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Por — Tampa, Estados Unidos

Era início da tarde de um dia de fevereiro quando um grupo de estudantes da Universidade do Sul da Flórida (USF), em Tampa, começou a se reunir no prédio central de alunos. Entre eles, estava Sana (nome fictício), 19 anos, presidente de um clube que, desde o início da guerra em Gaza, protesta contra o apoio dos Estados Unidos a Israel. Às 13h, o primeiro andar do edifício já estava tomado por universitários com cartazes pedindo "Cessar-fogo agora!" e "Pare o genocídio!"

— Biden é um mentiroso compulsivo. Ele clama que vidas palestinas importam e, ao mesmo tempo, está constantemente mandando dinheiro para matar a minha família — afirma Sana, que estava há um mês sem conseguir contato com seus parentes em Gaza. — Ainda estou indecisa sobre votar, mas eu definitivamente não vou votar no Biden.

Estudantes protestam contra a guerra em Gaza na Universidade do Sul da Flórida, em Tampa — Foto: Emanuelle Bordallo
Estudantes protestam contra a guerra em Gaza na Universidade do Sul da Flórida, em Tampa — Foto: Emanuelle Bordallo

A menos de nove meses da eleição geral, o apoio do presidente americano, Joe Biden, à ofensiva de Israel em Gaza já cobra o preço eleitoralmente. Na Super Terça, dia mais importante das prévias americanas, mais de 255 mil eleitores democratas em 15 estados votaram, como forma de protesto, na opção "sem compromisso", que significa endosso ao partido, mas não aos candidatos listados. Em Minnesota, um bastião democrata, o "sem compromisso" ficou em segundo lugar, com 19% do total de votos.

Nas urnas, o protesto começou há uma semana com o sucesso da campanha "Listen to Michigan" ("Ouça o Michigan") nas primárias do estado, um importante estado-pêndulo (em que não há um partido favorito) que abriga a maior população árabe dos Estados Unidos. Formado em sua maioria por árabe-americanos, estudantes e a ala mais à esquerda do partido, o grupo pressiona Biden a suspender a ajuda militar a Israel e exigir um cessar-fogo imediato. Caso contrário, "não conte com nosso voto em novembro", repetiram as lideranças, que conseguiram convencer 100 mil eleitores a votarem, em protesto, na opção "sem compromisso", surpreendendo a campanha democrata.

'Precisamos provar que nosso voto importa'

Mas a divisão em torno da guerra no país não é recente. Desde 7 de outubro, quando o grupo terrorista Hamas deixou 1,2 mil mortos no sul de Israel e fez outras 240 pessoas como reféns, desatando o conflito, o alinhamento dos EUA com Israel polariza as universidades americanas. A distância de 10 mil quilômetros de Gaza não diminuiu o sentimento de revolta de Sana e de outros estudantes que conversaram com a reportagem sobre o conflito, que deixou mais de 30 mil mortos no território controlado desde 2007 pelo Hamas, segundo o Ministério da Saúde local.

— Sou uma vítima das forças de ocupação israelenses. Em 2013, fui atacada na Mesquita al-Aqsa (Jerusalém) enquanto rezava. Se eu passei por isso durante uma semana lá, não consigo imaginar o que todo mundo passa diariamente — afirmou a jovem. — Eu sei que tenho o privilégio de lutar por eles, então quero usar o máximo desse privilégio.

Leali Shalabi no muro que separa a Cisjordânia de Israel. Atrás, uma homenagem à jornalista da al-Jazeera Shireen Abu Akleh, morta durante um conflito — Foto: Reprodução/Instagram
Leali Shalabi no muro que separa a Cisjordânia de Israel. Atrás, uma homenagem à jornalista da al-Jazeera Shireen Abu Akleh, morta durante um conflito — Foto: Reprodução/Instagram

Leali Shalabi, 22 anos, é fundadora da organização pró-Palestina Resistência da Baía de Tampa e dona de um dos principais perfis no Instagram por onde jovens da diáspora, como Sana, se informam sobre a guerra. Formada em Jornalismo na USF, ela criou o quadro "24 horas em Gaza", em que mostra, em vídeos curtos e com imagens impactantes, os últimos acontecimentos no enclave.

— Conheço muitas pessoas [nos territórios palestinos] e tenho muitos amigos jornalistas. Todas as notícias [que posto] vêm deles ou de jornalistas-cidadãos — explica, afirmando que sua audiência hoje ultrapassa a diáspora em Tampa e alcança pessoas da comunidade árabe de várias partes dos EUA.

Nas redes, ela compartilha com milhares de seguidores suas críticas ao papel dos EUA no conflito. Em uma postagem recente, ela ironizou a declaração da vice-presidente Kamala Harris clamando por um "cessar-fogo imediato" menos de uma semana depois da mobilização no Michigan.

— Biden é o homem que está permitindo o genocídio do meu povo. Você nunca sabe se o próximo presidente em quem você vota pode ser o motivo da morte de metade da sua família — pontuou Shalabi, atestando que não votará nas eleições. — Precisamos provar que nosso voto importa, porque os democratas estão dando os nossos votos como certos.

Cada voto conta

Em 2020, jovens como Sana e Shalabi tiveram um peso importante na vitória estreita de Biden contra o ex-presidente republicano Donald Trump, que, exceto por um fato novo, será seu rival em novembro. O apoio do eleitorado árabe também foi crucial para o democrata em estados pêndulo como Michigan, Geórgia e Pensilvânia.

— Os eleitores árabes são uma voz crescente na política americana — avalia o cientista político David Schultz, da Universidade Hamline. — A eleição [deste ano] se resumirá ao voto de cerca de 150 mil a 200 mil eleitores em estados decisivos como Arizona, Geórgia, Michigan, Pensilvânia e Wisconsin. O fato de algumas pessoas não votarem pode afetar a eleição. Em 2020, eles [os árabes] votaram esmagadoramente em Biden.

Para Schultz, o apoio de Biden à ofensiva israelense prejudica a sua imagem com alguns grupos-chave, dos quais o Partido Democrata não pode abrir mão — o que justifica a recente mudança, ainda que discreta, na sua política externa. Embora nos últimos cinco meses a delegação americana tenha vetado no Conselho de Segurança da ONU todas as propostas de resolução por um cessar-fogo, Biden e membros do seu governo têm defendido a entrega de mais ajuda humanitária a Gaza e uma trégua temporária durante o Ramadã, mês sagrado para o Islã, a partir de 10 de março.

— Biden enfrenta um dilema: os apoiadores judeus são necessários para sua vitória assim como os eleitores árabes. Além disso, há algumas evidências de que os eleitores indecisos não estão totalmente satisfeitos com sua política em relação a Israel — analisa Schultz. — A política externa dos EUA é um subproduto da política doméstica. O governo Biden está mudando sua posição devido a considerações políticas e eleitorais internas.

Proibição de protestos

Apesar do alcance nas redes sociais, Shalabi afirma que não é incomum que organizações pró-Palestina como a sua — que organiza diversas manifestações em Tampa — sejam alvos de represálias, inclusive do governador da Flórida, Ron DeSantis, ex-candidato à nomeação republicana.

— Ele [DeSantis] tentou desmembrar completamente a organização e proibir esses protestos, inclusive tentando banir os alunos [da universidade]. O governo [da Flórida] não queria mais a organização no campus — denuncia Shalabi.

Em dezembro, duas organizações estudantis pró-Palestina, incluindo uma da USF, processaram o governo DeSantis por supostas violações ao direito de liberdade de expressão. A ação ainda aguarda uma decisão da Justiça.

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