O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, afirmou neste domingo que uma ampla reforma na liderança militar e civil do país é necessária para revitalizar os esforços de guerra do país. A declaração, durante uma fala televisionada, indica que a reestruturação de seu governo é iminente — e que irá além da substituição do principal comandante militar, o general Valeriy Zalujny, que já vem sendo aventada há dias.
As tensões entre a liderança militar e civil, que se acumulam há meses, parecem ter atingido um ponto crítico na semana passada, quando Zelensky teria convocado o general para uma reunião e o informado de sua demissão. A decisão, porém, foi adiada, o que criou a sensação de indefinição no topo do governo em um momento preocupante da guerra.
— É necessário um novo começo. Tenho algo sério em mente, que não tem a ver com uma única pessoa, mas com a direção da liderança do país — disse Zelensky ao canal italiano Rai News.
Enfraquecidas, as forças ucranianas estão lutando para conter as renovadas ofensivas russas, com o epicentro dos combates ocorrendo em torno da cidade de Avdiivka, em Donetsk. Soldados russos, que têm aproveitado o céu coberto por nuvens espessas para evitar a detecção por drones de vigilância da Ucrânia, conseguiram invadir áreas ao norte da cidade nos últimos dias, segundo soldados do país.
Eles estão ameaçando cada vez mais a linha de abastecimento das tropas, além do controle da Ucrânia sobre a cidade. A queda de Avdiivka representaria a vitória mais significativa das forças russas desde que tomaram Bakhmut, em maio do ano passado, e abriria novas linhas de ataque na tentativa do Kremlin de apoderar-se da região do Donbass. Também poderia liberar recursos para o avanço russo ao norte, em Kharkiv.
Moscou reuniu mais de 40 mil soldados e centenas de tanques e veículos blindados perto de Kupiansk. A iniciativa foi interpretada por comandantes militares ucranianos como uma intensificação da tentativa de retomar território em Kharkiv, que as forças russas perderam em uma contraofensiva das tropas de Kiev há mais de um ano.
Estagnação no front
As forças ucranianas atravessam um de seus piores momentos desde 2022. As frustrações de Zelensky com Zalujny aumentaram ao longo do último ano, à medida que os combates ficaram estagnados. Apesar disso, o líder ucraniano tem agido com cautela, consciente dos riscos de substituir o popular comandante militar. O general é respeitado pelos soldados e é considerado um herói por muitos no país, por orquestrar a defesa da Ucrânia nos primeiros meses da guerra.
A demissão dele poderia alimentar preocupações sobre a instabilidade na liderança ucraniana, e certamente seria usada pela propaganda russa para retratar Zelensky como um líder antidemocrático e ditatorial. No domingo, o presidente da Ucrânia afirmou que, “se quisermos vencer, todos devemos avançar na mesma direção, convencidos da vitória”.
Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, afirmou que a Casa Branca foi consultada sobre possíveis mudanças na liderança da Ucrânia e não opinará sobre esse tipo de decisão. À CBS, ele disse que o assunto faz parte do “direito soberano da Ucrânia e do presidente ucraniano de tomar suas decisões”, e que os Estados Unidos não irão se envolver “nessa decisão específica”.
Planejamento e ajuda externa
Tanto Zelensky quanto o comando militar da Ucrânia apontam a demora no fluxo de repasses de ajuda militar e financeira dos aliados da Otan como causa para o fracasso em acabar com as defesas russas. O fluxo incerto de recursos não apenas gerou escassez de equipamentos militares, mas também tornou difícil o planejamento para o futuro. Embora o Parlamento da Ucrânia esteja realizando debates acalorados sobre um novo projeto de lei que poderia levar ao alistamento de até 500 mil soldados, a discussão é prejudicada pelo fato de que os líderes ucranianos não sabem quais recursos estarão disponíveis para treinar e equipar essas tropas.
O principal impasse dentro da ajuda ocidental está em Washington — embora a ajuda à Ucrânia tenha diminuído quase 90% entre agosto e outubro (em comparação com o mesmo período em 2022), segundo o Instituto Kiel para a Economia Mundial. Parlamentares do Partido Republicano bloqueiam repetidos esforços do governo de Joe Biden para garantir novos fundos a Kiev.
Para tentar a aprovação no Congresso, um grupo bipartidário no Senado anunciou, no domingo, um pacote de defesa amplo, incluindo no mesmo projeto dotações orçamentárias para Ucrânia, Israel e apoio civil em Gaza, além de controle da fronteira com o México — uma das bandeiras defendidas com mais vigor pela ala mais à direita do Partido Republicano.
A medida incluiria US$ 20,2 bilhões (R$ 101,2 bi) para melhorias na segurança das fronteiras, incluindo a contratação de novos agentes de asilo e agentes de segurança nas fronteiras, a expansão do número de leitos de detenção e o aumento dos rastreios de fentanil e outras drogas ilícitas; US$ 60,1 bi ( R$ 301,1 bi) para a Ucrânia e pouco mais de US$ 24 bi (R$ 120,2 bi) para Israel e Gaza.
A divulgação do acordo, firmado após mais de três meses de negociações quase diárias, foi um avanço improvável, mas já duramente criticado por líderes republicanos, que contestaram o fato de um único projeto englobar temas tão díspares. Mike Johnson, presidente da Câmara, chegou a afirmar que o projeto de lei já chega “morto” ao órgão legislativo.
Mesmo no Senado, onde os democratas têm maioria, será necessário apoio bipartidário para se chegar aos 60 votos necessários para aprovação. As perspectivas são ainda mais sombrias na Câmara, liderada pelo Partido Republicano.
Johnson e outros republicanos da Casa disseram repetidamente que aceitarão um acordo fronteiriço apenas se incluir, ou pelo menos espelhar substancialmente, um projeto de lei severamente restritivo, com potencial de reavivar uma série de políticas do governo de Donald Trump, incluindo a exigência de que os migrantes que não cabem em centros de detenção nos EUA aguardassem as datas de processamento de seus pedidos a tribunais de imigração no México.
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