Dois meses depois de adiar sua viagem ao Chile, por causa das enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva embarca para Santiago neste domingo, para uma visita de dois dias ao país. Mais do que os interesses bilaterais, que são variados, o Palácio de La Moneda será palco de um encontro histórico entre duas gerações da esquerda latino-americana: Lula, 78 anos, representando a velha guarda, e o chileno Gabriel Boric, 38 anos, símbolo de uma nova esquerda regional, que faz críticas constantes aos regimes da Nicarágua, Cuba e Venezuela e não hesita em defender abertamente bandeiras como a legalização do aborto.
O resultado contestado da eleição na Venezuela, com a vitória proclamada de Nicolás Maduro, será o tema central da conversa, acreditam integrantes do governo Lula. Diante dos protestos da oposição venezuelana, que tinha como candidato o diplomata Edmundo González, Boric não descartou a possibilidade de fraude no pleito. A consequência foi a expulsão de diplomatas chilenos por Maduro.
Lula e Boric ficarão frente a frente em um momento de racha entre os presidentes de esquerda da América Latina. Chile, Brasil, Colômbia e México só vão se posicionar depois de detalhado o resultado das urnas, enquanto Bolívia, Nicarágua e Honduras já parabenizaram Maduro.
— Maduro passou a ser um problema e está colocando contra a parede a esquerda progressista — afirma o analista político Guillermo Holzmann, acadêmico da Universidade Valparaíso do Chile.
Oliver Stuenkel, analista político e professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas/SP, afirma que Lula e Boric têm uma relação “um tanto tensa”, porque representam esquerdas diferentes. A esquerda chilena passou por uma profunda transformação, em decorrência das manifestações que ocorreram no em Chile em 2019, que permitiram que uma nova geração de lideranças pudessem assumir o poder.
— Boric é o símbolo disso, mas junto com ele numerosas lideranças políticas de sua geração estão em posições de destaque —diz Stuenkel.
Já Patricio Navia , professor de ciência política na Universidade Diego Portales do Chile, afirma que Lula é mais pragmático sobre a economia, enquanto Boric é mais estatista.
—Enquanto Boric é mais moderno em relação às eleições e à democracia, Lula é mais moderno em relação às políticas econômicas. Ambos são de esquerda, mas com ênfases diferentes — completa Navia.
Alessandra Maia, professora de Ciências Sociais da PUC/Rio, destaca o cuidado de Lula em não criticar regimes autoritários na região, ao contrário de Boric. Segundo ela, nos anos 1960, falar sobre a política de países vizinhos podia significar apoio a justificativas de intervenções de nações estrangeiras em contextos nacionais, o que, na verdade, por vezes suspendeu governos eleitos democraticamente.
— Creio que as gerações mais jovens possuem tal registro em menor escala, o que não quer dizer que este ainda não seja um tema delicado do ponto de vista da geopolítica latino-americana.
Já o professor de relações internacionais da Universidade de Brasília, Roberto Goulart Menezes, avalia que a visita de Lula ao Chile deve abordar questões relacionadas à governança regional. O Brasil deve insistir na retomada da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e também tentará ajustar o discurso em relação à Venezuela.
—Esse é um tema sensível na relação entre os dois países.
Ele observa que Lula chegará ao Chile em um momento em que o governo Boric enfrenta queda na popularidade, sem conseguir avançar na pauta dos direitos sociais, em especial, na luta contra a desigualdade.
Agenda de Lula
Secretário-geral da Confederação Sindical das Américas, Rafael Freire afirma que a diferença etária, ou de gerações, não tem importância perto da necessidade de Lula e Boric buscarem uma agenda central para a região. Ele cita como ponto fundamental a defesa da democracia. Já o professor de relações internacionais da Universidade de Brasília, Roberto Goulart Menezes, avalia que a visita de Lula ao Chile deve abordar questões relacionadas à governança regional. O Brasil deve insistir na retomada da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e também tentará ajustar o discurso em relação à Venezuela.
—Esse é um tema sensível na relação entre os dois países.
Ele observa que Lula chegará ao Chile em um momento em que o governo Boric enfrenta queda na popularidade, sem conseguir avançar na pauta dos direitos sociais, em especial, na luta contra a desigualdade.
A chegada de Lula a Santiago está prevista para às 20h de domingo. Ele fará uma oferenda flores no monumento de Bernardo O'Higgins Riquelme, considerado o "libertador do Chile". Na segunda-feira, irá para o Palácio de La Moneda, às 10h, para um encontro bilateral com Boric, seguido de uma reunião ampliada e assinatura de atos.
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