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Por O Globo e agências internacionais — Londres

Depois de 14 anos na oposição, o Partido Trabalhista retornará ao poder no Reino Unido, de acordo com as projeções divulgadas minutos após o fechamento das urnas, confirmando uma das maiores vitórias em décadas.

Os números apontam que o partido, comandado por Keir Starmer, provável novo primeiro-ministro, conquistou 410 cadeiras na Câmara dos Comuns, equivalente à Câmara dos Deputados, mais do que as 326 necessárias para governar sem precisar formar alianças. As estimativas ainda sinalizam para uma derrota contundente dos conservadores, um "renascimento" dos Liberal-Democratas e um avanço da extrema direita.

"A todos os que fizeram campanha pels trabalhistas nestas eleições, a todos os que votaram em nós e depositaram a sua confiança no nosso novo Partido Trabalhista – obrigado", escreveu Starmer no X, o antigo Twitter, minutos depois do fechamento das urnas. Caso as projeções se confirmem, será um avanço de 209 cadeiras.

Em segundo lugar veio o Partido Conservador, do agora futuro ex-premier Rishi Sunak, com 131 cadeiras, o pior resultado desde o fim da Segunda Guerra Mundial, com 241 assentos a menos. A lista de integrantes do Gabinete de Sunak que podem ficar sem vaga no Legislativo é longa, e inclui Jeremy Hunt, ministro das Finanças, e Grant Shapps, ministro da Defesa. Os números oficiais, alertam comentaristas, podem ser ainda piores, uma vez que estão sujeitos a pequenas diferenças, como houve nas últimas três votações.

Sunak convocou as eleições em maio, de forma até inesperada, em uma decisão que até hoje intriga analistas políticos e é questionada por aliados, especialmente os que foram derrotados nesta quinta-feira. No Reino Unido, os eleitores escolhem um único candidato em seus distritos e o mais votado é eleito, mesmo que com menos de 50% dos votos. Os primeiros resultados oficiais já confirmam as projeções, com um bom desempenho dos trabalhistas e escorregões dos conservadores.

Em entrevista à BBC, Jacob Rees-Mogg, ex-deputado conservador, disse que o partido considerou que os votos de algumas áreas "já estavam garantidos" e não trabalharam para mantê-los, mesmo diante da sucessão de crises no país e na própria sigla, que teve três líderes desde a última eleição, em 2019.

— Não temos o direito divino sobre os votos — concluiu.

Repetindo um enredo visto ao redor da Europa (e também fora dela), a extrema direita marcou posição com o Reform UK, liderado por um dos rostos mais conhecidos da campanha pela saída do país da União Europeia, Nigel Farage, hoje favorito daqueles que exigem controles mais duros sobre a imigração.

O partido jamais havia conquistado uma cadeira no Parlamento, e o único parlamentar na Câmara dos Comuns, Lee Anderson, só se juntou à sigla após ter sido expulso pelos conservadores, em meio a uma controvérsia envolvendo o prefeito de Londres, Sadiq Khan — Anderson foi o primeiro deputado do partido a ter a vitória confirmada. Segundo projeções, o Reform UK deve ficar com pelo menos 13 cadeiras.

"Esta é uma enorme cabeça de ponte [termo militar para descrever um avanço em território inimigo] Isto é politicamente sísmico", escreveu o vice-líder do partido, Ben Habib, no X. "Este é o início da luta pelo Estado-nação do Reino Unido."

Os Liberal-Democratas retomaram o posto de terceira força, com 61 cadeiras (+53), se recuperando da série de péssimos resultados desde as eleições gerais de 2015, e se aproveitando da fragilidade dos conservadores.

"Os Liberal-Democratas estão no caminho certo para obter os melhores resultados em um século, graças à nossa campanha positiva que tem a saúde e os cuidados no seu cerne", afirmou no X o líder da sigla, Ed Davey. "Sinto-me honrado pelas milhões de pessoas que nos apoiaram tanto para expulsar os conservadores do poder como para concretizar a mudança de que o nosso país necessita."

Ao lado dos conservadores, o Partido Nacional Escocês foi o grande derrotado da noite, perdendo 38 cadeiras, e sendo relegado ao posto de quinta força no Parlamento, com 10 deputados. Em entrevista à Sky News, Ruth Davidson, ex-líder do partido, disse que o resultado foi "um massacre".

— As placas tectônicas políticas estão se movendo. Em algumas horas saberemos quanto — disse à BBC Carla Denyer, vice-líder dos Verdes, que devem ficar com dois assentos.

Nigel Farage, arquiteto do Brexit — Foto: AFP
Nigel Farage, arquiteto do Brexit — Foto: AFP

A vitória dos trabalhistas era considerada garantida por analistas políticos e até pelos conservadores. Na véspera da votação, a revista Economist afirmava que as chances da oposição conquistar a maioria absoluta eram de quase 100 % — Sunak, que chegou a criticar publicamente alguns de seus ministros considerados pessimistas, fez um apelo no meio da tarde: “Evite a supermaioria trabalhista. Vote nos Conservadores”, escreveu no X, o antigo Twitter, em uma tentativa de contenção de danos.

