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GERADO EM: 28/07/2024 - 04:30

Expansão da colonização na Cisjordânia gera alerta e pressão internacional

Israel acelera colonização da Cisjordânia durante conflito em Gaza. Ações de colonos e declaração de 'terras públicas' marcam maior expansão desde 1993. Ministro Smotrich lidera projeto de anexação e ganha apoio de Netanyahu. ONGs alertam para irreversibilidade do processo e aumento da violência. Pressão internacional cresce com sanções de EUA e Canadá. Prospectiva sombria aponta para impossibilidade de solução sem intervenção externa.

“Viemos colonizar a terra, construí-la e impedir sua divisão e o estabelecimento de um Estado palestino, Deus nos livre.”

A frase do ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, ecoou entre os participantes do encontro do Partido Sionista Religioso no posto avançado judaico de Fazenda Shaharit, na Cisjordânia, como uma profecia bíblica sendo cumprida diante de seus olhos.

No domingo 9 de junho, cerca de cem membros da legenda de extrema direita — integrante do governo do premier Benjamin Netanyahu — se reuniram na localidade para ouvir seu líder confirmar que o “Plano Decisivo”, um projeto articulado por ele quando ainda era apenas deputado, em 2017, para a anexação da Cisjordânia e o impedimento da criação de um Estado palestino, estava em pleno andamento. E não era bravata.

Segundo ONGs israelenses que acompanham de perto a colonização dos territórios ocupados, como Paz Agora, B’Tselem e Kerem Navot, o processo acelerou nos últimos nove meses — sob cobertura da guerra em Gaza, que desviou atenções para o enclave palestino — e já tornou 2024 o ano de maior expansão da tomada de terras na Cisjordânia por Israel nas últimas décadas. Tais ações estão no foco da decisão de 19 de julho da Corte Internacional de Justiça, órgão da ONU sediado em Haia, condenando a ocupação israelense e suas consequências nos territórios palestinos conquistados por Israel na Guerra dos Seis Dias em 1967.

O avanço da colonização israelense na Cisjordânia — Foto: Editoria de Arte
O avanço da colonização israelense na Cisjordânia — Foto: Editoria de Arte

Desde fevereiro, o governo israelense já declarou 10 quilômetros quadrados da Cisjordânia como “terras públicas”, ou seja, sob controle do Estado de Israel, no que, segundo a ONG Paz Agora, foi a maior apropriação de terras de uma só vez desde os Acordos de Oslo de 1993. Além disso, cinco postos avançados foram legalizados no fim de junho sob a iniciativa de Smotrich — esses assentamentos são ilegais até mesmo pelas leis israelenses, que os distinguem das demais colônias, consideradas legais pelo país, embora também sejam ilegais pela legislação internacional.

Foi de Smotrich também a ordem, em abril, para que os ministérios começassem a conectar infraestrutura, construir edifícios públicos e fornecer serviços públicos a cerca de 60 postos avançados. A iniciativa abre caminho para futuras legalizações.

Mapa de colônias israelenses na Cisjordânia — Foto: Editoria de Arte
Mapa de colônias israelenses na Cisjordânia — Foto: Editoria de Arte

Embora tenha ganhado velocidade com a guerra em Gaza, a expansão da colonização israelense nos territórios ocupados não é nova. Desde 1967, sob governos de vários matizes ideológicos — da esquerda à extrema direita —, cerca de 500 mil judeus foram transferidos para a Cisjordânia e 200 mil para Jerusalém Oriental.

Números da colonização israelense na Cisjordânia — Foto: Editoria de Arte
Números da colonização israelense na Cisjordânia — Foto: Editoria de Arte

Mas a entrada de Smotrich na coalizão formada no fim de 2022, junto com Itamar Ben-Gvir, outro expoente da extrema direita, do partido Poder Judaico, deu a Netanyahu 13 cadeiras para chegar à maioria (64 de 120 deputados) no Parlamento e voltar ao posto de premier, após um ano e meio na oposição. Com isso, o movimento dos colonos chegou ao centro do poder — tanto Smotrich como Ben-Gvir moram em assentamentos — e a ideia de anexação ganhou um nome forte à sua frente.

— A situação é séria há muitos anos, a expansão vem ocorrendo há décadas, só que houve uma escalada nos últimos nove meses na realidade política do país devido ao ataque do Hamas [a Israel] — disse ao GLOBO o pesquisador e ativista Dror Etkes, da ONG israelense Kerem Navot, que há três décadas monitora a expansão das colônias e a política de terras de Israel na Cisjordânia. — Já passamos do ponto de irreversibilidade [da colonização]. Não há vontade política em Israel para desmantelar essa operação. Pelo contrário, vemos cada vez mais.

