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Por O Globo, com agências internacionais — Washington

Quando o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, apareceu em uma entrevista coletiva convocada de última hora pela Casa Branca, na noite de quinta-feira, esperava assegurar ao país que não havia motivo para se preocupar com a sua memória após o relatório do Departamento de Justiça ter se referido a ele como um “homem idoso bem-intencionado e com memória fraca”.

Em vez disso, um Biden visivelmente irritado cometeu o exato tipo de erro verbal que mantém os democratas nervosos há meses, referindo-se erroneamente ao presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sisi, como o “presidente do México” enquanto tentava abordar os últimos acontecimentos da guerra em Gaza.

O relatório apresentado pelo procurador especial Robert Hur (que desde o ano passado investigava a origem de documentos encontrados na casa e em um escritório de Biden) e o desempenho do presidente na coletiva noturna colocaram sua idade avançada, assunto particularmente desconfortável que paira sobre a sua candidatura à reeleição, de volta ao centro do debate político americano.

O presidente de 81 anos – já o mais velho da História do país – luta contra a percepção de que é uma figura menos capaz, ao passo que a campanha do republicano Donald Trump explora o andar mais rígido e o discurso por vezes impreciso de Biden para apontá-lo como frágil.

— Sou bem-intencionado, sou um homem idoso e sei o que diabos estou fazendo. Fui presidente e coloquei este país de pé. Não preciso da recomendação dele — disse Biden aos repórteres na Sala Diplomática.

Presidente dos EUA, Joe Biden, pouco antes de fazer discurso na Casa Branca — Foto: Mandel Ngan / AFP
Presidente dos EUA, Joe Biden, pouco antes de fazer discurso na Casa Branca — Foto: Mandel Ngan / AFP

A vice-presidente Kamala Harris criticou o relatório como sendo um golpe político.

— A maneira como o comportamento do presidente foi caracterizado nesse relatório não poderia estar mais errada em relação aos fatos e [foi] claramente motivada politicamente — disse Harris nesta sexta-feira, acrescentando que os comentários foram "gratuitos, imprecisos e inadequados".

A Casa Branca também se manifestou, referindo-se aos comentários de Hur como "gratuitos e inapropriados".

— Quando a conclusão inevitável é que os fatos e as evidências não sustentam nenhuma alegação, é de se perguntar por que esse relatório gasta tempo fazendo críticas gratuitas e inapropriadas ao presidente — disse o porta-voz Ian Sams em uma entrevista coletiva nesta sexta.

A campanha de Biden construiu sua estratégia em torno de dizer aos eleitores que as eleições de novembro são uma escolha entre o presidente, quaisquer que sejam as dúvidas que o público tenha sobre sua idade, e o oponente Trump, de 77 anos, a quem pintam como uma ameaça à democracia e às liberdades individuais.

O relatório do procurador especial foi surpreendentemente contundente. Descreveu a memória de Biden como parecendo ter “limitações significativas”, caracterizou uma entrevista que gravou em 2017 como “dolorosamente lenta” e disse que Biden não se lembrava de algumas datas importantes de sua vice-presidência ou “quando seu filho Beau morreu”.

Em uma carta ao procurador especial, os advogados de Biden classificaram as numerosas referências à memória do presidente como “gratuitas”, bem como “preconceituosas e inflamatórias”. E o próprio Biden, com visível frustração, expressou descrença com a ideia de que não sabia quando seu filho havia morrido.

— Como diabos ele ousa levantar isso? Francamente, quando me fizeram a pergunta, pensei comigo mesmo: não era da conta deles — disse Biden. — Não preciso que ninguém me lembre de quando ele faleceu.

Os democratas há muito tempo apostaram em Biden. Sem nenhuma alternativa séria na corrida às primárias, muitos no partido acreditam que o futuro do país depende da capacidade do presidente de persuadir os eleitores de que ainda estará pronto para o cargo por mais quatro anos — e de convencê-los de que Trump é uma ameaça.

Apesar de todas as vulnerabilidades de Trump – o Partido Republicano enfrenta uma prolongada série de derrotas desde que ele subiu ao poder –, os mais de US$ 2 bilhões (cerca de R$ 10 bilhões) que a campanha de Biden e os seus aliados esperam arrecadar e gastar não tornarão o atual presidente nem um pouco mais jovem.

A entrevista coletiva na noite de quinta foi um exemplo dos perigos políticos para Biden, cujos erros são ampliados em parte pelo controle rigoroso da equipe da Casa Branca à sua exposição nos meios de comunicação. Seus assessores são tão avessos ao risco que recusaram até mesmo em uma entrevista pré-Super Bowl neste fim de semana, diante de uma das maiores audiências televisivas anuais do país.

— Justo ou não, não adianta chorar sobre o leite derramado — disse David Axelrod, ex-estrategista de Barack Obama que emergiu como uma das principais figuras do Partido Democrata alertando sobre como os eleitores veem a idade de Biden.

Axelrod disse que o relatório do procurador especial era muito preocupante para os democratas porque “vai ao cerne do que está atormentando Biden politicamente", que é um medo generalizado de que ele não esteja à altura.

— As coisas mais prejudiciais na política são as que confirmam as suspeitas pré-existentes das pessoas, e elas são as que circulam mais rapidamente. É um problema — acrescentou.

Relatório polêmico

Por uma questão jurídica, o relatório de Hur absolveu Biden de qualquer irregularidade criminal, anunciando que não havia provas suficientes para acusá-lo. Mas os democratas aproveitaram sua linguagem carregada – Hur também invocou as “faculdades diminuídas com o avançar da idade” de Biden como algo que teria sido simpático a um júri – para acusar o procurador especial, que já foi nomeado por Trump, de motivos partidários.

