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Por e , Em The New York Times — Kiev

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GERADO EM: 29/07/2024 - 04:00

"Ucranianas estupradas por soldados russos: desafios e busca por apoio"

Ucranianas estupradas por soldados russos lutam contra estigma e falta de apoio. Milhares de vítimas sofrem sequelas financeiras e psicológicas. Governo enfrenta desafios para oferecer suporte adequado. Vítimas relatam humilhação ao buscar ajuda. Processo legal lento enquanto especialistas clamam por reparação imediata. Sobreviventes buscam cura através de relatos e terapia.

Depois que Daria fugiu de sua aldeia ocupada pelos russos para o oeste da Ucrânia, ela passou semanas vagando inquieta pelas ruas. Sempre que se cansava de andar, ela se sentava em bancos de parque e contava a qualquer um que quisesse ouvir — até mesmo a completos estranhos — o que os soldados russos fizeram com ela. Daria disse que soldados russos a estupraram duas vezes, em março de 2022, em Havronshchyna — uma pequena vila a cerca de 48 quilômetros de Kiev, capital da Ucrânia — onde uma série de supostos crimes de guerra, incluindo violência sexual, foram documentados por autoridades ucranianas e pela mídia internacional.

— Eu queria contar a todos, mas não havia ninguém com quem conversar — lembrou Daria, uma ilustradora de 32 anos. — Eu não podia confiar nos meus familiares e não conhecia ninguém na cidade. Eu tive que lidar com isso sozinha, de alguma forma.

Por dois anos após a agressão, Daria disse que lutou contra a vergonha. Ela não podia contar ao pai o que aconteceu e lutou para ser íntima do parceiro. Recentemente, ela disse que estava pronta para contar sua história, para apagar o estigma da agressão sexual e ajudar a si mesma e a outras vítimas a se curarem.

A ucraniana Daria foi estuprada duas vezes por soldados russos em seu apartamento em Kiev, em abril deste ano — Foto: Nicole Tung/The New York Times
A ucraniana Daria foi estuprada duas vezes por soldados russos em seu apartamento em Kiev, em abril deste ano — Foto: Nicole Tung/The New York Times

Milhares de casos de violência sexual

Sua situação ressoa com muitos outros ucranianos. Por trás dos campos de batalha da maior guerra da Europa em 80 anos, autoridades e grupos de ajuda dizem que há milhares de mulheres, homens e crianças que foram abusados ​​sexualmente por soldados russos e têm lutado para reconstruir suas vidas.

O governo da Ucrânia, apesar de enfrentar um dos momentos mais difíceis desde o início da invasão em larga escala em fevereiro de 2022, com progresso quase inexistente no campo de batalha, fez esforços significativos para documentar e processar casos de violência sexual.

Mas vítimas e defensores dizem que o governo não conseguiu implementar um sistema de apoio adequado para os sobreviventes, deixando-os praticamente sozinhos para lidar com os efeitos financeiros e psicológicos de seu trauma.

Algumas mulheres disseram que tiveram que pagar por exames médicos ou sessões de psicoterapia do próprio bolso. Muitas que estavam lidando com insônia e ataques de pânico não contavam com a ajuda do governo, mas com instituições de caridade, que organizam sessões de terapia em grupo e conectam mulheres com terapeutas voluntários.

Crime de guerra

A violência sexual é um crime de guerra sob a lei internacional, mas não sob a lei ucraniana. Por causa disso, muitas vítimas não receberam o mesmo status legal e apoio financeiro que as vítimas de outros crimes de guerra. O Parlamento está atualmente considerando uma lei que criaria uma definição legal de violência sexual, ao mesmo tempo em que estabeleceria medidas para fornecer terapia gratuita para vítimas e ajuda financeira rápida para aqueles em necessidade urgente.

Apesar das evidências reunidas pela ONU sugerirem que a violência sexual por forças russas na Ucrânia tem sido generalizada, ela continua sendo, em grande parte, oculta. De quase 137 mil relatos de crimes de guerra investigados pelo gabinete do promotor da Ucrânia, apenas 308 envolvem violência sexual.

Especialistas em violência sexual durante conflitos disseram que esse era um número significativo, considerando os desafios de operar durante uma guerra, e as autoridades atribuíram a baixa porcentagem à relutância da maioria das vítimas em denunciar tais crimes.

'O estupro é o crime mais subnotificado e ignorado'

Anna Sosonska, chefe da divisão de violência sexual relacionada a conflitos no gabinete do promotor público da Ucrânia, disse que a maioria das vítimas não quer reviver sua experiência traumatizante, ou arriscar a estigmatização que pode vir ao falar em público. Muitos sobreviventes vivem em territórios ocupados pelo exército russo, ela disse, complicando ainda mais as tentativas de processar.

— O estupro é o crime mais subnotificado e ignorado — disse Wiola Rębecka-Davie, uma terapeuta de Nova York especializada em violência sexual relacionada a conflitos. — Ainda mais em tempos de guerra, quando realizar estatísticas sobre violência sexual nunca é uma prioridade.

Embora as atrocidades desde a invasão tenham recebido escrutínio da mídia internacional, a agressão sexual por forças russas tem sido uma preocupação na Ucrânia desde que forças russas se infiltraram no leste da Ucrânia em 2014, dando início a oito anos de hostilidades latentes e à ocupação de partes do território ucraniano. Algumas vítimas estão se apresentando somente agora, depois de lidar com a vergonha e o medo da estigmatização.

