Mundo
PUBLICIDADE
Por — Buenos Aires

As principais cidades argentinas foram cenário ontem de uma das maiores manifestações recentes, em defesa da educação pública, num momento em que as mais de 40 universidades estatais do país estão em situação crítica pela decisão da Casa Rosada de não ajustar seus orçamentos num ritmo similar ao da inflação. De março do ano passado até agora, o aumento de preços internos foi de 287,9% (herança do governo de Alberto Fernández), e no primeiro trimestre de 2024 as universidades receberam o mesmo orçamento que em 2023 ou, em alguns casos, até menos. Na véspera das marchas o presidente Javier Milei fez um pronunciamento ao país no qual comemorou o resultado das medidas de ajuste fiscal e, em suas próprias palavras, “a atitude heroica dos argentinos”.

Os cortes implementados por Milei fazem parte do programa do governo para equilibrar as contas públicas e alcançar o superávit fiscal, após décadas de governos que gastaram mais do que arrecadavam — seu antecessor entregou um Estado falido. Como parte desse plano, já foram demitidos mais de 15 mil servidores e reduzidos diversos orçamentos do Estado, afetando não apenas as universidades, mas, também, despesas em matéria de saúde e cultura, entre outras.

Em seu discurso transmitido por cadeia nacional de rádio e TV, o presidente anunciou que o governo alcançou o superávit fiscal no primeiro trimestre, algo que não acontecia desde 2008. O gasto público da Argentina foi o menor em 30 anos, informou o jornal El Cronista. O ajuste implementado por Milei foi mais profundo do que pedia o Fundo Monetário Internacional (FMI). Os gastos em obras públicas, por exemplo, foram reduzidos em 87%; remessas aos governos provinciais caíram 77% e os subsídios às tarifas de serviços públicos despencaram 45%. A serra elétrica de Milei também afetou as aposentadorias, que caíram 36%. A única despesa do Estado que aumentou foi a Ajuda Universal por Filho, o principal programa de assistência social do governo argentino.

Além do superávit fiscal, o governo conseguiu reduzir a taxa de inflação, que chegou a 25% em dezembro passado e caiu para 13,2% em fevereiro e 11% em março. O custo foi o aprofundamento da recessão.

— A era do suposto Estado presente terminou. Foi um fracasso rotundo — declarou o chefe de Estado, que estudou na Universidade de Belgrano, que é particular, na noite de segunda-feira.

A gigantesca e histórica manifestação em Buenos Aires — da qual participaram importantes universidades privadas do país — foi considerada uma ação política por parte do governo, graças à participação de dirigentes opositores, entre eles o ex-candidato presidencial peronista Sergio Massa. A marcha contou, de fato, com a participação de setores políticos e movimentos sociais, entre eles as Mães e Avós da Praça de Maio, tradicionalmente vinculadas ao kirchnerismo. Mas, nas ruas da capital argentina, o que mais se viu foram alunos, professores, trabalhadores das universidades e pessoas já formadas e com filhos e netos que estudam em universidades públicas.

— Perdemos uma eleição, mas não fomos derrotados e não podemos nos render. Vocês têm de fazer o que as Mães fazemos há 47 anos, a única luta que se perde é a que se abandona — disse Taty Almeida, ativista das Mães da Praça de Maio.

O discurso final foi o de Piera Fernández a jovem presidente da Federação Universitária Argentina (FUA):

— Os salários perderam 50% em relação à inflação. Exigimos negociações salariais livres, sem teto, que permitam recuperar com urgência o que se perdeu. Sem salários dignos a universidade pública é inviável — .

— A educação é um direito humano fundamental — enfatizou Fernández.

As ruas do centro da cidade ficaram lotadas de manifestantes carregando bandeiras da Argentina e cartazes com mensagens em defesa da educação pública. Lemas de adversários políticos de Milei estiveram ausentes.

— Os estudantes não somos a casta [política], precisamos de recursos para estudar — disse Alejandra Romero, que está no segundo ano da carreira de arquitetura da Universidade Nacional de Buenos Aires (UBA), a mais importante do país e com prestígio e reconhecimento regional e mundial.

Ao seu lado, Nicolás Fernández, estudante de Farmácia da UBA fez um alerta:

— Nossos laboratórios estão sem recursos, não podemos fazer pesquisas. Algumas matérias correm o risco de não poderem ser dadas no segundo semestre do ano por falta de dinheiro—.

De acordo com estudo da Associação Argentina de Orçamento e Administração Financeira Pública (Asap, na sigla em espanhol), no primeiro trimestre deste ano as remessas às universidades públicas caíram entre 30% e 35% em relação ao mesmo período do ano passado. Segundo a Associação Civil pela Igualdade e a Justiça, o orçamento atual das universidades públicas é o mais baixo desde 1997.

O porta-voz do governo, Manuel Adorni, afirmou que a manifestação teve intenções “políticas”, e anunciou um aumento de 70% dos orçamentos universitários em março. No entanto, autoridades universitárias negam que o governo tenha destinado mais recursos à educação pública. Em meio às controvérsias, a ministra do Capital Humano, Sandra Pettovello, perdeu um novo funcionário de sua confiança, o agora ex-secretário de Coordenação Legal e Administrativa, Maximiliano Keczeli, que renunciou ao cargo no dia das manifestações, sem dar explicações.

