“Em jogo não está apenas o futuro do meu próprio país. Em jogo está o futuro do mundo. Nada pode ameaçar mais nosso futuro comum do que o Irã conseguir armas nucleares. E para entender como seria o mundo com um Irã nuclearizado, só imaginem o Irã com uma al-Qaeda com armas nucleares”, afirmou o premier israelense, Benjamin Netanyahu, em discurso na Assembleia Geral da ONU, em 2012. Na mesma fala, Netanyahu apresentou um diagrama dos estágios de desenvolvimento do programa nuclear do Irã, que muitos compararam a uma bomba dos antigos desenhos animados do Papa-Léguas.
Doze anos depois da fala na ONU, Netanyahu está mais perto do que nunca de um conflito armado contra Teerã. Após bombardear o consulado iraniano em Damasco, em abril, e enfrentar uma resposta na forma de 300 mísseis e drones, o premier está novamente à espera de uma ação militar, agora em retaliação à morte do líder político do Hamas, Ismail Haniyeh. Um movimento que traz elevados riscos para todos no Oriente Médio, mas que integra um cálculo político pessoal do israelense.
Como escreveu o colunista Raviv Drucker, em um artigo no jornal Haaretz, em 2015, Netanyahu tem uma longa trajetória de animosidade contra o Irã. Em 1992, disse que o regime dos aiatolás estava a menos de três anos de obter uma bomba nuclear. A ameaça seria renovada muitas vezes, sempre ajustando o prazo para a militarização. Em 1993, disse em artigo no jornal Yediot Ahronot que até 1999 Teerã faria parte do “clube nuclear”.
Há que se considerar que o Irã não é o único tema de “previsões sombrias” do premier. Em 2002, em depoimento a uma comissão do Senado dos EUA, disse ser uma "boa escolha" invadir o Iraque, citando um suposto programa nuclear secreto de Saddam Hussein, corroborando alegações falsas sobre as armas de destruição em massa. Em 2004, quando o líder palestino Yasser Arafat estava no leito de morte, disse que o sucessor não seria um de seus aliados. E em 2011, previu que a economia global enfrentaria “20 anos de recessão”, e que “todos seriam impactados, sem exceção”.
Mas nada, nem mesmo o Hamas ou as intrigas da política israelense, provocam tantos comentários, previsões e ameaças como Teerã, apontada como uma "ameaça existencial" a Israel. Em 2009, ele usou a retórica com toques de antissemitismo do então presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, para declarar que o enfrentamento opunha “a civilização ao barbarismo”. Em 2010 e 2011, defendeu que Israel atacasse as instalações nucleares iranianas, mas foi impedido por outros membros do Gabinete, revelou o então ministro da Defesa, Ehud Barak, anos depois.
— Netanyahu era obcecado em tentar lutar contra o Irã dentro do Irã, e destruir aquilo que ele considerava ser instalações nucleares — disse o ex-premier Ehud Olmert, em entrevista ao Jerusalem Post em 2019.
Sem acordo
Durante o governo de Barack Obama (2009-2017), um presidente americano que notadamente não tinha apreço por Netanyahu, o premier tentou torpedear, a todo custo, o acordo internacional que impunha limites ao programa nuclear iraniano, em troca do alívio de sanções.
O plano foi adotado pela Casa Branca em 2015, com o apoio de Reino Unido, China, Rússia e França — ao lado dos EUA, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, além da Alemanha. Mas meses antes de sair do papel, Netanyahu foi ao Congresso americano dizer que aquele era um “acordo muito ruim”.
— Estamos melhor sem ele — afirmou, fazendo mais uma de suas previsões de que Teerã estava a apenas alguns passos de obter uma arma nuclear. Segundo a Associação para o Controle de Armas, Israel teria cerca de 90 ogivas operacionais, além de material para mais 200, mas o país jamais confirmou ou negou ter esse arsenal.
