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Apontado como um dos primeiros-ministros mais poderosos e populares da História da Índia, o controverso Narendra Modi, de 73 anos, toma posse neste domingo para seu terceiro mandato consecutivo — um feito até então alcançado apenas pelo líder independentista Jawaharlal Nehru, que governou entre 1947 e 1964. Mas a vitória alcançada na última terça-feira teve um gosto amargo. Ao contrário das duas últimas eleições, desta vez o partido de Modi não conseguiu uma maioria absoluta no Parlamento, dependendo de uma aliança com mais 14 siglas para formar seu governo. Segundo analistas, o recado das urnas foi claro e o período de hegemonia de sua legenda, o Bharatiya Janata (BJP), e da política nacionalista hindu imposta nos últimos 10 anos pode estar começando a ruir.

Modi e o BJP concorreram com um slogan ambicioso: “Abki baar 400 paar”. Na prática, significava que o partido governista pretendia conquistar com sua Aliança Nacional Democrática (AND) mais de 400 cadeiras das 542 disponíveis na Lok Sabha, a Câmara Baixa do Parlamento indiano, eleita por voto popular. Mas o tiro saiu pela culatra. Depois de abocanhar sozinho 282 assentos nas eleições de 2014, e inéditos 303 em 2019, agora o BJP terá de governar com 62 parlamentares a menos em relação ao último mandato. O principal revés veio de Uttar Pradesh, o estado mais populoso da Índia e que costumava ser uma fortaleza para o partido.

Com 80 assentos parlamentares, essa potência agrícola do norte do país tem influência significativa nas eleições gerais. Em 2014 e 2019, o BJP conquistou 71 e 62 dessas cadeiras, respectivamente, o que ajudou a impulsionar sua ascensão ao governo central. Mas em 2024, reteve apenas 33 assentos, com sua aliança adicionando mais três. Foram 29 a menos do que na última eleição. Mais notavelmente, perdeu no distrito eleitoral de Faizabad, onde Modi inaugurou, no início deste ano, um gigantesco templo hindu no local de uma mesquita centenária destruída por nacionalistas hindus na década de 1990.

Questão de tempo

Outra grande derrota ocorreu em Maharashtra, que abriga uma grande população de comunidades historicamente desfavorecidas, como os dalits, que estão na base da hierarquia de castas na Índia. Lá, a aliança liderada pelo BJP encolheu de 41 assentos para 17 dos 48 disponíveis, dando uma vantagem ainda maior do que em Uttar Pradesh para a oposição.

— No início do processo eleitoral, tudo indicava que Modi fosse ganhar mais uma vez com ampla diferença. A virada aconteceu no meio do caminho, com uma guinada muito forte ao centro e à esquerda. Ele perdeu em lugares simbólicos: as estatísticas mostram que a resposta veio das castas mais baixas e do campo, onde o BJP costumava ser forte — sintetiza a antropóloga Mariana Faiad, da Universidade de Sorocaba (Uniso), especialista em Índia e Estudos Asiáticos.

Configuração da Câmara baixa da Índia — Foto: Editoria de Arte / O Globo
Configuração da Câmara baixa da Índia — Foto: Editoria de Arte / O Globo

Desde que o BJP chegou ao poder, em 2014, o Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu em média mais de 7% ao ano, com um pico de 9,05% em 2021, segundo dados oficiais. Isso fez com que a Índia ultrapassasse o Reino Unido como a quinta maior economia no ano passado e, de acordo com analistas financeiros, está no caminho para ultrapassar o Japão e a Alemanha e alcançar o terceiro lugar até 2027. Mas a desigualdade social — que já era acentuada — também aumentou: as parcelas de renda e riqueza do 1% mais rico estão em seu nível histórico mais alto, 22,6% e 40,1%, respectivamente, e entre as mais altas do mundo, acima até mesmo da África do Sul, do Brasil e dos EUA, de acordo com um estudo recente.

