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Por — Brasília

Levada ao paroxismo, a máxima da rainha Elizabeth II de que era “preciso ser vista para que acreditassem que existia” acabou por desencadear nova — e desnecessária — crise de imagem para a monarquia britânica no Reino Unido. Na era da tecnologia da informação e da inteligência artificial, era questão de pouco tempo para que se descobrisse que a foto de Kate Middleton cercada pelos três filhos — os príncipes George e Louis e a princesa Charlotte —no domingo, Dia das Mães no país, tinha passado por “manipulação digital”, como rapidamente identificaram as seis maiores agências de notícias do mundo — que a retiraram do ar em seguida.

Era para ter sido o primeiro registro oficial de que a princesa de Gales, mulher do príncipe herdeiro, William, vai bem, obrigada, e silenciar inúmeros rumores em torno de seu sumiço da vista pública. O “fiasco fotográfico”, como muitos estão chamando, surtiu efeito oposto, alimentando ainda mais as teorias sobre seu estado de saúde.

Seu último compromisso foi no Natal do ano passado, semanas antes de uma cirurgia abdominal a que foi submetida, e da qual pouco se sabe. Perder a credibilidade — posta em xeque pelo episódio — é tudo o que o palácio precisa evitar, sobretudo num momento de transição como o atual. Todos sabem que não existe vácuo de poder. Quando divulgaram a morte de Elizabeth II em setembro de 2022, fizeram-no com anúncio do novo rei.

Afinal, o que a realeza tanto tentaria esconder do público? Além de pedaços distorcidos das roupas das crianças — o editor de fotografia da agência AFP classificou a alteração de “muito amadorística” —, a foto revelava que Kate estava sem a aliança de casamento no momento em que foi fotografada. Aliás, segundo o Palácio de Kensington, responsável pela assessoria de imprensa do casal, William foi autor da imagem.

Ampliação da foto divulgada pelo Palácio de Kensington mostra erros em imagem da princesa Kate Middleton com os filhos — Foto: Editoria de Arte
Ampliação da foto divulgada pelo Palácio de Kensington mostra erros em imagem da princesa Kate Middleton com os filhos — Foto: Editoria de Arte

Charles III decidiu que sua gestão seria mais transparente. Abriu-se o jogo, ainda que parcialmente, sobre seu estado de saúde — o monarca foi diagnosticado com algum tipo de câncer —, mas não sobre o de Kate, que passou 13 noites em uma clínica no centro de Londres após a cirurgia.

Em seu perfil no Linkedin, Mark Burkowski, especialista britânico em relações públicas e gestão de crises, disse que a publicação da foto fugiu à regra e parece uma concessão pouco característica ao que chamou de “curiosidade libidinosa” da mídia. Para ele, certamente existe razão inocente para as imperfeições da imagem. Mas, dada a demanda por atualizações sobre o estado de Kate, era de se esperar que a mídia fosse sedenta em cima delas. “O fato de que isso agora gerou a necessidade de uma desculpa e um briefing detalhado mostra que se jogou mais lenha na fogueira do que apagou o fogo do furor público”, escreveu.

Kate foi a público na segunda-feira assumir a culpa do imbróglio e desculpar-se pelo que atribuiu à inexperiência de fotógrafos amadores. O estrago, porém, estava feito. Todos sabem que, na Casa Real, nada é anunciado ou divulgado por acaso. Assim tem sido desde que o príncipe Philip, pai de Charles III, entendera que o futuro da monarquia dependia da narrativa contada aos súditos. Não por acaso, a coroação de Elizabeth II, sua mulher, em 1953, foi o primeiro evento dos Windsor transmitido ao público em tempo real. Era o início da era da televisão. As câmeras capturaram até o pequeno príncipe Charles, o futuro sucessor da coroa, com ar de enfadonho, acompanhando a portentosa cerimônia.

Não muito tempo depois do esclarecimento de Kate pela sua conta na rede social X (o ex-Twitter), a princesa foi vista de relance com o marido no banco de trás de um automóvel oficial que deixava o Castelo de Windsor, onde moram, a 40 minutos da capital britânica, a caminho de compromissos em Londres. Cada um tinha o seu. Só o dele era público.

‘Infeliz episódio’

A estratégia foi lida como nova tentativa de acalmar os ânimos. A foto anterior de Kate, também em um carro, acompanhada da mãe dias atrás, foi captada por paparazzi, coisa que não acontece há tempos. Mas não foi usada pela mídia britânica pelo risco de tornar-se mais um caso judicial de invasão de privacidade.

No momento em que boletins médicos sérios tiram de cena dois de seus principais personagens, o rei Charles III — afastado dos afazeres reais para tratar do câncer — e Kate, tudo gera ansiedade para um público acostumado a ser abastecido com pílulas quase que diárias sobre a vida da realeza. Este é o pacto por trás da estratégia de sobrevivência da Firma, como foi apelidada a máquina da Casa Real em termo popularizado pelo príncipe Philip.

— Um infeliz episódio com o qual o Palácio de Kensington lidou mal. O que era para ser um gesto para acalmar as coisas, tratou de alimentar teorias da conspiração das mídias sociais. Mais valia Kate admitir ter tentado melhorar as fotos para que seus filhos aparecem bem, por exemplo. Mas até agora, a única mensagem curta abriu caminho para ainda mais especulação — disse ao GLOBO Pauline Mac Laran, professora do Royal Holloway da Universidade de Londres, especialista no tema.

O esquema de imprensa dos respectivos palácios não é grande. Seus esclarecimentos costumam ser feitos em off, o que no jargão jornalístico significa sem dar nome às fontes das reportagens. Em boa medida, isso dificulta o trabalho de jornalistas de assegurar o público sobre sua confiabilidade. O fato de porta-vozes terem saído com nome e sobrenome três vezes para esclarecer notícias sobre a princesa — uma delas para desmentir a imprensa espanhola de que estaria em coma — também gera incertezas.

— A rápida disseminação de ferramentas de manipulação de imagens mudou as regras do jogo — disse Chris Morris, executivo-chefe da agência de checagem de fatos londrina Full Fact. — Teorias da conspiração florescem em vácuos de informação, então, se você quer que confiem em você, tem de ser transparente.

Além de alimentar o burburinho digital, o episódio deu munição ao grupo antimonárquico Republic, que apelidou o caso de Kategate. Seu líder, Graham Smith, falou em sérios danos para a imagem da monarquia. “Este é o tipo de comportamento distópico que você esperaria da Rússia soviética e não do Reino Unido contemporâneo. Se for verdade, é uma tentativa deliberada de enganar o público”, disse.

Na União Soviética, quando ainda não havia o photoshop, o regime de Stalin tentou apagar da memória a figura de Leon Trótski depois que foi banido na luta pelo poder. Na exposição “1917: mitos da Revolução”, exibida nos Arquivos Federais da Rússia em Moscou pelo aniversário de 90 anos da URSS, duas telas tinham duas versões da mesma passagem da História. Na primeira, de 1928, Vladimir Lenin falava para o povo tendo atrás de si figuras como Trótski e outros colaboradores. Na segunda, de 1935, eram menos colaboradores, e Trótski não estava. Stalin, que sequer participou da reunião, estava.

Sob holofotes turbinados pelas tecnologias do século XXI, o Palácio de Buckingham tem o desafio de continuar fascinando entusiastas (ou não) da monarquia dentro e fora do país. Disso depende a sobrevivência da instituição. A tarefa está longe de ser trivial. Erros primários como este podem custar caro ao monarca, já que, como nunca, nada escapa do escrutínio público.

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