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Por O Globo com agências internacionais — Nova York

Um dia após tornar-se o primeiro ex-presidente americano a ser condenado criminalmente na História dos EUA, Donald Trump voltou à carga ontem contra o julgamento, que descreveu como “fraudado” durante um pronunciamento de 33 minutos na Trump Tower, em Nova York, no qual afirmou que apelará do veredicto. Sem provas, o republicano de 77 anos alegou que sua condenação criminal trata-se de uma instrumentalização política da Justiça e uma “caça às bruxas”, transformando o discurso em um minicomício ao fazer ataques contra o presidente Joe Biden e seus aliados democratas em meio à sua campanha para tentar voltar à Casa Branca nas eleições presidenciais de novembro.

— Se podem fazer isso comigo, podem fazer isso com qualquer um — disse Trump aos repórteres convocados para uma entrevista coletiva, mas que se resumiu ao discurso, referindo-se aos integrantes do escritório do promotor distrital de Manhattan, Alvin L. Bragg, que apresentou o caso. — Essas são pessoas ruins. Em muitos sentidos, acredito, são pessoas doentes.

Depois de sete semanas atraindo a atenção da mídia com o julgamento, Trump alternou seu discurso com falas sobre o processo legal e declarações eleitorais que normalmente faz contra os imigrantes que cruzam a fronteira, os retratando como criminosos violentos e com doenças mentais. Além dos fotógrafos e câmeras de televisão reunidos ao redor de seu pódio, também estavam presentes algumas dezenas de apoiadores — todos funcionários do prédio.

Críticas ao juiz

Em seu pronunciamento, Trump reiterou acusações contra o juiz Juan Merchan, descrevendo-o como “altamente conflituoso” e sugerindo que era responsável pelo desfecho do caso.

— No que diz respeito ao julgamento em si, foi muito injusto — disse o ex-presidente. — Vocês viram o que aconteceu com algumas das testemunhas que estavam do nosso lado, elas foram literalmente crucificadas por esse homem — disse, referindo-se ao juiz, que, segundo ele, “parece um anjo, mas na verdade é um demônio”.

Mas o veredicto não foi uma decisão de Merchan, mas sim de um júri popular formado por 12 nova-iorquinos que analisaram 34 documentos apresentados no processo: 11 notas fiscais, 12 comprovantes de pagamento e 11 cheques — a sentença, em que Trump pode ser condenado a quatro anos de prisão ou à liberdade condicional, está prevista para 11 de julho. Os jurados consideraram Trump culpado em todas as 34 acusações do caso, que se referiu à falsificação de registros fiscais para encobrir um escândalo sexual que ameaçava prejudicar sua campanha presidencial em 2016.

A quantia, de US$ 130 mil, foi paga por Michael Cohen, ex-advogado e ex-homem de confiança de Trump, à atriz pornô Stormy Daniels para que não revelasse ter mantido uma relação sexual com o magnata. O montando foi reembolsado pelo republicano ao longo de 2017, quando ele já era presidente, em forma de “despesas legais” falsas.

Em discurso, Trump distorce fatos para pôr em dúvida condenação histórica

Em discurso, Trump distorce fatos para pôr em dúvida condenação histórica

Sem nomeá-lo no discurso, Trump criticou Cohen, a principal testemunha contra ele no julgamento, ao mesmo tempo em que enfatizou que era um “advogado eficaz”, e não uma pessoa encarregada de resolver problemas na ilegalidade, como descrito pela imprensa americana. A promotoria, no entanto, argumentou que Cohen quase não fez nenhum trabalho jurídico para Trump durante o período em que recebeu o dinheiro registrado como despesas legais. O júri concordou.

De volta à campanha

O cenário do discurso sinalizou uma mudança para Trump. Embora ele tenha feitos vários comícios durante o julgamento, seus comentários públicos nas últimas semanas limitaram-se a um corredor monótono do tribunal, que enfatizava seu status de réu. O regresso nesta sexta à decoração da Trump Tower e o tom do pronunciamento soaram como o anúncio de que seu primeiro julgamento criminal acabou e que está livre para voltar à campanha, ainda que como um criminoso condenado.

