Um grupo de 100 mercenários de um grupo militar privado russo que atuavam com o governo de Burkina Faso, no Oeste africano, retornaram à Rússia para, oficialmente, atuar na operação contra as Forças Armadas da Ucrânia na região de Kursk, afirmou o jornal Le Monde. Os paramilitares estavam no país desde maio, mas a publicação sugere que o retorno estaria ligado mais a questões financeiras do que táticas. Sem comentar a questão dos mercenários, Moscou afirmou ter conquistado mais três vilarejos no leste ucraniano, em direção à cidade de Pokrovsk, que está perto de ser tomada pelos russos.
De acordo com o Le Monde, os mercenários fazem parte de uma brigada chamada “Bear”, que chegou a Burkina Faso em maio, para apoiar o governo de Ibrahim Traoré, que chegou ao poder após um golpe militar em 2022, o segundo naquele mesmo ano.
Além da “Bear”, outros militares e paramilitares russos estão no país desde o ano passado para ajudar na manutenção do novo regime e para treinar forças locais — em junho, depois que Traoré anunciou uma extensão de cinco anos no período de transição de governo, houve sérios incidentes de segurança ao redor do país, e os russos atuaram na contenção da insurgência.
Em comunicado no Telegram, uma conta associada à brigada “Bear” afirmou que “completou todas as tarefas atribuídas e retornou à sua terra natal com força total”.
“Não temos perdas, estamos em clima de luta! Com certeza voltaremos, irmãos, quando expulsarmos o inimigo de nossas terras, iremos até o final do Distrito Militar Norte (onde fica Kursk)”, escreveu a conta.
A brigada, ligada a uma empresa militar privada (PMC) chamada Redut, é composta por veteranos das Forças Especiais do Exército, e usa equipamentos das Forças Armadas russas, afirmou o site Tsargrad. O serviço russo da BBC afirma ainda que a Redut seria controlada extraoficialmente pela inteligência militar da Rússia (GRU), algo que o Kremlin nega.
A presença de militares e paramilitares em países da África é uma das facetas modernas da diplomacia russa para o continente. Se aproveitando da instabilidade causada por agentes internos e por insurgências islâmicas, como as ligadas à al-Qaeda e ao Estado Islâmico, Moscou oferece segurança e estabilidade em troca de acesso a bens naturais e apoio político em fóruns multilaterais, como nas Nações Unidas. O principal ator dessa estratégia é o Grupo Wagner, que após a morte de seu fundador, Yevgeny Prigojin, no ano passado, passou a atuar em maior cooperação com o comando militar em Moscou.
Apesar da justificativa para a retirada dos mercenários da brigada ‘Bear” ser plausível — desde o início da incursão ucraniana em Kursk, tropas de áreas onde há menos combates ativos estão sendo deslocadas para conter e expulsar os invasores —, o Le Monde sugere que a causa para o retorno estaria mais ligada ao bolso. Alguns dos integrantes não teriam recebido o salário combinado (que pode chegar a US$ 4 mil (R$ 22.580 mil) mensais para contratos de três meses) e optaram por desistir lutar. Mas o comandante da brigada rejeita a alegação.
— Isso é um absurdo completo — disse Viktor Yermolaev ao Le Monde. — Partimos porque o inimigo [o Exército Ucraniano] entrou na Rússia. Regressaremos a África assim que terminarmos o trabalho em casa.
Ao mesmo tempo em que os russos tentam expulsar os militares ucranianos de seu território, as forças na Ucrânia têm conseguido avanços importantes nos arredores de Pokrovsk, uma cidade considerada estratégica na região de Donetsk (leste).
“Como resultado das ações ativas de unidades do grupo de tropas ‘Central’, os assentamentos de Orlovka, Kamyshevka, Nikolaevka e Novojelnoye da República Popular de Donetsk foram libertados”, afirmou, em comunicado, o Ministério da Defesa russo.
Pokrovsk, um estratégico ponto de transporte na região de Donetsk, é o atual foco da ofensiva de Moscou na Ucrânia, e os avanços estão testando as linhas de defesa ucranianas, como reconhecem os próprios militares do país.
— A situação mais difícil continua na área de Pokrovsk. O inimigo está tentando romper as defesas de nossas tropas — disse o principal comandante militar da Ucrânia, Oleksandr Syrsky, na sexta-feira, em declarações à imprensa.
Em Kharkiv, houve ataques aéreos ao longo da noite, e um prédio de 12 andares foi atingido por um míssil, matando três pessoas, afirmam autoridades locais.
“Este ataque foi com um míssil guiado russo. Um ataque que não teria acontecido se as nossas forças de defesa tivessem a capacidade de destruir aeronaves militares russas onde estão baseadas”, escreveu o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, em suas redes sociais, em mais um apelo para que seus aliados ocidentais permitam ataques de longo alcance dentro de território russo usando as armas fornecidas à Ucrânia.
Também nesta sexta-feira, a Justiça da Rússia abriu um processo contra o ex-jogador do Lokomotiv Moscou, Alexander Aliyev, por incitação ao terrorismo, depois que o atleta publicou um vídeo em suas redes sociais pedindo às Forças Armadas ucranianas em Kursk que “matem civis” durante a incursão em solo russo. Nascido na Rússia, Aliyev, que encerrou a carreira em 2019, tem nacionalidade ucraniana, e chegou a atuar pela seleção. Caso seja preso e condenado, pode pegar uma pena de até sete anos de prisão.
— Quero pedir aos meninos que estão na linha de frente, que estão avançando na região de Kursk: pessoal, o mais importante é se cuidarem, seguirem em frente e matarem esses espíritos malignos, matarem civis do jeito que eles fazem para nossas mulheres, nossas crianças inocentes— afirmou Aliyev no vídeo.
Segundo o portal Meduza, os pais do ex-jogador vivem em Kursk, mas o filho não se comunica com eles desde o início da invasão russa, em 2022. No ano passado, em uma entrevista publicada por um site de notícias do Dinamo de Kiev, afirmou que seu pai sugeriu que mandasse os filhos para a Rússia por causa do conflito, e ele respondeu que as crianças “não colocarão os pés neste país bastardo”.
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