Obama foi substituído por Donald Trump, que atendeu aos pedidos de Netanyahu e, um ano depois de assumir o cargo, rasgou o acordo nuclear, adotando uma política de sanções intitulada “pressão máxima”, e que permanece em vigor até hoje, mesmo depois da chegada de Joe Biden em 2021. Ao invés de restringir as atividades atômicas, Teerã ampliou sua capacidade de enriquecimento, e reduziu o acesso dos inspetores internacionais.
Com os ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023, e o início da guerra em Gaza, Netanyahu pareceu ver uma nova oportunidade de confrontar seu velho inimigo. Posições de milícias aliadas do Irã no Iraque e Síria, além do Hezbollah, no Líbano, e dos houthis, no Iêmen, começaram a sofrer bombardeios recorrentes, e oficiais da Guarda Revolucionária apareceram entre as vítimas.
Mas no dia 1º de abril, o premier pareceu dobrar a aposta ao atacar o consulado iraniano em Damasco, matando oito oficiais da Guarda Revolucionária. A resposta de Teerã veio 12 dias depois com mais de 300 mísseis e drones, interceptados não apenas pelos sistemas de defesa de Israel, mas também por aliados ocidentais e regionais. A retórica de Netanyahu, ao invés de deter os iranianos, empoderou elementos mais radicais do regime, que não raro defendem a destruição de Israel.
Na semana passada, com o assassinato do lsmail Haniyeh em Teerã, os riscos de um confronto direto foram novamente elevados.
Os iranianos dizem que uma resposta militar é inevitável, mas agora buscam o apoio de outros países: nesta quarta-feira, a Organização de Países Islâmicos (OIC), se reúne na Arábia Saudita, a pedido de Teerã, para analisar a situação. Apesar das diferenças públicas, Biden se comprometeu com a defesa de Israel, e disse esperar que o Irã “recue”. Militares israelenses já fazem planos para diferentes cenários, incluindo um ataque preventivo a posições iranianas.
Pressão interna
Não deixa de ser paradoxal uma iminente guerra direta entre Israel e Irã, uma “obsessão” de Netanyahu, estar perto de ocorrer no ocaso da carreira política do mais longevo primeiro-ministro do país. Antes do conflito em Gaza, ele estava sob intensa pressão das ruas para que desistisse de uma reforma judicial que, para os críticos, ameaçava as bases democráticas israelenses.
A escolha do Gabinete mais conservador da história local levou ao governo elementos outrora rejeitados do meio político, como Itamar Ben-Gvir, que tem incitado colonos na Cisjordânia em ataques contra palestinos, ou Bezalel Smotrich, que defende a reocupação de Gaza e diz ser “justificado e moral” barrar a ajuda humanitária em Gaza.
O fracasso ao impedir os ataques de 7 de outubro foi associado diretamente a Netanyahu, que conduz uma guerra sem fim à vista no enclave, apesar das pressões para que firme um cessar-fogo com o Hamas e traga de volta os reféns ainda em cativeiro.
Em artigo no site The Conversation, Asher Kaufman, professor da Universidade Notre Dame, aponta que a radicalização de Netanyahu está ligada a um desejo de sobrevivência. Ele sabe que se novas eleições forem convocadas, sofrerá a maior derrota de sua carreira, e também corre o risco de ser preso em casos de corrupção em curso. No plano externo, é dada como certa uma ordem de prisão emitida pelo Tribunal Penal Internacional por causa da guerra em Gaza.
“Sua sobrevivência política depende do apoio de partidos de extrema direita que buscam a continuação e expansão da guerra e que têm clamado abertamente por uma postura mais agressiva em relação ao Hezbollah e ao Irã”, afirmou Kaufman. “Netanyahu pode estar contando com o fato de que até agora o Irã e o Hezbollah não demonstraram apetite por uma guerra total, apesar do fato de o Hezbollah ter dito que está preparado para isso. [...] Mas temo que eventos como os assassinatos nos últimos dias possam nos levar a uma espiral descendente que seria difícil de controlar.”
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