Sunak foi a face mais recente de uma conturbada trajetória dos conservadores à frente do governo britânico nos últimos 14 anos. A decisão de convocar o referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia, o Brexit, e a escolha das urnas pela saída do bloco em 2016, fez do premier David Cameron uma espécie de persona non grata no meio político, especialmente depois dos muitos problemas durante o processo de saída e dos que surgiram posteriormente. A “redenção” de Cameron veio em novembro do ano passado, com sua indicação para ser o novo ministro das Relações Exteriores, em um momento turbulento na diplomacia global.

Após o Brexit, os conservadores venceram outras duas eleições gerais, sendo que em 2019 impuseram a maior derrota aos trabalhistas, liderados por Jeremy Corbyn, desde 1935, levando o peculiar Boris Johnson à residência de Downing Street. Seria ele que conduziria o país em meio à maior crise sanitária em um século, a pandemia da Covid-19, e que protagonizaria escândalos de vários tipos, desde reformas indevidas até festas proibidas durante o período de isolamento social. Johnson deixou o poder em 2022, sendo sucedido por Liz Truss cujo mandato durou 44 dias e foi marcado pela morte da Rainha Elizabeth II — e finalmente por Sunak.

Em meio às crises internas dos conservadores e à deterioração das condições econômicas do Reino Unido, com uma inflação que chegou a dois dígitos, Keir Starmer conseguiu remodelar o discurso do partido, abandonando a linha mais à esquerda de Corbyn e conduzindo a sigla para o centro. Ele se aproveitou da insatisfação dos eleitores com o que viam como promessas descumpridas dos conservadores, se apresentando como o nome certo para unir e “reconstruir” o país.

— [A projeção] mostra que foram 14 anos em que os conservadores tiveram caos e declínio, as pessoas estão realmente os punindo por esse histórico de fracassos — afirmou à ITV a vice-líder dos trabalhistas, Angela Rayner. — E como Keir Starmer diz, se os trabalhistas chegarem ao poder hoje, nós colocaremos o país em primeiro lugar, e o partido em segundo lugar.

Keir Starmer e Rishi Sunak, durante o último debate televisivo pré-eleição, realizado pela BBC — Foto: Phil Noble/AFP
Keir Starmer e Rishi Sunak, durante o último debate televisivo pré-eleição, realizado pela BBC — Foto: Phil Noble/AFP

Em maio, durante um discurso de campanha em Essex, ele afirmou que, caso fosse eleito, seu governo trabalharia para fazer com que a economia avance, evitando aumentos de impostos (principal crítica dos conservadores aos trabalhistas), e mantendo a inflação e os juros em níveis baixos.

Ele disse que trabalhará para melhorar o sistema público de saúde, o NHS, alvo de críticas nos últimos anos, elevar os gastos com políticas ambientais e agir de maneira firme sobre a imigração, um tema central da campanha: ao mesmo tempo em que se distanciou de planos como o envio de imigrantes que pediram asilo para Ruanda, ele prometeu agir para conter as gangues de “coiotes”, que ajudam pessoas vindas de vários cantos do mundo a entrarem de forma irregular no país. Tudo, garantiu, de acordo com as leis e tratados internacionais sobre o tema.

Na política externa, Starmer recebeu críticas de setores mais à esquerda ao reiterar o apoio a Israel na guerra contra o grupo terrorista Hamas, na Faixa de Gaza, e rejeitar as acusações de que os israelenses estariam cometendo um genocídio no enclave palestino. A promessa de elevação de gastos militares lhe rendeu a alcunha de “Líder do Partido da Otan” por parte de progressistas — Starmer defende o envio de ajuda militar à Ucrânia, e parece ter no presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, um aliado: em junho, nas comemorações do “Dia D”, Zelensky divulgou um vídeo no qual aparece ao lado do líder trabalhista, mas parece “esquecer” de mostrar Rishi Sunak, que também estava no evento.

A votação desta quinta-feira comprovou ainda o fortalecimento da extrema direita, representada pelo Reform UK, com um discurso centrado na imigração e na deterioração das condições de vida em algumas partes do país. Seu líder, Nigel Farage, um polêmico ex-eurodeputado, tentou espelhar o sucesso de Marine Le Pen, do Reagrupamento Nacional, na França, mas não conseguiu amenizar o seu discurso e os de muitos de seus aliados.

Vários candidatos foram expulsos após falas racistas, outros preferiram concorrer pelos conservadores para não serem marcados como “extremistas”, e o próprio Farage pode ter feito a sigla perder votos quando disse que o Ocidente era o responsável pela guerra na Ucrânia. Embora tenha sido uma grande vitória da sigla ter conquistado 13 cadeiras, ela ficou longe de se tornar a terceira força no Parlamento, como chegaram a sugerir alguns analistas.

— Esse é o nosso passo mais significativo rumo a um objetivo de longo prazo, focado em 2029 [ano das próximas eleições gerais], e também na criação de um movimento pelo senso comum neste país — disse Farage, em entrevista à Reuters na quarta-feira.

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