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“A Rússia é parte da cultura europeia. E não consigo imaginar meu próprio país isolado da Europa, e do que podemos chamar de mundo civilizado. Então é difícil para mim visualizar a Otan como inimiga. Penso que fazer essa pergunta não fará nenhum bem à Rússia e ao mundo, e acho que ela é capaz de causar danos.”

Em março de 2000, semanas antes de assumir o posto como o segundo presidente eleito da Rússia pós-União Soviética, Vladimir Putin declarou ao jornalista Robert Frost que um confronto com a Otan não estava em seus planos, pelo contrário. Como revelou anos depois George Robertson, que liderou a principal aliança militar do Ocidente, Putin chegou a perguntar, na mesma época, “quando seria convidado” para se juntar à organização.

Um corte para duas décadas e meia depois, agora no discurso sobre o Estado da União ao Parlamento, de 2024, e para uma visão de mundo bem diferente.

— Eles começaram a falar sobre a possibilidade de enviar contingentes militares da Otan para a Ucrânia. Mas lembremos o destino daqueles que outrora mandaram seus contingentes ao território de nosso país. Mas agora as consequências para intervencionistas serão muito mais trágicas. Em última análise, eles precisam entender que também temos armas que podem atingir alvos em seu território.

No domingo, Vladimir Vladimirovich Putin, 71, deve ser eleito para mais um mandato, à frente de um país bem diferente daquele que Vladimir Vladimirovich Putin, 47, assumiu interinamente depois da renúncia de Boris Yeltsin, no último dia de 1999, e da sua primeira vitória nas urnas, por sinal, a mais difícil das últimas duas décadas.

Naquela ocasião, a Rússia ainda tentava se recuperar dos tenebrosos anos 1990, quando uma versão extrema do capitalismo tomou de assalto o país, com a onda de privatizações, entrada de empresas vindas de todo o mundo e, no final da década, uma crise que levou a uma moratória e jogou milhões de pessoas na pobreza.

Presidente da Rússia, Vladimir Putin, concede entrevista coletiva após reunião com premiê da Finlândia — Foto: ALEXANDER ZEMLIANICHENKO / AFP
Presidente da Rússia, Vladimir Putin, concede entrevista coletiva após reunião com premiê da Finlândia — Foto: ALEXANDER ZEMLIANICHENKO / AFP

Putin, um desconhecido ex-agente da KGB que chefiou a agência sucessora, a FSB, despontou naquele momento como uma cara nova dentro dos muros do Kremlin. Em seu discurso de posse, em maio de 2000, falou em liberdade, prosperidade, respeito e na inserção dessa nova Rússia no cenário global.

— Há diferentes Putins se olharmos para os últimos 20 anos e além. Nós vamos perceber que Putin defendia algumas ideias diferentes, e nós o encontramos até articulando posições até liberais sobre como a Rússia deveria ser conduzida — disse ao GLOBO Sergey Radchenko, historiador e professor da Universidade Johns Hopkins. — Ele se tornou mais autoritário e mais anti-Ocidente com o tempo, e agora nós temos um Putin que é bem diferente daquele dos anos 2000.

Parceria e ressentimento

Putin foi o primeiro líder estrangeiro a telefonar para o então presidente George W. Bush após os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001, e a subsequente invasão do Afeganistão viu níveis até então sem precedentes de cooperação bilateral, inclusive no compartilhamento de inteligência.

Um ano depois, foi criado o Conselho Rússia-Otan, ampliando laços semeados no governo de Boris Yeltsin (1991-1999) — o comunicado que marcou a criação deste fórum afirma que “uma nova relação entre a Otan e a Federação Russa vai constituir uma contribuição essencial para que seja atingido o objetivo” da proteção da segurança coletiva dos membros da aliança e dos próprios russos. Uma adesão da Rússia era vista não mais como uma piada, mas como uma possibilidade, embora remota.

Mas como Radchenko aponta, mesmo nesse momento de aproximação, Putin deu vazão a ressentimentos antigos sobre o Ocidente, agora ligados à percepção de que Moscou não tinha o mesmo brilho do passado, e cujas opiniões não eram mais levadas em conta.