Acusado criminalmente em outros três casos, Trump sugeriu que os processos mostram que é um alvo porque luta pelo país, retratando-se mais uma vez como vítima de perseguição política.

— Estou fazendo algo pela nossa Constituição — disse ele. — É muito importante, muito além de mim. E isso não pode acontecer com outros presidentes, nunca deveria acontecer no futuro.

Em sua primeira reação à decisão do júri, o presidente Joe Biden, que tenta a reeleição contra o republicano em novembro, criticou as declarações de Trump, afirmando que o júri foi escolhido como qualquer outro nos EUA, que seus integrantes ouviram testemunhos durante semanas e que Trump teve “toda a chance” de se defender. Biden também afirmou que ninguém está acima da lei.

— É imprudente, perigoso, irresponsável, alguém dizer que isso [o julgamento] é fraudado só porque não gosta do veredicto.

Em seu discurso, o magnata também reclamou ainda da ordem de silêncio no caso, que ele falsamente atribuiu a Biden, embora tenha sido imposta por Merchan para proibi-lo de atacar testemunhas ou expor a identidade dos jurados. Segundo Trump, o tribunal “está em total conjunção com a Casa Branca e o Departamento de Justiça”, uma alegação para a qual não há provas.

— Agora, estou sob uma ordem de silêncio, que ninguém jamais esteve, nenhum candidato presidencial jamais esteve. Estou sob uma ordem de silêncio desagradável, em que tive de pagar milhares de dólares em multas e fui ameaçado de prisão — afirmou.

O ex-presidente também aproveitou o discurso para citar uma “boa notícia” a seus apoiadores: o fato de que sua campanha arrecadou US$ 34,8 milhões após a condenação, em um sinal da extensão do apoio de sua base à sua candidatura apesar do veredicto. Ele concluiu seu pronunciamento sugerindo que o único julgamento que importava para ele era o das urnas.

— Lembre-se, 5 de novembro é o dia mais importante da História do nosso país — disse Trump. —Obrigado.

Desinformação

As declarações de Trump nesta sexta-feira não foram a primeira vez que o ex-presidente ou qualquer um de seus aliados puseram em dúvida a justiça americana e a condução dos processos criminais movidos contra ele. Na quinta-feira, logo após o veredicto do júri em Manhattan, o âncora da Fox News John Robert sugeriu em um publicação on-line que o juiz havia dito que os jurados poderiam escolher individualmente em um menu de diferentes crimes para declarar o ex-presidente culpado, desde que o total de votos somasse 12.

Foi uma afirmação chocante para qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento da jurisprudência americana. No entanto, encontrou um público imediato e maciço, com cerca de 5,7 milhões de visualizações na rede social X (antigo Twitter). Apoiadores e aliados de Trump rapidamente ampliaram a postagem, assim como o próprio Trump.

“O juiz Merchan acabou de dizer ao júri que eles não precisam de unanimidade para condenar”, escreveu Roberts. “4 poderiam concordar em um crime, 4 em um crime diferente e os outros 4 em outro. Ele disse que consideraria 4-4-4 como um veredicto unânime.”

Na verdade, todos os 12 jurados tiveram de concordar de forma unânime em considerar Trump culpado para condená-lo pelos crimes dos quais ele foi acusado: 34 acusações de fraude contábil. Merchan deixou isso claro várias vezes, dizendo em suas instruções ao júri: “Cada acusação que vocês considerarem, seja ela culpada ou inocente, deve ser unânime.”

Roberts procurou esclarecer sua posição em uma entrevista na quinta-feira. Até então, a ideia de que um veredicto não unânime era possível havia sido disseminada pelo ex-presidente e candidato republicano, bem como por seus apoiadores.

A maneira como Trump e seus aliados se aproveitaram da publicação de Roberts reflete um ecossistema de mídia de direita que foi ajustado para criar e fazer circular desinformação que possa prejudicar os democratas e impulsionar os políticos favoritos, um ciclo que já estava ativo durante o julgamento de Trump. Esse processo incluiu ataques contínuos a instituições há muito consideradas imparciais e resistentes à política, incluindo o FBI (polícia federal dos EUA), o Departamento de Justiça e os tribunais.

