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Por , Enviado especial — Newark, EUA

Em 18 anos em Newark, este é o momento mais crítico para imigrantes sem documentos nos EUA. A frase é de Solange Paizante, coordenadora da Mantena Global Care, referência no acolhimento de brasileiros na maior comunidade com cidadãos oriundos do país nas cercanias de Nova York. No começo do mês, 120 pessoas eram auxiliadas diariamente, 40% delas vindas do Brasil e 60% de outros países da América Latina, notadamente a Venezuela.

— As pessoas chegam com malas, mas sem documento, contato ou lugar para ficar. Os abrigos públicos não dão vazão, e o preço do aluguel, desde a pandemia, disparou. Não é hora de os brasileiros virem para cá sem documentos, mas a cada dia aparece mais gente — lamenta Solange, mineira de 57 anos, que chegou ao país, de forma legal, no começo do século.

Há ainda o agravante de os EUA viverem disputa acirrada entre democratas e republicanos pela Casa Branca. E, em situação irregular ou não, quem vem de fora se tornou protagonista das eleições de novembro, após a entrada recorde de pessoas não-documentadas pela fronteira com o México durante o governo Joe Biden. Seu principal adversário na briga pela reeleição, o ex-presidente Donald Trump, usa o discurso anti-imigrante como um dos carros-chefe de sua campanha. As pesquisas mostram que tem dado certo.

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Com 50 mil pessoas de origem brasileira — ou quase 20% do total —, Newark fica a mais de 4 mil quilômetros da fronteira sul do país, mas sofre os efeitos sociais, econômicos e políticos do aumento recente de imigrantes. Cidade mais populosa de Nova Jersey, é uma das mais antigas dos EUA, fundada puritanos ingleses no século XVII, eles próprios imigrantes. Abriga um dos três principais aeroportos da região da Grande Nova York e outro de seus trunfos é a proximidade da maior metrópole do país: uma corrida de trem da Mantena, no bairro de Ironbound, à Penn Station, no coração de Manhattan, dá 40 minutos. Com economia diversificada, absorve pessoas em situação irregular desde a limpeza de empresas à construção civil.

Newark é, como Nova York, uma cidade-santuário. Em seus limites a polícia não persegue os imigrantes, que podem, inclusive, tirar a carteira de motorista. O prefeito de Nova York, no entanto, um democrata moderado, já se manifestou em defesa de uma revogação desse status, o que afetaria, frisa Solange, os imigrantes brasileiros que trabalham na metrópole vizinha. Somados, os estados de New Jersey e Nova York têm a terceira maior população de brasileiros nos EUA, onde, segundo dados de 2022 do Ministério de Relações Exteriores, vivem 1,9 milhão de cidadãos do país — ou a maioria dos expatriados do Brasil.

Solange Paizante, coordenadora da Mantena Global Care — Foto: Eduardo Graça
Solange Paizante, coordenadora da Mantena Global Care — Foto: Eduardo Graça

Sem moradia

Não se passa fome em Newark, mas não há moradia para os recém-chegados. Credenciada pela Imigração americana, a ONG conta com seis psicólogas, que tratam desde o trauma causado na travessia pelo deserto até casos de violência doméstica. Mas um dos focos centrais hoje da Mantena, que também funciona como agência informal de empregos, é evitar que os latino-americanos engrossem a crescente população sem-teto de Nova York.

No dia em que a reportagem do GLOBO esteve na cidade, um imigrante de Minas Gerais que havia entrado em fevereiro pela fronteira do México finalmente respirava aliviado. Uma vaquinha comandada por um cabeleireiro local conseguira US$ 480 (cerca de R$ 2,4 mil) para o aluguel de um quarto. Por um mês, além das refeições na ONG, ele teria teto. O preço foi camarada, pois a senhoria é brasileira. Em Newark, um apartamento pequeno de dois quartos não sai por menos de US$ 1,8 mil/mês (cerca de R$ 9 mil) e os recém-chegados, por conta dos preços proibitivos, têm sido empurrados para endereços cada vez mais distantes do centro.

R$ 120 mil a coiote

Waghiston Salvatore, de 25 anos, cujo nome se pronuncia como o do primeiro presidente dos EUA, chegou do Espírito Santo em dezembro. Veio pela fronteira e aluga um quarto por US$ 750/mês (cerca de R$ 3.750). Pagou R$ 120 mil a um coiote brasileiro e chegou ao México em cinco dias, desde o Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.

'Tem quem não aguente o preço'

'Tem quem não aguente o preço'

— Passei por Guatemala, El Salvador e México. Andei de avião, barco, trem, micro-ônibus, ônibus e carro de boi. Vi adolescentes de 16 anos segurando fuzil. Mas era tudo organizado, jamais me senti em perigo real — conta.

O pior momento da viagem, relata, foi em território americano. Waghiston cruzou o Rio Grande e viveu, durante cinco dias, em um dos três acampamentos montados por imigrantes sem documentos na Califórnia, na fronteira sul:

Salvatore entrou sem documentos nos EUA — Foto: Eduardo Graça
Salvatore entrou sem documentos nos EUA — Foto: Eduardo Graça

— É quando não se pode nem ir pra frente, nem retornar. O deserto é um gelo. Não tem banheiro, comida, água, fica-se à espera das vans da polícia da fronteira, que só têm capacidade para 24 pessoas. Como a prioridade são mulheres e crianças, fiquei cinco dias no limbo. Quase enlouqueci.

Waghiston, que trabalhava no Brasil em um escritório da Ambev, teve seu visto de turista negado pelo Consulado Americano do Rio. Juntou então, por um ano, “com a ajuda dos meus pais”, a quantia pedida pelo coiote. Também guardou o valor de uma passagem da Califórnia para Newark.

No acampamento, relata, um americano dirigindo um carro gritou ao grupo: “Vocês não são bem-vindos!”. O brasileiro crê não ser esta a última vez em que será atacado (“Eles têm medo que a gente roube os empregos deles, né?”). Mas, três meses após chegar em Newark, trabalha em uma funerária e, “apesar da imensa saudade dos pais”, acredita que fará a América. Sua audiência na Justiça para conquistar o direito de seguir no país está marcada para este mês.

O medo de que fala Waghiston, mostram os números oficiais, é retórica vazia em economia com desemprego de 4% e postos de trabalho dependentes de mão de obra estrangeira. Mas em campanha em que o tema se tornou primordial, os republicanos, sem base real, vem criticando a política migratória do governo Biden ao conectar o aumento recorde da entrada de pessoas sem documentos com a percepção de maior criminalidade. Em comícios, Donald Trump caracteriza “essas pessoas que envenenam o sangue dos americanos” como “animais”. E se vangloria de ter popularizado o termo “crime de imigrantes” para casos de violência em que os acusados são estrangeiros em situação irregular.

Brasileira Claudia Gil, que vive nos EUA — Foto: Eduardo Graça
Brasileira Claudia Gil, que vive nos EUA — Foto: Eduardo Graça

Discurso com aceitação até mesmo entre as próprias comunidades de imigrantes país afora. Na mesma Mantena, a voluntária brasileira Claudia Gil, 51, que vive no país legalmente, relatou caso recente de violência cometido por pessoa sem documentos em Boston. E seu efeito direto:

— Não sofro com o preconceito, mas com o aumento da criminalidade. A maioria dos que entram sem documentos é boa, mas o governo Biden não tem controle na fronteira e estamos mais inseguros. Não voto, mas parte de minha família aqui sim, e, por isso, além do custo de vida, votarão em Trump.

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