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Por O Globo e agências internacionais — Gaza

Autoridades palestinas acusaram Israel de disparar e matar dezenas de pessoas em meio a uma entrega caótica de ajuda humanitária na Faixa de Gaza na madrugada desta quinta-feira, em um incidente que, segundo o Ministério da Saúde do enclave, deixou ao menos 112 mortos e 760 feridos. Israel negou a acusação, afirmando que as mortes decorreram de tumultos durante a entrega de alimentos, admitindo apenas disparos pontuais em direção a um grupo de palestinos que os soldados avaliaram como sendo uma ameaça. Aliados de Israel, os EUA pediram respostas, com o presidente americano, Joe Biden, alertando que o episódio deve complicar os esforços por um cessar-fogo para o conflito de quase cinco meses. A mesma advertência foi feita pelo grupo terrorista Hamas, que controla a Faixa de Gaza desde 2007.

Israel e o lado palestino apresentaram relatos diferentes de como as vítimas morreram na Cidade de Gaza, no norte do território. Testemunhas e sobreviventes disseram que disparos atingiram multidões e os caminhões de ajuda, e Mohammed Salha, diretor interino do hospital al-Awda, que tratou 161 pessoas, afirmou ao jornal britânico Guardian que a maioria delas parece ter sido atingida por tiros. Já Husam Abu Safiya, diretor do Hospital Kamal Adwan, afirmou ao New York Times que cerca de cem pessoas com ferimentos a bala chegaram à sua instituição.

O presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, que controla o território ocupado da Cisjordânia, descreveu o incidente como um "massacre horrível conduzido pela ocupação israelense contra pessoas que esperavam caminhões de ajuda". Já o Egito classificou o episódio como “um ataque desumano israelense” e pontuou que havia “civis palestinos desarmados”. “Nós consideramos atacar cidadãos pacíficos que correm para pegar parte da ajuda um crime vergonhoso e uma flagrante violação do direito internacional”, afirmou em comunicado.

Em um comunicado, as Forças Armadas de Israel afirmaram que as mortes decorreram de uma confusão durante a entrega da ajuda, com os soldados somente tendo disparado para o ar e contra as pernas de um grupo de residentes que se afastou do comboio humanitário e se aproximou de uma unidade militar israelense. Em uma entrevista coletiva mais tarde, o porta-voz das Forças Armadas de Israel, Daniel Hagari, afirmou, porém, que só foram feitos disparos de alerta para dispersar a multidão, e disse que drones que sobrevoavam a área não realizaram ataques aéreos.

— [Os soldados dispararam] apenas em face do perigo, quando a multidão se moveu de uma forma que os pôs em risco — afirmou. — Apesar das acusações, não disparamos contra aqueles que buscavam ajuda humanitária (...) nem no comboio, por terra ou ar.

Segundo Hagari, as Forças Armadas coordenavam um comboio com 38 caminhões com ajuda humanitária vindo do Egito, prevista para ser distribuída por prestadores de serviço privado após entrada no território pela passagem de Kerem Shalom. O primeiro caminhão entrou no corredor humanitário às 4h40 (horário local), disse o porta-voz, em direção ao norte de Gaza.

Forças Armadas de Israel divulgam vídeo mostrando multidões durante entrega de ajuda que deixou mortos

Forças Armadas de Israel divulgam vídeo mostrando multidões durante entrega de ajuda que deixou mortos

— Nossos tanques estavam lá para garantir a segurança do corredor humanitário para o comboio de ajuda — afirmou Hagari. — Nossos veículos áereos não-tripulados [drones] estavam no ar para dar às nossas forças uma clara visão de cima.

No comunicado, o Exército afirmou que quando o comboio chegou ao entroncamento na Cidade de Gaza, "residentes cercaram os caminhões para saquear os suprimentos que eram entregues. Como resultado do empurra-empurra, pisoteamento e atropelamento pelos veículos, dezenas de palestinos foram mortos e feridos". De acordo com Hagari, a aproximação da Cidade de Gaza ocorreu às 4h45.

Ainda segundo o comunicado, os caminhões continuaram se dirigindo para o norte da Faixa de Gaza e, ao chegar ao bairro de Rimal, surgiram relatos de que indivíduos armados dispararam contra os veículos e os saquearam. Nesse momento, diz o Exército de Israel, algumas pessoas na multidão começaram a se aproximar de uma unidade das Forças Armadas de Israel na área, o que fez os soldados fazerem disparos de alerta para o ar antes de atirar para atingir as pernas daqueles que continuavam avançando em sua direção.

À Reuters, uma fonte israelense afirmou, previamente ao comunicado do Exército, que as tropas de Israel abriram fogo contra “várias pessoas” que cercaram o comboio porque se sentiram ameaçadas.

Testemunhas relataram à AFP que viram milhares de pessoas correndo na direção dos caminhões de ajuda humanitária que se aproximavam. Uma pessoa afirmou que os veículos com as doações chegaram “muito perto de alguns tanques do Exército israelense que estavam na área, e milhares de pessoas simplesmente avançaram sobre os caminhões”. Nesse momento, afirmou, “os soldados dispararam contra a multidão”.

