“Acertaremos as contas com qualquer um que nos prejudique, qualquer um que massacre nossas crianças, qualquer um que assassine nossos cidadãos, qualquer um que machuque nossa nação, haverá sangue em sua cabeça”, afirmou, em pronunciamento na quarta-feira, o premier de Israel, Benjamin Netanyahu, horas depois de um de seus maiores inimigos, o chefe da ala política do Hamas, Ismail Haniyeh, ser assassinado em Teerã, capital do Irã.
Ao contrário de outros alvos recentes, como o comandante da ala militar do grupo palestino, Mohammad Deif, ou do comandante militar do Hezbollah, Fu’ad Shukr (morto na terça-feira), o premier israelense não citou Haniyeh. Mas as marcas do ataque, realizado com um míssil, não deixam muitas dúvidas sobre a autoria, e o momento e local escolhidos são vistos com preocupação sobre o futuro.
À primeira vista, como sugeriu Netanyahu, o assassinato de Ismail Haniyeh pode estar ligado a uma resposta de Israel ao ataque, atribuído ao Hezbollah, que matou 12 crianças drusas nas Colinas do Golã, no sábado. Na terça, mesmo dia do bombardeio que matou Fu’ad Shukr em Beirute, o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, disse que o Hezbollah havia “cruzado uma linha vermelha”.
Mas analistas apontam que a morte de Haniyeh — que já sobreviveu a outras tentativas de assassinato no passado — teria razões estratégicas.
“O momento do assassinato de Haniyeh é crucial. Ele já tinha viajado para Teerã desde 7 de outubro [de 2023, dia dos atentados do Hamas contra Israel], mas desta vez foi atacado poucas horas depois da posse do novo presidente do Irã [Massoud Pezeshkian]”, afirmou, no X, Hamidreza Azizi, pesquisador visitante no centro de estudos SWP, de Berlim. “O objetivo de Israel pode ter sido provocar uma reação do Irã”.
Desde o início da guerra em Gaza, Israel tem atingido alvos ligados ao Irã ao redor do Oriente Médio. No ataque mais ousado, em abril, sete integrantes da Guarda Revolucionária morreram, incluindo dois generais da Força Quds, responsável por ações no exterior, Mohammad Reza Zahedi e Mohammad Hadi Haji Rahimi, quando um míssil atingiu o consulado do país em Damasco.
A reação veio na forma de centenas de mísseis, foguetes e drones lançados contra Israel, de forma razoavelmente coordenada. Naquele momento, se conseguiu evitar algo que analistas veem como um desejo implícito de Benjamin Netanyahu: puxar o Irã, chamado por ele de “ameaça existencial”, para a guerra. Ao atacar um alvo de alta importância, dentro da capital iraniana, no dia da posse presidencial, o premier parece ter dobrado a aposta.
“O assassinato é deliberadamente provocativo, aparentemente projetado para provocar retaliação e levar à escalada”, afirmou, no X, Sina Toossi, pesquisador no Centro de Políticas Internacionais. “Ele reforça a noção de que Netanyahu não busca um cessar-fogo [em Gaza], mas sim visa estender e expandir o conflito, atrair os EUA, fugir de processos caso deixe o cargo e esperar por um possível retorno de Trump à Presidência.”
Haniyeh, que corria risco de ter sua prisão decretada pelo Tribunal Penal Internacional (assim como Netanyahu), era um alvo de primeira hora para Israel. Mas ele vivia no Catar, um reino que abriga a maior base militar dos EUA no Oriente Médio, e onde um assassinato do tipo poderia causar problemas com Washington e outras monarquias árabes da região.
Infiltração no Irã
Ataques israelenses dentro do Irã não são raros. A sequência de assassinatos de cientistas, em especial Mohsen Fakhrizadeh, principal nome do programa nuclear, em 2020, o roubo de segredos atômicos, e o sequestro de integrantes das forças de segurança já demonstraram a capilaridade da rede de inteligência de Israel no país.
Mas a morte de Haniyeh manda uma mensagem bem mais sombria ao novo presidente, o reformista Massoud Pezeshkian, ao aiatolá Ali Khamenei e à população: ao contrário do que propagandeia o regime, o aparato de segurança, tão eficaz para reprimir levantes internos, parece incapaz de conter ações vindas do exterior. Até em seus locais supostamente mais protegidos.
“O ataque em Teerã, visando uma figura de alto perfil, significa uma falha completa de inteligência para o Irã”, afirmou Azizi no X. “Há rumores de que Haniyeh estava hospedado em um complexo pertencente à Força Quds, sugerindo que Israel tem inteligência e acesso abrangentes. Devido à posse e à presença de convidados estrangeiros, os protocolos de segurança em Teerã foram intensificados, amplificando a importância do incidente.”
Abdolrasool Divsallar, pesquisador do Instituto da ONU para Pesquisas de Desarmamento, também sugere uma infiltração de agentes de Israel na Guarda Revolucionária.
“A operação mais uma vez destacou a inferioridade da inteligência iraniana. A informação sobre o alvo era tão precisa que não resta dúvidas de que iranianos no local, com alto nível de acesso a informações, estavam envolvidos”, afirmou, em publicação no X. “A severidade do fracasso de inteligência é ainda pior, ainda mais que a responsabilidade pela proteção de Haniyeh era da Guarda Revolucionária, o que indica sérias infiltrações. E mais uma vez ficou evidente a vulnerabilidade das altas lideranças iranianas a operações israelenses”
Agora, fica a expectativa pela resposta do Irã: nas primeiras declarações após o ataque, Ali Khamenei prometeu uma “resposta dura”, mas sem dar detalhes.
“Tal como mencionado na mensagem de Khamenei, Teerã será forçado a responder. O ataque ocorreu em território iraniano, violou claramente a soberania iraniana e representou um importante custo simbólico. Existem todas as justificativas necessárias para uma resposta dura”, afirmou Divsallar no X.
Incidentes similares no passado, incluindo o assassinato do general Qassem Soleimani, em janeiro de 2020, mostraram que Teerã não parece estar disposto a assumir os custos de uma guerra potencialmente devastadora, e sabe que uma reação mais contundente é exatamente o que quer Netanyahu, que vê na expansão do conflito uma forma de salvação política. Ao mesmo tempo, deixar o incidente sem resposta pode minar a própria imagem do regime junto aos seus aliados.
“O Irã e seus aliados do ‘Eixo de Resistência’ provavelmente planejarão uma resposta coletiva e direcionada, dentro de Israel e contra interesses ligados a Israel no exterior, visando evitar uma guerra total. No entanto, qualquer erro de cálculo pode levar a uma escalada perigosa e irreversível”, concluiu Toossi.
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