Pettovello já perdeu outros membros de sua equipe em meio a tensões com movimentos sociais, que denunciaram a redução de recursos para refeitórios populares. A tensões pelo impacto negativo da serra elétrica de Milei é cada vez maior, e a reação das universidades abriu uma frente de conflito delicada para o presidente argentino, que já deixou bem claro o que pensa da educação pública:

— Um mecanismo de lavagem cerebral — disse, num discurso numa escola privada no início de março.

Nas sedes das faculdades da UBA, em Buenos Aires, se multiplicaram os cartazes em repúdio aos cortes de Milei. “A ciência não é cara, cara é a ignorância”, diz um deles, na Faculdade de Ciências Exatas da UBA, na qual foi colocado um relógio mostrando por quanto tempo o atual orçamento conseguirá cobrir as necessidades de financiamento da faculdade.

— Sou estudante de Biologia e na minha faculdade os recursos não são mais suficientes para manter nossos laboratórios e nossas pesquisas — conta Nahuel Rodriguez.

Em outras universidades, como a de San Martín, na Grande Buenos Aires, a situação também é complexa. Os professores, comentou um deles, devem levar seu próprio papel higiênico e limpar seus escritórios. De acordo com Oscar Valpa, vice-presidente do Conselho Interuniversitário Nacional (CIN, na sigla em espanhol), as remessas às universidades não cobrem sequer 50% das despesas com tarifas de luz, gás, segurança e limpeza, entre outras. Valpa comentou, ainda, que entre dezembro e abril os salários dos professores perderam ser a de 50% de poder aquisitivo.

A marcha universitária desafiou o protocolo antipiquete da ministra da Segurança, Patricia Bullrich, que não conseguiu impedir que as principais avenidas do centro portenho, entre elas a Avenida de Maio, fossem totalmente ocupadas pelos manifestantes. Pela manhã, a ministra admitira que a manifestação seria complicada, e pedira aos argentinos que entendessem que era necessário se adaptar às necessidades de ajuste.

Segundo dados de 2022 (último registro disponível), as mais de 40 universidades públicas argentinas tinham 2.162.947 estudantes, entre eles muitos estrangeiros — cada vez mais brasileiros. Além de pedirem um reajuste de seus orçamentos, as universidades demandam a atualização dos sistemas de bolsas, que mantém, de acordo com o vice-presidente do CIN, os mesmos valores de 2023.

Carlos De Feo, secretário geral da Federação Nacional de Professores Universitários (Conadu, na sigla em espanhol), explicou que “o principal motivo da manifestação é a defesa da universidade pública e gratuita, e o segundo é o orçamento universitário”.

— Se mantivermos o mesmo orçamento de 2023 as universidades não poderão continuar funcionando — concluiu De Feo.

Mais recente Próxima Com baixo número de recrutas, Kiev suspende serviços consulares para homens ucranianos no exterior

Inscreva-se na Newsletter: Guga Chacra, de Beirute a NY

Mais do Globo

Americana ainda se igualou a Michael Phelps como únicos tetracampeões numa mesma prova entre todas as modalidades

Katie Ledecky vence 800m livre da natação e se torna a mulher com maior número de ouros na história dos Jogos Olímpicos

Atleta, que se classificou para as semifinais das Olimpíadas neste sábado, é alvo de campanha que pede sua exclusão dos Jogos de Paris-2024 por suspeitas sobre seu gênero

'Minha filha é uma menina. Eu a eduquei para que fosse corajosa', diz pai da boxeadora argelina Imane Khelif

Procedimento foi realizado em Xangai e amplia alternativas para pacientes que vivem em localidades distantes de grandes centros hospitalares

Médico opera câncer no pulmão de paciente a 5 mil km de distância com robô cirúrgico

Clima ameno deste sábado (3) deve se repetir ao longo da semana

Domingo no Rio será de sol, com máximas de 32ºC e sem chuva

Gabriel Medina e Tatiana Weston-Webb são as esperanças brasileiras em busca de medalhas

Olimpíadas: Chamada do surfe decreta que não haverá competição neste sábado; finais serão na segunda-feira

Atleta brasileira decidiu a medalha de bronze para o time brasileiro na competição

Rafaela Silva revela lesão e torcida por segunda luta no judô por equipes em Paris: 'Subi no tatame e falei '57,57'

Pugilista foi parabenizada pelo presidente da Argélia por ter garantido a primeira medalha do país em Paris

'Questão de dignidade e honra para todas as mulheres', diz boxeadora argelina ao comentar ataques contra ela

Goleiro foi titular na partida de preparação da equipe francesa para a temporada 2024/2025

Lucas Perri, ex-goleiro do Botafogo, dá assistência em amistoso de pré-temporada do Lyon; veja

Dispositivo transforma bombas de queda livre em explosivos guiados que podem ser lançados de fora do alcance de sistemas de defesa aérea

Rússia começa a usar 'superbomba' de três toneladas com planador contra a Ucrânia; veja vídeo