Há quase dois anos e seis meses travando uma guerra de desgaste, Rússia e Ucrânia fazem esforços para manter o ímpeto no campo-de-batalha e repor as baixas no front. Moscou anunciou um bônus em dinheiro de R$ 123,5 mil para novos recrutas, um valor recorde, enquanto Kiev tenta reunir voluntários após reduzir a idade de alistamento. O esforço para aumentar o recrutamento ocorre no mesmo momento em que os russos tentam diminuir as baixas no front, penalizando o uso de aparelhos como celulares, que podem denunciar a presença dos soldados aos inimigos.
O plano russo foi anunciado pelo prefeito de Moscou, Sergey Sobyanin, e é restrito a moradores da capital que aceitem servir no front da Ucrânia. Além do bônus pela assinatura do contrato no valor de 1,9 milhão de rublos (R$ 123,5 mil), o recruta tem previsão de receber cerca de 5,2 milhões de rublos (R$ 338 mil) no primeiro ano de atividade. Também são previstas cláusulas adicionais para o caso de ferimento em combate — com valores de 32 mil a 64,2 mil reais, a depender da gravidade — e compensação às famílias de soldados mortos de até R$ 192,4 mil.
A estratégia para atrair soldados vem em um momento em que a Rússia anuncia pequenos ganhos territoriais no leste ucraniano, mas a um alto custo de vidas humanas. Estimativas internacionais apontam grandes baixas nas tropas do presidente Vladimir Putin, como uma do Ministério da Defesa do Reino Unido, que aponta 70 mil soldados russos mortos ou feridos entre maio e junho, sobretudo na região de Kharkiv.
Pelo lado ucraniano, o conflito prolongado e as baixas acumuladas também cobram um preço na estratégia militar. Após o presidente Volodymyr Zelensky assinar uma lei, em maio, para diminuir a idade de alistamento obrigatório, os primeiros recrutas dessa nova leva começam a se agrupar aos batalhões — com a diferença, em comparação aos homens recrutados em fevereiro de 2022, de que boa parte dos atuais alistados foram obrigados a se apresentar.
Na linha de frente da guerra na Ucrânia
Soldados veteranos, feridos em combate ou traumatizados a ponto de serem retirado da linha de contato, estão treinando parte dessas novas tropas. Em Donbas, um recruta que se identificou à agência AFP como "o Químico" disse que foi recrutado à força pelos militares durante uma verificação aleatória de identidade.
— Fui trabalhar como qualquer outra manhã, mas naquela mesma noite estava a caminho do quartel — disse o recruta, que se juntou ao 49º Batalhão de Assalto dos Cárpatos Sich no início deste mês.
Smartphones na mira
Em Moscou, as ações para aumentar o recrutamento também são acompanhadas de uma tentativa de diminuir as baixas no front. Para isso, um adversário específico entrou na mira das autoridades: os smartphones.
A Duma, câmara baixa do parlamento russo (equivalente à Câmara dos Deputados), avalia uma proposta para punir soldados russos pegos no front utilizando celulares e outros tipos de aparelho que podem revelar a posição das tropas por meio de conexão com a internet — algo que é motivo de preocupação de Moscou e Kiev há meses.
O projeto, apoiado pelo Comitê de Defesa da Duma, pretende proibir o transporte de celulares com conexão à internet, tornando o ato uma "ofensa disciplinar grave", com pena de até 10 dias de prisão, chegando a 15 dias em caso de reincidência. Também ficaria proibido o uso de outros dispositivos eletrônicos particulares, que permitam gravação de áudio e vídeo e transmissão de dados de GPS.
O uso de dispositivos móveis foi apontado por Moscou e Kiev como uma preocupação importante. governo russo apontou como causa de ataques danosos lançados pela Ucrânia, como um bombardeio em Donetsk, em 1º de janeiro do ano passado, que resultou em dezenas de militares mortos no front. À época, o Ministério da Defesa russo culpou o uso de linhas abertas de celular pelos soldados russos — uma vulnerabilidade capaz de revelar posições das forças invasoras.
Relatos da imprensa internacional apontam há meses o uso de tecnologia da informação por parte dos militares ucranianos para contrapor a ofensiva russa. Militares ouvidos pela revista The Economist revelaram que a Ucrânia já usa diversas ferramentas diferentes de IA para reunir, filtrar e condensar dados sobre o inimigo, incluindo o consumo de álcool dos russos, movimentos populacionais, pesquisas online e o comportamento dos consumidores.
O uso da IA também seria feito por parte de agentes de contraespionagem da Ucrânia, para identificar pessoas "propensas à traição". (Com NYT e AFP)
Inscreva-se na Newsletter: Guga Chacra, de Beirute a NY