O Hamas descartou, neste sábado, qualquer acordo de cessar-fogo com Israel na Faixa de Gaza que não inclua o fim da guerra. A decisão do grupo foi exposta por um funcionário, ao fim de uma rodada de negociações entre uma delegação da ala política do movimento palestino e mediadores de Catar, Egito e EUA, reunidos no Cairo.
A delegação do Hamas, liderada número dois do braço político do grupo, Khalil al-Hayya, chegou à capital egípcia cercada de expectativa, na manhã deste sábado, para retomar conversas sobre termos apresentados pelos mediadores no fim de abril. O jornal al-Sharq, da Arábia Saudita, chegou a publicar que o grupo palestino deveria aceitar os termos ainda durante o sábado, mas pouco depois das 21h (15h em Brasília), uma fonte sênior do movimento disse que as negociações foram encerradas até o domingo.
A rede de televisão egípcia pró-governo al-Qahera News citou um alto funcionário do Hamas, dizendo que os mediadores egípcios estão se aproximando de uma “fórmula de consenso sobre muitos pontos” em negociação. A proposta inicial era de uma trégua nos combates por 40 dias, e a troca de reféns israelenses, capturados durante o atentado de 7 de outubro, por prisioneiros palestinos, porém pontos decisivos seguem sem nenhum avanço.
Em entrevista à agência britânica Reuters, o conselheiro do chefe do Hamas, Ismail Haniyeh, Taher Nunu, afirmou que o grupo exige o fim completo e permanente da guerra em Gaza, a retirada total e completa das tropas israelenses do enclave, a volta dos deslocados pelo conflito às suas casas sem restrições, entre outros pontos. Uma fonte anônima ouvida pela AFP disse que "sob nenhuma circunstância" um acordo de trégua na Faixa de Gaza será assinado sem um compromisso expresso sobre o fim da guerra e que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, "dificulta" os esforços para que um acordo seja alcançado, devido a "interesses pessoais".
Horas após a declaração do conselheiro de Haniyeh, o Gabinete de Guerra de Israel anunciou que não enviaria uma delegação de negociadores ao Cairo, apesar da pressão dos países mediadores para que o país estivesse presente na rodada diplomática. Funcionários israelenses ouvidos pela imprensa internacional garantiram que uma representação só será enviada ao país quando o grupo palestino apresentar sua resposta e se houver entendimento de que há avanço em direção a um acordo para a libertação dos reféns.
Fontes israelenses afirmam que a decisão partiu sobretudo do premier Benjamin Netanyahu, que prometeu recentemente que não discutiria um cessar-fogo definitivo em Gaza, antes da eliminação do grupo inimigo. Em uma declaração atribuída a um funcionário sênior da diplomacia israelense, que jornais disseram ser o próprio Netanyahu, um ataque contra Rafah, cidade do extremo sul para onde fugiram 1,5 milhão de pessoas deslocadas pela guerra e onde Israel diz que batalhões do Hamas se escondem, vai acontecer com ou sem acordo.
O conselheiro de Segurança Nacional de Israel, Tzachi Hanegbi, disse que a culpa pelo atraso no acordo de troca de reféns é do chefe do Hamas em Gaza, Yahya Sinwar. De acordo com ele, Sinwar sabe que está “em perigo”, e o ritmo da negociação seria uma tentativa de ganhar tempo.
— Aparentemente é difícil para ele tomar uma decisão que provavelmente significará o fim do controle do Hamas — diz Hanegbi, em uma entrevista ao Canal 12, afirmando que Sinwar "não sairá vivo deste confronto".
A preocupação com um novo fracasso fez com que o governo dos EUA despachasse o chefe da CIA, William Burns, para o Cairo. O Washington Post informou que, como parte dos esforços para salvar as negociações, os EUA exigiram que o Catar expulsasse os líderes do Hamas do seu solo caso o grupo rejeitasse o acordo.
Fontes dos EUA e de Israel já admitem que qualquer acordo entre e as duas partes deve levar mais alguns dias para ser negociado. Os negociadores fizeram progressos nos aspectos técnicos de um potencial acordo, mas duas fontes israelenses dizem que pode levar até uma semana para finalizar o acordo.
Ameaça de ataque contra Rafah
No front, os combates não param. Um correspondente da AFP relatou intensos combates entre as tropas israelenses e terroristas na cidade de Gaza, no norte do território. Fontes hospitalares informam também sobre bombardeios israelenses em Rafah e na cidade vizinha de Khan Yunis. Nove pessoas foram mortas, incluindo civis.
Israel se opõe ao cessar-fogo definitivo exigido pelo Hamas e insiste em lançar uma ofensiva terrestre contra a cidade de Rafah, no extremo sul da Faixa de Gaza, considerando-a o último bastião do grupo islâmico. Segundo o Wall Street Journal, que cita fontes egípcias, Israel dará às negociações uma semana antes de lançar a ofensiva que vem preparando há semanas. Cerca de um milhão e meio de palestinos, a maioria deles deslocados pelos combates, estão amontoados na cidade.
— Faremos o que for preciso para vencer e derrotar o nosso inimigo, também em Rafah — reiterou esta semana o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.
Hosam Badran, um alto funcionário político do Hamas, garantiu que estas declarações de Netanyahu procuram “frustrar os esforços” para um acordo de paz.
Os Estados Unidos, principal aliado de Israel, opõe-se à entrada nesta cidade, especialmente se Israrl não apresentar uma estratégia para proteger os civis. A Organização Mundial da Saúde (OMS), por sua vez, alertou que a ofensiva poderia levar a “um banho de sangue” e anunciou um plano de contingência para fazer face ao problema.
Uma operação em Rafah também poderia comprometer a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza, que chega ao enclave principalmente através da cidade, na fronteira com o Egito, mas é insuficiente para as necessidades dos 2,4 milhões de habitantes de Gaza. Uma ofensiva seria “um duro golpe para as operações humanitárias em toda a Faixa de Gaza”, alertou o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA).
Diante das dificuldades de acesso, alguns países lançaram ajuda de paraquedas ao território palestino e os Estados Unidos começaram a construir um porto artificial ao largo da sua costa para transportar ajuda por via marítima.
A guerra eclodiu em 7 de outubro, após o ataque dos comandos do Hamas que matou 1.170 pessoas, a maioria civis, e sequestrou cerca de 250 no sul de Israel. As autoridades israelenses estimam que, após uma troca de reféns por prisioneiros palestinianos em novembro, 129 pessoas continuam cativas em Gaza e 35 morreram desde então. A ofensiva lançada por Israel em resposta ao ataque deixou até agora 34.654 mortos em Gaza, a maioria civis, segundo o Ministério da Saúde, chefiado pelo Hamas.
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