Para os republicanos que pretendem derrotar Biden, o relatório e a resposta irada do presidente foram um presente depois de vários dias em que sua própria disfunção nos debates no Congresso dominou as notícias. O Comitê Nacional Republicano rapidamente criou um gráfico com as oito palavras mais brutais do relatório – “homem idoso e bem-intencionado com memória fraca” – enxertadas no logotipo da campanha de Biden.

Não importa que o procurador especial tenha se recusado a acusar Biden enquanto o caso mais sério contra Trump, sobre se ele fez mal uso de documentos confidenciais, continua fazendo parte das 91 acusações criminais que enfrenta em quatro jurisdições. Ainda assim, Chris LaCivita, um dos principais estrategistas de Trump, chamou a descrição de Biden feita pelo procurador especial de “condenadora e definitiva”.

— O relatório confirma o que os americanos têm testemunhado em suas telas de TV nos últimos anos, que um idoso com memória fraca está levando a América a um pântano de guerras, desastre inflacionário e falta de oportunidades para os americanos contribuintes — disse LaCivita.

O senador Chris Coons, um democrata de Delaware próximo de Biden, previu que receberia mais ligações de “pessoas que expressam preocupação”, mas que responderia contando suas experiências diretas com Biden, que, segundo ele, demonstram que o presidente era “perspicaz, engajado e determinado”.

Ainda assim, a confusão de Biden entre Egito e México ocorreu pouco depois de alguns deslizes sobre líderes europeus falecidos. Primeiro, durante um evento de campanha em Nevada, confundiu François Mitterrand, um antigo presidente francês que morreu em 1996, com o atual presidente do país, Emmanuel Macron. Depois, na quarta-feira, disse duas vezes ter se reunido, em 2021, com Helmut Kohl, um ex-chanceler alemão que morreu em 2017, em vez de Angela Merkel, que liderou o país há três anos.

Emmanuel Macron, Joe Biden e Mitterrand — Foto: AFP/Reprodução
Emmanuel Macron, Joe Biden e Mitterrand — Foto: AFP/Reprodução

— As ligações que recebo de democratas assustados dizendo: 'Meu Deus, o presidente disse X!'. Eu penso: 'E o ex-presidente disse Y!' Se você perguntasse a Donald Trump quem era François Mitterrand, ele olharia para você como: 'Do que você está falando?' — disse Coons, minimizando a importância dos deslizes.

Trump cometeu sua própria série de tropeços verbais — recentemente confundiu Nikki Haley com Nancy Pelosi e anteriormente confundiu os líderes da Hungria e da Turquia —, mas as sondagens mostram que os eleitores não questionam sua perspicácia da mesma forma que fazem com a de Biden. Uma pesquisa da NBC News divulgada esta semana descobriu que os eleitores deram a Trump uma vantagem de 16 pontos percentuais na questão de quem era mais competente e eficaz — uma variação de 25 pontos desde 2020, quando Biden tinha uma vantagem de nove pontos sobre essa questão.

Haley argumentou que uma nova geração serviria melhor ao país e a ambas as partes. “O primeiro partido a aposentar o seu candidato de 80 anos vai vencer esta eleição!”, escreveu em um e-mail de arrecadação de fundos na quinta-feira.

Os assessores de Biden enfatizaram que as sugestões de que a memória do presidente está falhando não o prejudicariam, porque os eleitores já avaliaram sua idade ao considerar se deveriam apoiá-lo contra Trump. Alguns dos aliados do presidente resgataram um manual usado por ex-presidentes que enfrentam investigações na quinta-feira: atacar os investigadores e acusá-los de motivação político-partidárias.

O deputado Robert Garcia, um democrata da Califórnia, disse que Hur não tinha experiência para julgar a memória de Biden.

— As pessoas que escreveram esse relatório são advogados, não são médicos — disse Garcia. — Essa pessoa é um republicano que não conseguiu encontrar nenhuma evidência. Ele provavelmente está tentando prejudicar politicamente o presidente.

Para muitos democratas, o episódio foi um eco indesejável da abordagem às eleições de 2016. James B. Comey, o diretor do FBI na época, deu uma entrevista coletiva naquele tempo para declarar que não acusaria Hillary Clinton pelo uso de um servidor de e-mail privado, mas ainda assim criticou seu julgamento — e então, meses depois, reabriu sua investigação nos dias anteriores à eleição.

— Isso, para muitos de nós, traz de volta os 11 dias anteriores a Clinton x Trump — disse Bakari Sellers, um estrategista democrata, que previu que os problemas de Biden iriam passar porque as eleições ainda estão longe. — A bênção para Biden é que ele era velho antes desse relatório, ele será velho depois desse relatório. Todos sabíamos que ele é velho.

O deputado Daniel Goldman, democrata de Nova York e ex-procurador federal, disse que a atenção que o deslize México-Egito atraiu instantaneamente foi um "exemplo perfeito de como as questões de idade são completamente infladas e exageradas".

É quase certo que Biden será o candidato democrata. Ele venceu com facilidade as primeiras disputas de indicação de seu partido, e os prazos para se qualificar para as eleições primárias democratas já passaram em cerca de 80% dos estados e territórios.

O deputado Dean Phillips, de Minnesota, que é o único adversário democrata remanescente nas primárias de Biden, atraiu pouco apoio até agora. Phillips disse que a descrição da memória de Biden feita pelo procurador especial mostrou que “o presidente não está em posição de continuar a servir como nosso comandante-chefe além de janeiro de 2025”. (Com NYT e Bloomberg)

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