O presidente da Rússia, Vladimir Putin, reuniu-se com o líder chinês, Xi Jinping, em Pequim nesta quinta-feira, no início de uma visita de dois dias com objetivo de demonstrar proximidade ao aliado com quem firmou uma "aliança sem limites" há dois anos. É a primeira viagem de Putin ao exterior em seu quinto mandato à frente do Kremlin e serviu para os dois líderes expressarem visões comuns de mundo e atacarem os Estados Unidos, cujo comportamento foi chamado de "desestabilizador".
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Putin foi recebido com honras por Xi no Grande Salão do Povo de Pequim. A prioridade dada ao país decorre do alto grau de alinhamento entre os dois líderes — que se encontraram mais de 40 vezes desde que Xi chegou ao poder, em 2012 — e da integração econômica, altamente importante para a Rússia, sobretudo após as sanções impostas pelos países ocidentais após o início da guerra na Ucrânia.
No ano passado, o comércio da Rússia com a China bateu a cifra recorde de US$ 240 bilhões, um aumento de 60% em relação ao período anterior à guerra. A China foi destino de um terço das exportações da Rússia e responsável por 40% das importações do país, segundo a Alfândega chinesa. O aumento no fluxo de comércio serviu também para realçar uma estratégia maior abraçada pelos dois países (e outros, incluindo o Brasil) de desafiar a hegemonia do dólar americano nas transações financeiras internacionais. No encontro, Putin destacou que 90% do comércio entre os dois países hoje é feito com suas moedas nacionais.
O encontro entre os líderes anti-ao Ocidente ocorreu em clima amistoso. Xi chamou Putin de "velho amigo", ao passo que o presidente russo se declarou "agradecido" à China por suas iniciativas de paz na Ucrânia. Em uma entrevista coletiva conjunta, um abordou temas de interesse do outro.
Putin classificou como "prejudicial" qualquer aliança política e militar "fechada" na região Ásia-Pacífico, onde Pequim trava uma disputa com os EUA por influência. Além das tensões históricas envolvendo Taiwan, um ponto de atrito direto entre os chineses e americanos, Washington investiu na criação da aliança Aukus, de cooperação militar, com Austrália e Reino Unido, para enfrentar a influência chinesa. No mesmo sentido, o presidente americano, Joe Biden, também estreitou cooperação estratégica com o Japão.
Xi, por sua vez, declarou que a relação entre Pequim e Moscou "não é apenas de interesse fundamental para os dois países e os dois povos, mas igualmente é propícia à paz".
— A atual relação entre China e Rússia foi conquistada com esforço. As duas partes devem apreciá-la e cultivá-la — insistiu o líder chinês, segundo trechos do discurso divulgados pelo Ministério das Relações Exteriores do país.
O presidente russo ainda destacou que relações entre os dois países "não são oportunistas, nem direcionadas contra ninguém".
— Nossa cooperação nos temas internacionais é um dos fatores de estabilidade no cenário internacional — disse Putin, segundo a transmissão nos canais de televisão russos.
No comunicado final, divulgado após o encontro, os dois líderes dizem que as relações entre China e Rússia "apresentam uma forma mais avançada de interação interestatal em comparação com as alianças político-militares da Guerra Fria, e não são de confronto por natureza ou baseadas em blocos", conforme texto divulgado no site do Kremlin. Ambos reiteram agir em conformidade com as leis internacionais e com a Carta da ONU, defendem a expansão da cooperação — palavra que aparece quase cem vezes no extenso documento — em praticamente todos os campos e "reafirmam o desejo de contribuir para a formação de uma ordem mundial multipolar mais justa e sustentável".
Tal como nas declarações dos líderes, o texto traz críticas aos Estados Unidos e acusa o país de atuar como elemento desestabilizador na Ásia-Pacífico, na Europa e no Oriente Médio.
"Os Estados Unidos ainda pensam em termos de Guerra Fria e são guiados pela lógica do confronto em bloco, colocando a segurança de 'grupos restritos' acima da segurança e estabilidade regionais, o que cria uma ameaça à segurança de todos os países da região [Ásia Pacífico]. Os EUA devem abandonar esse comportamento", diz o comunicado final.
