Manifestantes pró-Palestina e um grupo contrário aos protestos entraram em confronto na madrugada desta quarta-feira no campus da Universidade da Califórnia (UCLA), em Los Angeles. A escalada de violência tem se tornado preocupante à medida em que os atos em solidariedade à Gaza recrudescem nos Estados Unidos, apesar da repressão policial. Ao menos três campi foram alvo de ações policiais nas últimas horas, e ordens para desocupar os acampamentos foram emitidas, embora grupos de estudantes tenham prometido resistir. Em Nova York, 300 pessoas foram detidas em duas universidades.
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Na noite de terça-feira, a UCLA declarou pela primeira vez o acampamento pró-Palestina como uma ocupação ilegal. A instituição afirmou que os manifestantes poderão enfrentar consequências caso não saiam do local. Os ativistas, no entanto, chamaram a declaração de “covarde” e disseram que não planejam se dispersar. Horas depois, os grupos contra e a favor das paralisações entraram em confronto. Indivíduos trocaram socos e chutes, e houve registro do uso de paus e gás de pimenta, além de fogos de artifício. Tapumes de madeiras e grades que delimitavam o acampamento pró-Palestina também foram usados.
Manifestantes pró-Palestina e pró-Israel entram em confronto em universidade em LA
Segundo um repórter do New York Times que estava no local, a briga começou ainda na noite de terça-feira, quando um grupo com cerca de 200 pessoas contrárias às manifestações invadiu o espaço em que os ativistas pró-Palestina estavam e tentou desmontar o acampamento. A mesma fonte afirmou que os dois lados “jogaram objetos”, e que o confronto durou “várias horas”. Funcionários da instituição pediram a ajuda da polícia de Los Angeles, que chegou ao campus por volta das 1h50 (5h50 em Brasília). No local, os contra-manifestantes gritavam “apoie a polícia”. Os ativistas pró-Palestina, por sua vez, rebatiam com “Palestina livre”.
As hostilidades entre manifestantes pró-Palestina e pró-Israel no campus da UCLA foram registradas também nos últimos dias. Na instituição, que até então havia sido uma das mais tolerantes aos protestos, os ativistas judeus tiveram mais presença do que em outras mobilizações do país. Na noite de segunda-feira, outra briga ocorreu entre os dois grupos após cerca de 60 ativistas pró-Israel tentarem invadir o acampamento. Nesta quarta, após os confrontos da madrugada, a universidade informou aos alunos que todas as aulas foram canceladas —e que policiais permaneceriam no local.
“Atos horríveis de violência ocorreram no acampamento esta noite, e imediatamente chamamos as autoridades para apoio de ajuda mútua”, disse Mary Osako, vice-reitora da universidade, em comunicado enviado por e-mail ao New York Times nesta quarta-feira. “Estamos chocados com esta violência sem sentido e ela deve acabar.”
A polícia confirmou que houve “múltiplos atos de violência dentro do acampamento” e que, em resposta a um pedido da universidade, os policiais foram enviados para ajudar a “restaurar a ordem e manter a segurança pública”. A prefeita de Los Angeles, Karen Bass, por sua vez, disse que o caso é “absolutamente abominável e indesculpável”.
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'Um espetáculo violento'
Em Nova York, o prefeito Eric Adams assumiu o papel de líder da repressão policial aos protestos estudantis. Nesta quarta-feira, Adams defendeu as prisões de quase 300 manifestantes na City College e na Universidade Columbia, onde policiais desocuparam um prédio que havia sido tomado por quase um dia por ativistas contrários à guerra em Gaza. O prefeito argumentou que eles eram antissemitas e liderados por estrangeiros, como parte de um esforço global para “radicalizar os jovens”. À CBS, afirmou que os manifestantes eram “agitadores externos” e “profissionais bem treinados”.
— Estão criando ativamente graves problemas de segurança pública nesses protestos — disse. — Não podemos e não permitiremos que o que deveria ser uma reunião pacífica se transforme em um espetáculo violento que não serve a nenhum propósito. Não podemos esperar até que essa situação se torne ainda mais séria. Isso deve acabar agora.