A Guerra ao Terror marcou um período em que os EUA exerceram seu status de única potência global, e tomaram decisões que desagradaram os russos. A rodada de expansão da Otan de 2004, levou para a aliança militar sete países do Leste Europeu, sendo que três — Letônia, Estônia e Lituânia — ex-repúblicas soviéticas.Planos americanos para instalar um sistema de mísseis na Polônia e Romênia foram duramente atacados por Putin, e considerados uma ameaça direta contra seu país.

Adesão da Suécia garante domínio da Otan em um dos mares mais movimentados do mundo — Foto: Editoria de Arte
Adesão da Suécia garante domínio da Otan em um dos mares mais movimentados do mundo — Foto: Editoria de Arte

O descontentamento parece ter chegado ao ápice em 2007, quando Putin declarou, durante a Conferência de Segurança de Munique, o fim do mundo unipolar.

— Esse termo, no fim das contas, se refere a uma situação, um centro de autoridade, um centro de força, um centro de tomada de decisão, é um mundo onde há apenas um mestre, um soberano — disse o presidente. — Isso certamente não tem nada em comum com a democracia. Como os senhores sabem, a democracia é o poder da maioria diante dos interesses e opiniões da minoria. Incidentalmente, a Rússia é sempre lecionada sobre democracia. Mas por alguma razão aqueles que nos ensinam não querem aprender.

Repressão interna

Ao mesmo tempo em que Putin lecionava o mundo sobre democracia e começava a questionar acordos internacionais, como os ligados ao controle de armas nucleares, seus opositores em casa sentiam o aumento da repressão. Assassinatos como o do ex-espião Alexander Litvinenko, em 2006, e a morte em circunstâncias suspeitas do oligarca Sergei Magnitsky, em 2009, mostravam um governo sem paciência para dissonâncias. A partir de 2011, com o estouro dos protestos liderados por figuras como Boris Nemtsov e Alexei Navalny, a face mais autoritária de Putin se tornou visível, sem filtros.

— Em parte isso diz respeito a um vício pelo poder, esse é um problema conhecido, e quanto mais tempo ele ficava no poder, menos opções ele viu para uma saída pacífica do cargo, e mais determinado ele ficou para continuar no cargo — disse Radchenko.

Presidente da Rússia, Vladimir Putin, assina decreto oficializando a anexação da Crimeia à Federação Russa — Foto: SERGEI CHIRIKOV / POOL / AFP
Presidente da Rússia, Vladimir Putin, assina decreto oficializando a anexação da Crimeia à Federação Russa — Foto: SERGEI CHIRIKOV / POOL / AFP

Em 2014, com a decisão de anexar a Crimeia e apoiar diretamente milícias separatistas na Ucrânia, o país se viu diante de duras sanções internacionais, que contribuíram para a radicalização do discurso anti-Ocidente, mas ainda sem o isolamento visto agora após a invasão do país vizinho — basta lembrar que em 2018 a Rússia recebeu a Copa do Mundo, e líderes de vários países ocidentais frequentavam Moscou sem muita parcimônia.

Presidentes da Rússia, Vladimir Putin (E), e da França, Emmanuel Macron (D), durante reunião no Kremlin — Foto: SPUTNIK / AFP
Presidentes da Rússia, Vladimir Putin (E), e da França, Emmanuel Macron (D), durante reunião no Kremlin — Foto: SPUTNIK / AFP

Radchenko aponta outros dois “marcos” do caminho autoritário de Putin: a convocação de um referendo sobre mudanças constitucionais que abriu caminho para mais dois mandatos presidenciais, na prática, permitindo que fique no cargo até 2036. A pandemia da Covid-19, quando Putin se fechou em seu palácio de Novo-Ogaryovo, serviu como elemento a mais para o recrudescimento do presidente, e a redução do seu círculo de poder, agora restrito a poucos ministros e assessores.

Segundo alguns analistas, a decisão de invadir a Ucrânia teria sido tomada graças a esse isolamento, quando o presidente teria “mergulhado” em livros e argumentações históricas sobre o país vizinho, e reforçado visões conservadoras, com toques até imperiais, sobre a forma como a Rússia deveria ser governada e conduzida para o futuro. Uma postura que talvez os russos que votaram no Putin de 47 anos não endossassem naquele hoje distante ano 2000.

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