Relatos de vítimas

O New York Times entrevistou quase duas dúzias de mulheres, especialistas em violência sexual, psicólogos e ativistas para este artigo. Sete sobreviventes de agressão sexual, com idades entre 32 e 62 anos, incluindo um engenheiro de segurança e um diretor de teatro, forneceram relatos de suas experiências. O primeiro caso envolveu uma anestesista de 56 anos, que disse que tropas russas abusaram sexualmente dela em outubro de 2017, em Donetsk. O mais recente envolveu uma funcionária pública de 48 anos, que disse ter sido agredida em agosto de 2022, em Kherson.

As mulheres concordaram em falar usando apenas seus primeiros nomes para manter a privacidade envolvendo um tópico sensível; várias concordaram em aparecer em fotografias. Seus relatos foram amplamente corroborados pelo gabinete do procurador-geral e pela Sema, a rede global para sobreviventes de violência sexual relacionada a conflitos.

Os crimes que estão sendo investigados pelo Ministério Público da Ucrânia incluem estupro, tentativa de estupro, mutilação de genitais e nudez forçada, entre outros. Algumas pessoas foram forçadas a assistir ao abuso sexual de entes queridos. Os casos envolvem pessoas de 4 a 82 anos de uma grande faixa do território da Ucrânia, incluindo as regiões de Kiev, Kherson, Donetsk e Zaporizhzhia.

Quando solicitada a comentar, a assessoria de imprensa do Kremlin disse: “Na maioria das vezes, as alegações dos representantes ucranianos são infundadas”.

Halyna, de 61 anos, uma aposentada de Dmytrivka, disse que foi atacada por um soldado russo de 20 e poucos anos. Por mais de um ano, ela disse, ela não conseguia dormir. Sempre que fechava os olhos, ela via soldados russos escalando sua cerca. Apesar disso, ela ainda mora na casa onde o ataque aconteceu.

Cinco soldados russos foram condenados

Especialistas dizem que a Ucrânia tem um histórico impressionante quando se trata de avançar investigações para procedimentos criminais reais, apesar da dificuldade de processar soldados de um exército adversário. Até este mês, investigadores ucranianos enviaram 30 indiciamentos de soldados russos ao tribunal; cinco foram condenados à revelia.

Mas especialistas também disseram que, ao se concentrar principalmente no processo legal, o estado negligenciou as necessidades materiais e psicológicas dos sobreviventes.

— As vias legais levam muito tempo e são caras — disse Emily Prey, do New Lines Institute for Strategy and Policy, uma instituição de pesquisa sediada em Washington. — O que é necessário são reparações provisórias, acesso a assistência médica gratuita e acesso a moradia gratuita.

Mais humilhação

Kateryna Pavlichenko, vice-ministra do interior da Ucrânia, disse que documentar crimes sexuais se tornou uma prioridade para o governo. As autoridades treinaram unidades policiais especiais para trabalhar com sobreviventes, disse ela, e montaram nove centros de apoio em todo o país, oferecendo ajuda psicológica e médica.

Ela disse que, nos últimos anos, o governo desenvolveu novos métodos de investigação, priorizando a proteção de vítimas e testemunhas, incluindo sua segurança, privacidade e dignidade. Algumas mulheres que reuniram coragem para falar com as autoridades, no entanto, disseram que em vez de obter ajuda, encontraram mais humilhação.

Halyna disse que assim que os primeiros soldados ucranianos chegaram à sua aldeia, ela começou a pedir que a levassem para um hospital. Ela estava sofrendo de febre alta que acreditava ter sido causada por ferimentos infeccionados do estupro. Mas foi só quase um mês depois que ela foi levada para Kiev para ver um médico e dois investigadores do gabinete do promotor.

— “Tire suas roupas e deite-se na cadeira” — um dos investigadores a instruiu, disse Halyna, relatando o episódio. — “O médico não vai olhar para você, eu vou.”

Ela disse que teve que implorar ao ginecologista para ser examinada e testada adequadamente para HIV e doenças venéreas, e ela pagou por isso do seu próprio bolso. Não havia testemunhas na sala, mas vários meses depois ela relatou o episódio à Sema.

Deixar de sobreviver e passar a viver

Ilustrações feitas por Daria, uma ilustradora que foi estuprada duas vezes por soldados russos, em Kiev, Ucrânia — Foto: Nicole Tung/The New York Times
Ilustrações feitas por Daria, uma ilustradora que foi estuprada duas vezes por soldados russos, em Kiev, Ucrânia — Foto: Nicole Tung/The New York Times

Daria, a ilustradora, disse que depois que chegou a uma relativa segurança, ela foi a algumas sessões de psicoterapia, que ela mesma pagou, mas que não ajudaram. Então ela apenas continuou andando. Depois de cerca de seis meses, algo mudou. Ela estava determinada a deixar de sobreviver e passar a viver. Ela adquiriu novos hobbies e finalmente confiou na mãe e no namorado — e na primavera passada, ela contou ao pai o que aconteceu com ela.

Um dia, durante uma viagem de trem, Daria sentiu uma necessidade repentina de desenhar. De volta a casa, ela esboçou dois pares de olhos — os dela e os do pai — espreitando por brechas na parede do sótão, e observando soldados russos entrando em Havronshchyna em março de 2022. Nos meses seguintes, ela desenhou cenas da ocupação e do ataque a ela. Representar seu trauma no papel a capacitou a finalmente relatar seu caso às autoridades. Ela também decidiu enfrentar sua vergonha de frente e exibiu alguns dos esboços profundamente pessoais em uma exposição em Kiev na primavera passada.

— Esta é minha reflexão pessoal e autoterapia — ela disse, esperando que isso aliviasse o estigma e ajudasse outros a lidar com seus traumas. — É importante testemunhar sobre crimes, ou então outras pessoas falarão por nós.

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