Para o cientista político Devesh Kapur, professor da Fundação Starr de estudos do sul da Ásia na Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins, a eleição deste ano marca o "pico de poder" de Narendra Modi e do BJP, e o que vem a seguir, é o seu declínio político, “ainda que lento e gradual”, afirma.

"A hegemonia manifesta do BJP parecia pressagiar seu domínio contínuo do cenário político indiano no futuro. Mas do topo, o único caminho é para baixo", analisou Kapur em artigo publicado na última semana na revista Foreign Policy. “É claro que o partido pode permanecer perto de seu pico por algum tempo e descer lentamente, mas isso não é uma questão de “se”, mas de “quando”.

Recado nas urnas

Na opinião dos analistas, os indianos deram seu recado nas urnas: apesar dos temores quanto à saúde da democracia indiana, classificada como "parcial" pela Freedom House, os eleitores seguem dispostos a defendê-la.

— Os resultados nos lembram que o eleitor indiano não é facilmente intimidado, mesmo quando os partidos políticos usam as armas do Estado contra seus oponentes políticos e a repressão da imprensa para impedir que pontos de vista alternativos sejam ouvidos — avalia Rohan Venkat, acadêmico não residente do Centro de Estudos Avançados da Índia, ligado à Universidade da Pensilvânia.

Narendra Modi, premier indiano reeleito pelo terceiro mandato, durante comemoração da vitória em Nova Délhi — Foto: Arun SANKAR / AFP
Narendra Modi, premier indiano reeleito pelo terceiro mandato, durante comemoração da vitória em Nova Délhi — Foto: Arun SANKAR / AFP

Em julho do ano passado, 26 partidos de oposição, incluindo o Congresso Nacional Indiano, a mais antiga organização política em atividade no país, se uniram para formar a Aliança Nacional Indiana para o Desenvolvimento Inclusivo, um grupo ideologicamente heterogêneo batizado de “India” (na sigla original) cujo objetivo era derrotar Narendra Modi e a aliança liderada pelo partido.

A princípio, foi considerada uma iniciativa “desunida, cheia de brigas internas e incapaz de representar um desafio sério para o BJP”, lembra Venkat. Em vez disso, conseguiu acumular uma quantidade suficiente de votos, “que está a poucos pontos percentuais da coalizão do BJP, e tirar assentos do partido no poder em todo país”.

— Foi um resultado enorme e surpreendente — destaca Venkat. — Mesmo que não tenha vencido, seu resultado é um grande alerta para o BJP, que esperava uma vitória fácil, e um lembrete de que a política indiana continua competitiva, em um momento em que era vista como dominada pelo BJP.

'Última cartada'

Na visão de Faiad, o encolhimento do BJP no Parlamento implica em dificuldades para dar prosseguimento à sua política segregatória, cujo símbolo foi uma polêmica lei de 2019, aprovada sem dificuldades no Legislativo, que favorece a concessão de cidadania a imigrantes de todos os credos do Sul da Ásia, exceto o islamismo — um gesto que foi lido como o mais claro sinal de que Modi quer transformar a Índia em um Estado que tem no hinduísmo seu centro e onde a grande minoria muçulmana, de cerca de 200 milhões de pessoas, está em desvantagem. Porém, nada garante que o governo irá pisar no freio, pois o “BJP ainda pode tentar dar uma última cartada e partir para cima [das minorias] com tudo”. Em todo caso, “não foi uma vitória para se celebrar”, pondera.

Para o jornalista indiano Naresh Fernandes, editor do premiado Scroll.in, um site de notícias independente, “a batalha para recuperar a ideia de uma Índia equitativa está longe de ser vencida. Mas, como demonstrado na terça-feira, há muitos que sonham em reforçar os fundamentos de uma República baseada nos valores de justiça, liberdade, igualdade e fraternidade”.

— Por enquanto, a Índia pode respirar novamente.

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