Os líderes ainda expressaram preocupação com o que veem como expansão dos sistemas de mísseis pelos EUA na Europa e Ásia-Pacífico, no que China e Rússia veem como uma potencial criação de um sistema balístico internacional contra os dois países ou qualquer um que não se alinhe com Washington.
"As partes condenam veementemente essas medidas extremamente desestabilizadoras, que representam uma ameaça direta à segurança da Rússia e da China, e pretendem aumentar a interação e reforçar a coordenação, a fim de contrariar o rumo destrutivo e hostil de Washington no sentido da chamada 'dupla contenção' de nossos países", diz o comunicado final.
Durante a visita, Putin também se reunirá com o primeiro-ministro Li Qiang e viajará para a cidade de Harbin, na sexta-feira, para uma feira comercial e de investimentos.
'Solução política' para a Ucrânia
Embora a viagem de Putin pretendesse reafirmar a amizade "sem limites" que os dois presidentes proclamaram em 2022, a pauta da agenda também incluiu comentários sobre a guerra na Ucrânia, onde as operações russas conquistaram avanços importantes nos últimos dias, sobretudo na região de Kharkiv.
Xi foi cobrado pelo secretário de Estado americano, Antony Blinken, em um encontro entre os dois no mês passado, sobre o apoio concedido pela China à Rússia e como dificultava uma saída para o conflito. Blinken disse que Pequim ajudou Moscou a aumentar a produção de foguetes, drones e tanques. Nesta quinta, o líder chinês defendeu uma saída política.
— As partes concordam que o caminho a seguir é o de uma solução política para a crise na Ucrânia — declarou Xi à imprensa, destacando também que "a posição da China nesta questão sempre foi clara"
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A China pede com frequência respeito à integridade territorial de todos os países (incluindo, implicitamente, a da Ucrânia), mas também defende que as preocupações da Rússia em termos de segurança sejam levadas em consideração.
Xi ignorou as críticas ocidentais ao estreitar a relação com Putin. A relação com a Rússia permite à China importar energia barata russa e ter acesso aos seus vastos recursos naturais.
— Esta é a primeira viagem de Putin desde a sua posse e pretende demonstrar que as relações China-Rússia entraram em outro nível — declarou o analista político russo independente Konstantin Kalachev à AFP. — Sem falar na amizade pessoal, visivelmente sincera entre os dois líderes.
Em comentários feitos horas depois do fim da reunião, Vedant Patel, porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, disse que Pequim “não pode ter melhores relações com a Europa enquanto segue alimentando a maior ameaça à segurança europeia”, referindo-se à Rússia. Ao ser questionado sobre as declarações de Xi e Putin sobre iniciativas de paz para a Ucrânia, incluindo através de um processo de paz, Patel foi direto.
— Do nosso ponto de vista, a solução é simples: a Federação Russa tem de sair da Ucrânia.
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Ameaça de sanções
Apesar de o comércio entre China e Rússia ter disparado em 2023, as exportações da China para a Rússia caíram em março e abril, em relação ao ano anterior, depois de os Estados Unidos terem ameaçado aplicar sanções aos bancos chineses.
Um decreto assinado em dezembro por Biden prevê sanções aos bancos estrangeiros ligados à máquina de guerra russa e os deixa fora do sistema financeiro global, baseado no dólar. Essa ameaça, aliada ao desejo de reparar as relações com Washington, torna Pequim mais relutante em reforçar a sua cooperação com a Rússia, apesar da vontade de Moscou, dizem os analistas.
Alexander Gabuev, diretor do Carnegie Eurasia Russia Center em Berlim, diz que os bancos chineses estão aplicando o princípio de que “é melhor prevenir do que remediar, o que reduz o volume de transações”.
— Descobrir se os pagamentos estão relacionados com o complexo industrial militar da Rússia está criando um desafio considerável para as empresas e bancos chineses — disse. (Com AFP)
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