Dias antes de uma visita do presidente da Rússia, Vladimir Putin, à Mongólia, a Ucrânia e o Tribunal Penal Internacional (TPI) pediram que o país cumpra a ordem internacional emitida no ano passado contra o líder russo. A Mongólia é signatária do Estatuto de Roma, texto-base do TPI, e em tese é obrigada a deter Putin assim que ele pisar no país, mas o Kremlin não vê qualquer motivo para se preocupar.
Em comunicado, o Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia afirma que “espera que o Governo da Mongólia esteja ciente do fato de Vladimir Putin ser um criminoso de guerra”, e aguarda que as autoridades locais “executem o mandado de detenção internacional obrigatório e entreguem Putin ao Tribunal Penal Internacional em Haia”.
“Foi emitido um mandado de detenção por suspeita de transferência forçada ilegal de crianças ucranianas para a Federação Russa pelo Tribunal Penal Internacional, cuja jurisdição é reconhecida pela Mongólia”, afirma o texto.
Em 17 de março de 2023, o TPI emitiu um mandado internacional de prisão contra Putin e contra a comissária russa para os Direitos das Crianças, Maria Lvova-Belovna, acusados de levarem ilegalmente crianças de territórios ocupados na Ucrânia para a Rússia. Apesar do Kremlin afirmar que os menores foram levados para seu país por questões de segurança, e com o aval dos pais, a Corte declarou que ambos cometeram atos de deportação e transferência ilegal de pessoas, ambos considerados crimes de guerra.
“O rapto de crianças ucranianas é apenas um dos muitos crimes pelos quais Putin e o resto da liderança político-militar da Federação Russa devem enfrentar a Justiça”, continua a nota da Chancelaria ucraniana. “Estes indivíduos são culpados de uma guerra de agressão contra a Ucrânia, de atrocidades contra o povo ucraniano, de assassinatos, violações, roubos, bombardeamentos de infraestruturas civis e genocídio.”
Além da Ucrânia, o próprio TPI defendeu que a ordem seja cumprida. Em comentários à BBC, o porta-voz do TPI, Fadi al-Abdallah, afirmou que o governo mongol “tem a obrigação de cooperar, de acordo com o Capítulo IX do Estatuto de Roma”, e que o funcionamento da Corte depende dos Estados-membros, uma vez que ela não tem poder de polícia.
Abdallah sinalizou que o eventual não cumprimento da ordem poderia levar a uma denúncia interna e eventualmente punições no âmbito da ONU à Mongólia, o que não ocorreu em casos similares no passado, notadamente o do ex-presidente do Sudão, Omar Bashir, que mesmo com uma ordem de prisão viajou por dezenas de países. Apesar de preso após sua derrubada, em 2019, ele segue em uma penitenciária militar sudanesa e não tem previsão para ser deportado para Haia.
O Estatuto também abre uma brecha legal para que Putin não seja preso: segundo o texto, os países podem se declarar isentos caso a prisão leve ao rompimento de obrigações previstas em acordos, ou que viole a “imunidade diplomática de uma pessoa ou propriedade de um terceiro Estado”.
A viagem à Mongólia será a primeira de Putin a um país-membro do TPI desde a emissão da ordem de prisão: no ano passado, ele não foi à cúpula dos Brics na África do Sul e à reunião de líderes do G20, na Índia, dois países que são signatários do Estatuto de Roma. O governo russo ainda não confirmou se ele virá à cúpula do G20 no Brasil, em novembro.
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Ao ser questionado se a viagem, prevista para o dia 3 de setembro, está tirando o sono do presidente, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, foi sucinto:
— Não, não há preocupações. Temos um excelente diálogo com os nossos amigos da Mongólia — disse Peskov, citado pela Tass.
Além dos bons laços da Rússia com o governo de Ulan Bator, cultivados desde os tempos da União Soviética, pesa ainda o lado geográfico: a Mongólia não tem saída ao mar, e seus únicos vizinhos são Rússia e China, que provavelmente não abririam seu espaço aéreo para uma eventual extradição de Putin para a Holanda.
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