da Cocaína". A segunda marca de Blanco seria a associação do tráfico de drogas à violência. A narcotraficante usava a intimidação para expandir seu negócio, com muitos lhe atribuindo a ideia de matar desafetos com pistoleiros em motocicletas — um pilota e o outro atira.

— Esse é um legado que ainda não foi superado na Colômbia e no mundo todo — destaca Dickinson, salientando que, apesar de seus sucessores elevarem a violência a outro nível, “ela foi uma das pioneiras” no ramo.

Apesar da intensidade desses anos, ficou pouco tempo na Flórida. Fugindo novamente da polícia, mudou-se para a Califórnia, onde viveu sob o pseudônimo de Lucrecia Adarmez, uma dona de casa venezuelana. Desacelerou o ritmo dentro do tráfico, mas ainda atuava como distribuidora.

Gênero como aliado

Blanco foi presa pela primeira vez em 1985 na Califórnia, em um caso iniciado no Distrito Sul de Nova York sob acusação de fabricar, importar e distribuir drogas. Mas, até ser pega e finalmente sentenciada a 15 anos para cumprir pena em uma prisão californiana, passaram-se anos. Para a jornalista investigativa Deborah Bonello, autora do livro “NARCAS: The Secret Rise of Women in Latin America’s Cartels” (2023), o fato de ser mulher seria parte da explicação.

As autoridades, diz, tendem a ver as mulheres como menos suspeitas, inocentes e, consequentemente, acabam prestando menos atenção nelas. Por isso, a “Rainha da Cocaína” (e tantas outras que trabalharam no crime organizado) fez da invisibilidade uma vantagem: Bonello explica que a traficante tinha funcionárias em todos os escalões da sua organização, além de usar espaços considerados femininos, como salões de beleza, para fazer negócios.

— Como esses espaços eram exclusivos para mulheres, era muito difícil para a polícia entrar neles. Também eram espaços vistos como inocentes pela polícia. — destaca. — Não era lá que as autoridades procuravam para rastrear narcóticos transnacionais.

Sofía Vergara interpreta uma das maiores e mais temidas traficantes da América Latina, Griselda Blanco — Foto: Divulgação Netflix
Sofía Vergara interpreta uma das maiores e mais temidas traficantes da América Latina, Griselda Blanco — Foto: Divulgação Netflix

Também a violência teria sido indispensável para que Blanco pudesse estabelecer-se em um mercado dominado por homens. Mesmo Pablo Escobar teria dito que “um dos homens que mais tinha medo era Griselda Blanco”. Foram mais de 200 vítimas, muitas delas assassinadas à luz do dia. Ao trazer “novos níveis de violência e domínio” para uma mulher, reescrevia um novo papel para aquelas que, apesar de estarem no comércio ilegal desde os anos 1920 e 1930, eram descritas sob estereótipos da ótica masculina, aponta a jornalista.

Enquanto cumpria pena, a Justiça de Miami corria para construir uma segunda acusação, dessa vez por três assassinatos. As investigações baseavam-se em seu principal assassino de aluguel, Jorge Ayala. Em 1994, ela foi transferida para o condado de Miami-Dade, onde responderia pelos crimes. Para sua sorte, a medida não foi adiante: Ayala, testemunha-chave do caso, envolveu-se em um escândalo sexual com três secretárias do gabinete da procuradora-geral Katherine Fernandez Rundle, levando-a a fazer um acordo com Blanco. Quatro anos depois, viria confessar os assassinatos e crimes menores, também sendo condenada. Ficou quase 20 anos atrás das grades, até que foi libertada em 2004, com 61 anos, e deportada para a Colômbia.

Diferente do luxo e da extravagância dos anos anteriores, levou o restante da vida sem pompa, segundo seus familiares, em Medellín, cortando as atividades ilícitas. Foram oito anos de liberdade até o dia de sua morte, quando foi assassinada quando saía de um açougue por dois homens em uma moto. Blanco chegou a ser levada para o pronto-socorro, mas não resistiu.

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