O governo de Ruanda comunicou nesta terça-feira que o polêmico acordo com o Reino Unido para receber imigrantes que chegaram ilegalmente às ilhas britânicas não estipula devolução de recursos em caso de desistência. O plano foi arquitetado junto ao país africano durante o governo do Partido Conservador, derrotado nas eleições da semana passada, e será cancelado sob o novo governo, do Partido Trabalhista.
— O acordo que assinamos não estipula que temos que devolver o dinheiro. Para ser claro, devolver o dinheiro nunca fez parte do acordo — disse o porta-voz do governo de Ruanda, Alain Mukuralinda.
O recém-eleito primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, confirmou no sábado sua intenção de abandonar o plano do governo anterior de expulsar migrantes em situação irregular para Ruanda, pelo qual Londres já pagou 240 milhões de libras (R$ 1,7 bilhão), desde que o então primeiro-ministro Boris Johnson anunciou o plano em abril de 2022.
— [O projeto] estava morto e enterrado antes mesmo de começar. Não foi dissuasório. Não estou disposto a continuar com medidas enganosas — disse Starmer após a primeira reunião de ministros do novo governo.
A proposta trabalhista para conter a imigração ilegal, uma questão política central no Reino Unido no pós-Brexit, agora foca em combater as máfias que sustentam o tráfico. Na sexta-feira, a nova ministra do Interior, Yvette Cooper, disse que um dos primeiros deveres do governo seria “manter nossas fronteiras seguras” e afirmou que iria priorizar a criação de um novo comando de segurança de fronteira de elite, com participação do MI5.
Porta-vozes de Downing Street ouvidos pela rede britânica BBC na segunda-feira afirmaram que o novo governo pretende analisar "cuidadosamente" quanto do dinheiro pode ser recuperado com o fim do programa de deportação, indicando que qualquer economia seria redirecionada ao novo plano de controle de fronteira.
Desde que foi anunciado, o projeto de deportações para Ruanda enfrentou vários desafios legais. A Suprema Corte do Reino Unido determinou em novembro que a execução do plano era ilegal, em virtude do direito internacional. A eventual desistência britânica, contudo, é vista pelas autoridades africanas como um problema do Reino Unido, não devendo onerar seu lado, que manteve os termos do acordo.
![Policiais caminham perto de onde um Boeing 767 na pista da base militar de Amesbury, Salisbury, onde se preparava para enviar refugiados do Reino Unido para Ruanda — Foto: Justin Tallis / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/Jm2lNxiKElOiifb8jjRyoh2FAXw=/0x0:4176x2784/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/9/j/2cjgDiS8uBtEFd3pJeAQ/99558029-two-police-officers-walk-in-grounds-near-to-where-a-boeing-767-sits-on-the-runway-at-th.jpg)
Mukuralinda, o porta-voz de Kigali, afirmou que foram autoridades britânicas que procuraram Ruanda para solicitar a parceria, e que ela foi "amplamente discutida" antes de ser efetivada.
— O acordo foi aos tribunais, e inclusive foi modificado após os resultados dos tribunais — disse o porta-voz. — Foi ao Parlamento e finalmente se tornou um tratado entre dois países. Um tratado prevê uma cláusula de saída.
Ruanda, um pequeno país da África Oriental com 13 milhões de habitantes, é um dos países mais estáveis do continente e tem sido elogiado por sua infraestrutura moderna. Mas grupos de direitos humanos acusam o presidente Paul Kagame de reprimir a dissidência e a liberdade de expressão.
Kagama chegou a afirmar, anteriormente neste ano, que o país poderia devolver parte do valor pago pelo Reino Unido, caso os imigrantes não fossem de fato enviados para o país. Contudo, o próprio governo afirmou posteriormente que presidente quis dizer que qualquer pedido de devolução seria analisado pelas autoridades do país, mas que não haveria nenhuma obrigação de fazê-lo.
Novo governo assume
Em Londres, Starmer fez seu primeiro discurso na Câmara dos Comuns como premier nesta terça-feira, antes de viajar para Washington, para a reunião de cúpula da Otan. O trabalhista destacou a diversidade étnica e de gênero do Parlamento após as eleições e voltou a prometer fazer da política algo positivo — um ponto que já havia mencionado em seu discurso de posse.
— É o Parlamento com maior diversidade racial e de gênero que este país já viu — disse Starmer.
![Starmer, em seu primeiro discurso no Parlamento após ser escolhido primeiro-ministro — Foto: UK PARLIAMENT / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/VGnS8lGP0A2NvmC_xly7A0T6z1w=/0x0:7518x5013/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/4/u/kpJz9DQzmY1lSuSvmlgg/107628917-a-handout-photograph-released-by-the-uk-parliament-shows-britains-prime-minister-keir-sta.jpg)
Segundo a Biblioteca da Câmara dos Comuns, 263 mulheres, 41%, fazem parte do novo Parlamento, de um total de 650 membros. Nas eleições de 2019, o número de mulheres eleitas foi de 220. Além disso, 90 deputados do novo Parlamento pertencem a minorias étnicas, em comparação aos 66 eleitos em 2019.
O ex-premier conservador Rishi Sunak fez o seu primeiro discurso como líder da oposição, começando por felicitar Starmer, afirmando que continuar como deputado "é a maior honra, privilégio e responsabilidade".
Antes de prestarem juramento, os deputados elegeram a trabalhista Lindsay Hoyle como presidente da Câmara Baixa. A nova sessão parlamentar começará oficialmente com o discurso do rei Charles III na quarta-feira, 17 de julho, no qual o governo Starmer definirá suas prioridades para o mandato de cinco anos. (Com AFP)
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