Crise humanitária

Kamel Abu Nahel disse à Associated Press que foi ao ponto de distribuição de ajuda no meio da noite porque esperava obter alimentos depois de dois meses comendo ração animal. Segundo ele, depois que uma multidão se reuniu após a chegada dos caminhões, os soldados israelenses abriram fogo, fazendo as pessoas buscarem abrigo. Quando os disparos cessaram, elas retornaram, mas os soldados abriram fogo novamente, e Abu Nahel foi baleado na perna e atropelado por um caminhão que se afastava em alta velocidade.

O desespero das multidões que morreram tentando obter ajuda alimentar sublinha a extensão da crise humanitária em Gaza após quase cinco meses de guerra entre Israel e Hamas. As Nações Unidas estimam que 2,2 milhões de pessoas, praticamente toda a população do território, estejam ameaçadas pela fome,com a situação sendo especialmente mais dura no norte.

Segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA, na sigla em inglês), quase 2,3 mil caminhões de ajuda entraram na Faixa de Gaza em fevereiro, com uma média de 82 veículos por dia. O número é 50% menor que em janeiro — antes do conflito atual, quando as necessidades da população eram menos urgentes, cerca de 500 caminhões entravam no enclave todos os dias.

Os Estados Unidos exigiram de Israel nesta quinta-feira "respostas" sobre o incidente e declararam que ele mostra que a situação é "incrivelmente desesperadora" em Gaza, onde a ONU alertou para os riscos de fome.

— Apenas com as imagens aéreas, pode-se olhar e concluir que a situação é incrivelmente desesperadora — disse a jornalistas o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller. — As pessoas estão cercando esses caminhões porque estão famintas, porque precisam de comida, porque precisam de remédios e outras assistências. E isso mostra que precisamos fazer mais para levar ajuda humanitária.

O presidente Biden negou-se a apontar responsabilidades pelas mortes, afirmando apenas que “há duas versões” diferentes para o que aconteceu. Também reconheceu que o episódio dificultava que um acordo de cessar-fogo fosse alcançado até a próxima segunda-feira, como ele inicialmente tinha anunciado, mas que mantinha a esperança.

— Estava conversando pelo telefone com pessoas da região. E ainda estou. Provavelmente [não haverá um cessar-fogo] na segunda-feira, mas sigo esperançoso — disse.

Pedidos de cessar-fogo

As mortes causaram uma onda de condenações pelo mundo, além dos pedidos para que um cessar-fogo imediato, que permita o envio de ajuda humanitária à população de Gaza, seja adotado.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, condenou as mortes, e citou a situação desesperadora de centenas de milhares de civis no território palestino.

O chefe da diplomacia da União Europeia, Joseph Borrell, disse no X que estava "horrorizado com a notícia de mais uma carnificina entre civis em Gaza desesperados por ajuda humanitária", acrescentando que as mortes são "totalmente inaceitáveis". "Privar as pessoas de ajuda alimentar constitui uma violação grave do Direito Internacional Humanitário (DIH)", finalizou Borrell.

O Ministério das Relações Exteriores da Arábia Saudita emitiu um comunicado no qual “expressa a forte condenação e denúncia aos ataques contra civis indefesos no norte da Faixa de Gaza (...) em resultado do ataque pelas forças de ocupação (Israel)”. O texto defende ainda o cumprimento das leis internacionais e a necessidade de um cessar-fogo imediato.

No X, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, anunciou que, após as mortes desta quinta-feira, vai suspender todas as compras de armas de Israel, e ainda acusou o país de "genocídio" e fez referência ao Holocausto nazista de judeus na Segunda Guerra Mundial.

Em comunicado, o governo da Turquia acusou Israel de "cometer mais um crime contra a Humanidade" em Gaza, e de "usar a fome como uma arma de guerra".

A nova proposta de cessar-fogo que sendo debatida entre as autoridades israelenses, cataris, americanas e egípcias prevê que hospitais e padarias em Gaza sejam reparados e que 500 caminhões de ajuda humanitária entrarem no enclave por dia. Sob o plano, além disso, o Hamas deve libertar 40 reféns, incluindo mulheres, crianças e jovens menores de 19 anos, além de pessoas com mais de 50 anos e doentes. Já Israel libertaria cerca de 400 prisioneiros palestinos e não os prenderia mais.

Mas, depois do incidente desta quinta-feira, o Hamas afirmou que “as negociações conduzidas pela liderança do movimento não são um processo aberto à custa do sangue do nosso povo”, afirmando que Israel seria o responsável por qualquer fracasso nas tratativas.

Nesta quinta-feira, o Ministério da Saúde de Gaza anunciou que mais de 30 mil pessoas morreram como consequência das operações israelenses no enclave desde o início da guerra, em 7 de outubro, desencadeada com o ataque do Hamas a Israel que deixou ao menos 1.100 mortos e cerca de 240 reféns.

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