Os Ministérios da Saúde de Gaza e da Cisjordânia anunciaram na segunda-feira que os preparativos para vacinar mais de 640 mil crianças da Faixa de Gaza contra a poliomielite foram concluídos: mais de um milhão de doses foram enviadas e estão sendo armazenadas sob refrigeração em Khan Younis, no sul de Gaza, cerca de 2,7 mil profissionais foram treinados, e o cronograma — definido em conjunto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a Agência da ONU para Refugiados Palestinos no Oriente Médio (UNRWA) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) — está marcado para começar no próximo sábado. Contudo, as autoridades alertaram que, caso não haja um cessar-fogo, será difícil realizar a campanha.
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— É extremamente difícil realizar uma campanha de vacinação desta magnitude enquanto chovem bombas — disse à AFP Juliette Touma, porta-voz da UNRWA, na última quinta-feira.
Sem uma trégua, as pastas, citadas pelo jornal israelense Haaretz, temem que a equipe médica e as crianças possam correr riscos frente a bombardeios israelenses, combates urbanos, além das ordens para deslocamento, que levaram a própria ONU a anunciar a interrupção de suas operações de ajuda humanitária em Gaza. A medida tomada pela organização é uma tentativa de "equilibrar a necessidade da população com a necessidade de segurança dos (seus) funcionários", segundo um alto funcionário à Reuters, e não significou a retirada total de suas equipes.
Duas pausas de sete dias foram solicitadas pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, há duas semanas, após o vírus ter sido detectado nas águas residuais de Gaza e a Autoridade Nacional Palestina (ANP) confirmar o primeiro caso da doença em 25 anos. Isso porque, a vacinação contra a pólio ocorre em duas etapas e, para sua eficácia seja preservada, a equipe médica precisaria completar cada estágio em quatro a sete dias. Além disso, os deslocamentos constantes dificultam a distribuição de vacinas e a garantia de duas doses.
A expectativa é de que a primeira fase comece no sábado e a segunda, daqui a cerca de três semanas. Se atendida, a trégua seria a segunda pausa na guerra que se estende por dez meses (a primeira ocorreu em novembro, mediante um acordo entre as partes). No momento, porém, parece difícil de acontecer: os mediadores do conflito — EUA, Egito e Catar — continuam se reunindo para tentar alcançar um acordo, mas Israel e Hamas seguem em um cabo de guerra, dessa vez, sobre a permanência de tropas israelenses durante a trégua.
As condições do enclave
Para além do receio dos combates, há ainda os problemas de infraestrutura decorrentes do conflito. Serão pelo menos 400 postos destinados à vacinação, e a coordenadora do programa pelo Ministério da Saúde em Ramallah, a doutora Nancy Falah, afirmou à Rádio al-Shams em Nazaré, citada pelo jornal Haaretz, que a pasta forneceu refrigeradores e instalações de armazenamento para Gaza a serem instalados nesses pontos.
Equipamentos, incluindo refrigeradores, começaram a chegar ao aeroporto de Tel Aviv, no centro-oeste de Israel, na quarta-feira, e entraram através do posto fronteiriço de Kerem Shalom, ponto de passagem entre Israel e a Faixa de Gaza. Depois foram distribuídas em hospitais, abrigos para deslocados e centros de atendimento de ONGs em todos os cantos da faixa de 360 km² de terreno, "em caminhões frigoríficos ou caixas frigoríficas", informou o porta-voz da OMS, Jonathan Crickx, acrescentando que a cadeia de frio tem sido assegurada pela Unicef.
Apesar disso, um funcionário da pasta disse ao Haaretz que não há condições razoáveis no enclave para que a campanha ocorra, uma vez que quase toda sua infraestrutura médica foi destruída. Até o dia 20 de agosto, a OMS registrou 505 ataques á saúde do enclave, que resultara em 32 hospitais e 63 ambulâncias danificadas. Do total de 36 unidades de saúde, apenas 16 continuam em funcionando parcialmente, informou o porta-voz da Unicef.
Há ainda os temores quanto à garantia do fornecimento de energia, pensando na refrigeração das doses. Entre as 36 unidades de saúde do enclave, apenas 11 conseguem garantir a continuidade da cadeia de frio. Os outros não têm combustível nem geradores potentes o suficiente para compensar a total falta de eletricidade, uma vez que a única central elétrica de Gaza foi desligada e a conexão com Israel foi cortada.
Outro ponto é a entrada da vacina em Gaza, uma vez que os pontos de chegada são controlados pelo Exército de Israel. Os trabalhadores humanitários já queixaram-se diversas vezes de obstáculos administrativos, alterações na lista de produtos autorizados ou atrasos que criam escassez no pequeno território, já pobre e dependente da ajuda humanitária antes da guerra. Israel, por sua vez, afirma não impedir a entrada e acusa as ONGs e a ONU de não terem a capacidade necessária para realizar as suas distribuições.
Durante meses, a ONU e várias ONGs também manifestaram preocupação com a situação sanitária no território, onde água parada, montanhas de escombros e lixo, calor opressivo e falta de espaço criam um terreno fértil ideal para epidemias. No mês passado, foi anunciado que o poliovírus tipo 2 havia sido detectado em amostras coletadas em Gaza em 23 de junho.
O poliovírus, mais frequentemente disseminado por esgoto e água contaminada, é altamente infeccioso. Pode causar deformidades e paralisia, e é potencialmente fatal. Afeta principalmente crianças menores de cinco anos. A campanha de vacinação será destinada a crianças menores de 10 anos.
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