No novo Gabinete, o mais à direita da História de Israel, Smotrich não perdeu tempo em começar a tirar do papel seu sonho hegemônico. Exposto na revista Hashiloach, em 2017, o projeto vislumbra um Estado judeu único do Rio Jordão até o Mar Mediterrâneo — ou seja, incluindo toda a Cisjordânia.

Seu “Plano Decisivo” tem como premissa básica a crença de que “só há espaço para uma expressão de autodeterminação nacional a oeste do Rio Jordão: a da nação judaica”, e apresenta como objetivo “aplicar de forma completa a soberania israelense ao coração das regiões de Judeia e Samaria [os nomes bíblicos da Cisjordânia], e terminar o conflito (...) estabelecendo novas cidades e assentamentos bem dentro do território e levando centenas de milhares de novos colonos para viver lá”.

Ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich participa de reunião no Parlamento, em Jerusalém — Foto: Gil Cohen-Magen/AFP
Ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich participa de reunião no Parlamento, em Jerusalém — Foto: Gil Cohen-Magen/AFP

No acordo de coalizão, Smotrich obteve dois ministérios cruciais para levar adiante a anexação da Cisjordânia: o das Finanças, que aloca recursos para a colonização, e a “pasta dentro do Ministério da Defesa”, uma criação especial para ele. Pela legislação internacional, que proíbe a conquista de territórios pela força, regiões que entrem nessa categoria são consideradas de ocupação temporária e devem ser administradas pelos militares, não por civis de forma permanente. Com a nova pasta dentro da estrutura do Ministério da Defesa, Smotrich manteve a fachada de controle militar para evitar críticas internacionais, mas ganhou o controle da administração civil da área C da Cisjordânia, os 60% do território palestino que, pelos Acordos de Oslo, ficam totalmente sob controle de Israel.

— Criamos um sistema civil separado. Será mais fácil de engolir no contexto legal e internacional. Assim, eles não vão dizer que estamos fazendo anexação aqui — explicou, sem rodeios, o próprio Smotrich à sua plateia de extrema direita no posto avançado de Fazenda Shaharit, segundo o jornal The New York Times.

O ministro extremista afirmou que as mudanças realizadas “são megadramáticas” e “mudam o DNA do sistema”, acrescentando que Netanyahu “está totalmente conosco”.

Os colonos radicais são parte crucial do projeto de anexação. Eles são a ponta de lança da criação dos postos avançados de fazenda, que fazem investidas sistemáticas sobre terras de pastoreio da Cisjordânia, usando como método a intimidação e a violência — o Escritório da ONU para Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha) já contabilizou 1.084 ataques de colonos a palestinos do início da guerra em outubro até o dia 8 de julho.

Neste ano apenas, 29 comunidades palestinas foram expulsas. Em toda a Cisjordânia, Etkes estima que 650km quadrados de terras de pastoreio já estejam fora de alcance para os palestinos — o equivalente a 11% do território, com um aumento de 400km quadrados em apenas dois anos.

‘Crise seguirá piorando’

A ação dos colonos levou os EUA, o Canadá e governos europeus a reagirem com sanções. Entre os alvos estão quatro postos avançados, o grupo Lehava, que representa mais de 10 mil colonos e foi descrito pelo Departamento de Estado dos EUA como “a maior organização extremista de Israel”, e líderes do movimento.

Juntas, a expansão da colonização pelos governos de Israel e a apropriação de terras pelos colonos extremistas tornam, na visão de muitos, cada vez mais distante a criação de um Estado palestino. Com isso, o ciclo de violência se retroalimenta. Segundo a ONU, desde o ataque do Hamas a Israel até o dia 8 deste mês, 553 palestinos foram mortos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, entre eles ao menos 11 por colonos. Do lado israelense, 14 pessoas foram mortas, sendo 9 militares e 5 colonos.

— Há elementos violentos em ambas as sociedades que são fortes e grandes o suficiente para impedir os moderados dos dois lados de chegarem a um acordo. Não vejo uma saída. Está claro para mim que os dois lados chegaram a um ponto em que não conseguem sair dessa situação sozinhos sem pressão ou intervenção internacional intensa — avalia Etkes. — Mas não é possível Israel continuar a fazer o que quiser na Cisjordânia e ao mesmo tempo resolver a crise. Ela só vai seguir piorando se Israel continuar a usar a Cisjordânia para realizar suas fantasias e desejos de colonização.

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