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Por , Em The New York Times — Paris

Se a França é um país de ilusões — uma terra bela e sedutora que oferece muitos dos maiores prazeres da vida, mas que esconde um mundo de violência dominado pelo crime e está tomada pelas drogas —, a semana passada ofereceu um duro despertar para esta dupla realidade.

A chama olímpica chegou ao solo francês na antiga cidade portuária de Marselha, enquanto uma multidão alegre lotava o belo porto. O clima era de paz antes dos Jogos, que começam em julho. Mas a chama também chegou a uma cidade cujos bairros do norte são o epicentro do tráfico de drogas francês, e onde 49 pessoas foram mortas e 123 ficaram feridas apenas no ano passado.

O assassinato a sangue frio, na última terça-feira, de dois guardas prisionais numa emboscada que libertou Mohamed Amra — conhecido como “A Mosca” e que está sendo investigado em Marselha por possíveis ligações a um caso de homicídio relacionado com drogas —, abalou a França. A execução metódica, em plena luz do dia, na estrada principal que liga Paris à Normandia, aconteceu a apenas 135 quilômetros da capital, Paris. Os métodos eram compatíveis com a brutalidade de um mercado de drogas em expansão.

Mohamed Amra, de 30 anos, já acumulava 13 condenações na Justiça da França por roubo, organização criminosa e sequestro seguido de morte — Foto: Divulgação
Mohamed Amra, de 30 anos, já acumulava 13 condenações na Justiça da França por roubo, organização criminosa e sequestro seguido de morte — Foto: Divulgação

Aumento de 180%

O senador Jérôme Durain, membro do Partido Socialista e um dos dois autores de um relatório do Senado que avalia o impacto do tráfico de drogas no país, concluído na semana passada, não ficou chocado com o assassinato.

— O mundo que encontramos é de violência ilimitada envolvendo pessoas, muitas vezes muito jovens, que não têm consciência e perderam todo o sentido do valor da vida — disse, em entrevista. — A corrupção começou a se espalhar porque há muito dinheiro em jogo.

Bruno Le Maire, o ministro das Finanças francês, afirmou, em março, que o comércio de drogas na França movimenta atualmente cerca de US$ 3,8 bilhões por ano (R$ 19,4 bilhões), mas outras estimativas chegam a US$ 6,5 bilhões (R$ 33,2 bilhões). O volume de ecstasy e anfetaminas apreendidos pelas autoridades aumentou 180% em 2023, de acordo com o serviço alfandegário francês.

No total, foram apreendidas quase 93 toneladas de drogas no ano passado, no valor de US$ 927 milhões (R$ 4,73 bilhões), de acordo com um relatório anual do governo. A cannabis, que é ilegal no país, é a droga mais apreendida, seguida pela cocaína, segundo o documento apresentado no Senado na semana passada.

Amra já era figura conhecida na Justiça francesa: ao todo, ele acumula 13 condenações. A última foi em 7 de maio, quando o tribunal de Évreux o sentenciou a 18 meses por “roubo com arrombamento”. Ele estava em prisão preventiva por outros casos — incluindo cumplicidade em assassinato, organização criminosa e sequestro — e voltava para a prisão de Évreux após comparecer ao tribunal de Rouen, uma viagem de cerca de 60 quilômetros, quando o veículo em que estava foi atacado. Amra fugiu, e seus cúmplices também escaparam.

À medida que a caça a ele continua, a Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol) emitiu um aviso vermelho — na verdade, um pedido urgente de ajuda do governo francês para encontrar o fugitivo, que poderia ter atravessado uma das fronteiras do país.

Embora não existam, até agora, provas concretas de que a extraordinária sofisticação da emboscada comprove o seu possível status de traficante de drogas, o ministro do Interior francês, Gérald Darmanin, foi enfático sobre a ligação entre o suspeito e o crime organizado, em depoimento ao Senado.

— Senador Durain, o senhor é prudente quanto à ligação entre este ataque ignóbil e o tráfico de narcóticos. Não tenho essa prudência. Existe uma conexão, é evidente — disse Darmanin, acrescentando que “o maior perigo para a nossa unidade nacional é o tráfico de drogas”. — Exorto o país fazer 100 vezes mais do que fizemos até agora.

O ministro também descreveu o relatório sobre as drogas no país, elaborado por Durain em conjunto com o senador Étienne Blanc, do Republicanos, de centro-direita, como absolutamente correto.

— Todos devemos acordar. Devemos combater as drogas, que nunca são festivas, são sempre mortais — afirmou. — Ninguém no futuro deveria apresentar um único argumento aceitando seu consumo.

Foi um apelo extraordinário à ação. Na entrevista, Durain alertou ainda que a França se uniu para combater de forma eficaz o terrorismo, mas nunca o fez para combater o tráfico de drogas, que, segundo ele, “ceifa muito mais vidas”.

Em Marselha, cidade visitada pelo presidente Emmanuel Macron com grande alarde, em março, para anunciar um ataque ao que chamou de “terrível flagelo” do tráfico de drogas, a situação continua piorando, segundo o ministro.

— Quando se trata de uma batalha total entre gangues e de uma competição violenta por pontos de venda, Marselha lidera o restante do país, mesmo que o domínio traiçoeiro das drogas esteja se espalhando para cidades menores da França — alertou Durain.

Disputa entre grupos

A operação do governo, que se estendeu a várias cidades francesas, é chamada de “Varredura Limpa”. Mas, segundo o ministro, teve um impacto mínimo.

Pascal Bonnet, vice-chefe de investigações criminais e responsável pela região sul da França, disse ao jornal Le Monde que a polícia identificou as duas principais gangues rivais em Marselha, conhecidas como Yoda e DZ Mafia. A feroz disputa entre elas para controlar os pontos de venda causou, apenas no ano passado, cerca de 35 dos 49 assassinatos registrados na cidade.

Em bairros no norte de Maselha e em outros mais pobres em todo o país — especialmente onde os imigrantes norte-africanos têm dificuldade para se integrar à sociedade francesa —, as taxas de abandono escolar são elevadas, a violência é comum e o acesso a emprego é escasso. Ofertas através de grupos no WhatsApp e outras redes sociais de ganhos de até US$ 5.500 (R$ 28 mil) para dirigir um carro ou até US$ 200 mil (cerca de R$ 1 milhão) por um assassinato podem ser irresistíveis.

— Há serviços de entrega em domicílio em Marselha para maconha ou cocaína que são vendidos nas redes sociais como um negócio comum — disse o senador Durain. — Pessoas em grupos privados no WhatsApp os chamam de “Uber-hash” ou “Uber-coke” [em referência ao haxixe e a cocaína].

Vários ministros prometeram recapturar Amra e levar à Justiça os assassinos que o libertaram, mas quanto mais a busca prossegue, mais embaraçoso fica o cenário para Macron, em um momento delicado com a aproximação dos Jogos Olímpicos. Em um nível mais profundo, a fuga, no mesmo dia da publicação do relatório do Senado, parece ter aberto um vigoroso debate sobre a razão pela qual as tentativas do governo para resolver o problema das drogas se revelaram, pelo menos até agora, tão ineficazes.

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