Na quinta-feira, as críticas às instruções do júri de Merchan não tardaram a vir de Stephen Miller, um ex-conselheiro da Casa Branca; da ex-juíza e apresentadora da Fox News Jeanine Pirro; e do filho de Trump, Eric, que sugeriu que seu pai nem sabia do que era acusado até a manhã de quarta-feira. (Trump sabe das 34 acusações que enfrenta desde o ano passado).

Steve Bannon, ex-conselheiro de Trump e apresentador de um canal conservador, referiu-se às supostas instruções como “4-4-4” e levou especialistas ao seu programa de televisão para chamá-las de inconstitucionais. E figuras políticas republicanas, como o senador Marco Rubio, da Flórida, considerado uma possível escolha para ser o companheiro de chapa de Trump, também se manifestaram, sugerindo que a instrução do juiz indicava que o caso era “exatamente o tipo de julgamento falso usado contra oponentes políticos do regime na antiga União Soviética”.

Seção 17-152

O próprio Trump publicou na tarde de quarta-feira no Truth Social, sua plataforma de mídia social, que “É RIDÍCULO, INCONSTITUCIONAL E INAMERICANO” que Merchan “não esteja exigindo uma decisão unânime sobre as acusações falsas contra mim”, concluindo: “Uma farsa de INTERFERÊNCIA ELEITORAL DO TERCEIRO MUNDO!”.

Roberts fez a postagem enquanto Merchan instruía o júri na manhã de quarta-feira sobre como a lei deveria ser aplicada no caso. Nessas instruções, Merchan explicou que, de acordo com a lei do estado de Nova York, a falsificação de registros fiscais é um crime apenas quando é feita para ocultar um segundo crime.

Os promotores dizem que Trump falsificou registros para ocultar uma violação de uma lei eleitoral estadual pouco conhecida — Seção 17-152 — que proíbe conspirações “para promover ou impedir” a eleição de uma pessoa “por meios ilegais”. Merchan também deixou claro que os “meios ilícitos” mencionados na lei eleitoral poderiam incluir violações de qualquer uma de três outras medidas: uma lei federal que rege as contribuições eleitorais, uma lei estadual que rege registros comerciais falsos ou leis tributárias, incluindo aquelas em nível estadual ou federal.

Ainda segundo Merchan, embora o júri tivesse que “concluir unanimemente” que Trump havia violado a Seção 17-152 para considerá-lo culpado, eles não precisavam ser unânimes em relação aos “meios ilegais” usados. Em outras palavras, os jurados não precisavam concordar sobre qual das três outras leis havia sido violada quando ele conspirou para ganhar a eleição. A instrução do juiz é consistente com a jurisprudência sobre o assunto.

Em uma entrevista na quinta-feira, Roberts — que apresenta um programa vespertino em Washington e não estava no tribunal quando as instruções do júri foram lidas — disse que “nunca teve a intenção de sugerir naquele tuíte que menos de 12 jurados podem condenar Donald Trump por um crime”.

— Eu falava sobre o crime subjacente — afirmou. — Esclareci, em maior grau, os fatos da acusação do júri em resposta a alguém que havia comentado meu tuíte.

De fato, após sua postagem inicial, Roberts publicou uma explicação mais sutil sobre os “meios subjacentes” que os jurados poderiam considerar, referindo-se a isso como “uma variedade de opções que eles podem escolher”. Na quinta-feira, no entanto, ele também citou um analista jurídico conservador que, segundo ele, chamou isso de “o aspecto ‘mais preocupante’ das instruções”.

Houve algumas reações preocupantes à postagem inicial de Roberts, de acordo com a NBC News, que informou que ela levou os usuários do Gab, um site popular entre os extremistas de direita, a fazer ameaças veladas contra Merchan. Uma dessas postagens dizia: “Ouvi dizer que coisas ruins acontecem com juízes na entrada de suas casas.” Outras ameaças on-line também foram registradas.

Trump atacou repetidamente o caso, chamando-o de “caça às bruxas” com motivação política, orquestrada pelo promotor público de Manhattan que o apresentou, Alvin Bragg. Merchan, que também tem sido um alvo constante do republicano, teve segurança 24 horas por dia designada para protegê-lo enquanto o júri deliberava. (Com The New York Times)

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