Campus fechado
O campus da Columbia permaneceu fechado na madrugada desta quarta-feira para todos, exceto para estudantes que moram lá e funcionários que prestam serviços essenciais. A presidente da universidade, Nemat Shafik, solicitou ao Departamento de Polícia de Nova York que mantenha presença policial na instituição até pelo menos 17 de maio, dois dias após a formatura dos alunos. Os policiais também removeram faixas do Hamilton Hall, um prédio administrativo que os manifestantes haviam ocupado esta semana. Autoridades disseram que as portas do edifício tinham sido bloqueadas com sofás e cadeiras de metal pelos próprios manifestantes.
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A ocupação do prédio em Columbia está no centro dos protestos que começaram a se espalhar pelos Estados Unidos em 18 de abril, quando mais de 100 estudantes da universidade foram detidos. As manifestações foram repetidas em várias universidades do país, na maior mobilização desde os protestos contra a Guerra do Vietnã nas décadas de 1960 e 1970. Desde então, houve a detenção de mais de mil manifestantes em quase 25 campi de instituições em ao menos 21 estados americanos. Mesmo sem detenções, outras instituições de ensino superior também se tornaram palco de manifestações, chegando a um total de 50.
Na Universidade Tulane, em Nova Orleans, 14 pessoas foram presas na madrugada desta quarta-feira. Ao menos dois dos ativistas detidos eram estudantes. A instituição ressaltou que o acampamento era uma “manifestação ilegal” e, em comunicado, afirmou estar investigando relatos de que membros do corpo docente participaram do protesto. Na segunda-feira, seis alunos já haviam sido presos sob acusações que incluíam invasão, agressão a um oficial e resistência à prisão. A universidade emitiu ao todo sete suspensões. As aulas passaram a ser realizadas de forma remota enquanto a polícia fez uma barricada nas instalações.
Já na Universidade do Arizona, policiais do campus utilizaram produtos químicos para dispersar uma manifestação, e ativistas foram removidos à força. Na Universidade Estadual de Portland, no Oregon, autoridades pediram que deixassem uma biblioteca que foi ocupada no campus. A polícia também agiu num acampamento na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, e prendeu cerca de 30 pessoas.
Em alguns acampamentos pelo país, ativistas disseram que não vão recuar. Outros, no entanto, apresentaram sinais de que a tensão havia diminuído. Em Rhode Island, estudantes da Universidade Brown desmontaram o acampamento na terça-feira, e a polícia encerrou a ocupação de oito dias na Universidade Politécnica Estadual da Califórnia. Nesta última, 32 pessoas foram presas no total, incluindo 13 estudantes e um membro do corpo docente, disse a instituição em comunicado.
Os manifestantes das universidades americanas defendem, além do fim da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, que suas instituições de ensino rompam laços com o Estado judeu e com empresas que lucram com o conflito, sobretudo no setor armamentista. Eles pedem, ainda, mais transparência nas finanças universitárias e anistia para estudantes e professores alvo de ações disciplinares por sua participação nos protestos.
Palestinos agradecem
Alguns palestinos deslocados na Faixa de Gaza expressaram solidariedade com os manifestantes nos Estados Unidos. Mensagens de apoio foram escritas em algumas barracas em Rafah, onde cerca de um milhão de pessoas buscaram abrigo do bombardeio israelense e dos combates terrestres que, segundo autoridades de saúde do enclave, já mataram mais de 34 mil indivíduos. Na região, escritos de “obrigado, universidades americanas” foram registrados pela agência Reuters. Mohammed al-Baradei, de 24 anos, disse que os palestinos estão “muito felizes por ainda haver pessoas do nosso lado”.
— A coisa especial é que isso está acontecendo nos EUA, e que as pessoas lá ainda estão conscientes. A consciência está crescendo a cada dia pela causa palestina — disse al-Baradei, um ex-aluno de Odontologia da Universidade al-Azhar, ao New York Times.
Akram al-Satri, um jornalista freelancer de 47 anos abrigado em Rafah, contou que os palestinos estão “assistindo com esperança e gratidão o movimento estudantil nos EUA”. Bisan Owda, uma palestina de 25 anos que tem documentado a guerra nas redes sociais, disse em vídeo para seus mais de 4,5 milhões de seguidores no Instagram que os protestos lhe deram um "novo senso de possibilidade".
Os protestos ocorrem num momento temeroso na região em que eles estão abrigados: o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, promete lançar uma invasão terrestre no Rafah para erradicar batalhões do Hamas, em meio às negociações por um cessar-fogo.
(Com New York Times)
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