As forças policiais do governo da Venezuela cessaram na tarde deste domingo o cerco que mantinham no entorno da Embaixada da Argentina em Caracas, informou a mídia local. Os agentes encapuzados, que cercavam desde sexta-feira os arredores do prédio onde seis colaboradores da líder da oposição, María Corina Machado, estão abrigados, deixaram o local e o fornecimento de energia foi restabelecido. O cerco foi encerrado após a saída repentina do candidato da oposição Edmundo González Urrutia para a Espanha, onde receberá asilo. Também ocorreu um dia após a decisão unilateral do governo venezuelano ao suspender consentimento para que o Brasil proteja os interesses da Argentina no país.
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Na véspera, o regime do ditador Nicolás Maduro revogou "de maneira imediata" a autorização para que o local ficasse sob custódia do governo do Brasil no país, alegando suposto planejamento de atos terroristas por "fugitivos da Justiça venezuelana que nela estão abrigados" no local. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discutiu a situação com a secretária-geral do Ministério das Relações Exteriores, Maria Laura da Rocha, número dois do ministro Mauro Vieira (em agenda no Oriente Médio).
Uma fonte do governo brasileiro em Caracas disse que o governo recebeu "com surpresa" a notícia, e o Itamaraty afirmou, em nota, que só deixará a custódia quando outro país assumir o local. Por sua vez, o governo da Venezuela, que tem trocado farpas com o Palácio do Planalto nas últimas semanas, não se pronunciou.
Os colaboradores da oposição estão abrigados na representação diplomática desde o dia 20 de março e podem ser presos caso deixem o prédio. Na sexta-feira, Pedro Urruchurtu, coordenador internacional do partido Vem Venezuela e um dos asilados, disse no X que patrulhas do Sebin (Serviço Nacional Bolivariano de Inteligência) e do Daet (Corpo Nacional Bolivariano de Polícia), além de "oficiais encapuzados e armados", cercaram e sitiaram a sede diplomática. Imagens divulgadas nas redes sociais mostravam veículos com sirenes ligadas nos arredores do prédio, e outro aliado da oposição asilado no local, Omar González Moreno, afirmou que a energia local havia sido cortada.
Além de Urruchurtu e de Omar González, também estão refugiados no local Magalli Meda, chefe de campanha para as eleições presidenciais e braço direito de María Corina; Claudia Macero, coordenadora de comunicações do partido; Humberto Villalobos, coordenador eleitoral da campanha; e o ex-ministro Fernando Martínez Mottola, assessor. Todos eles desempenharam papéis estratégicos importantes na campanha da oposição, apesar de estarem confinados.
Depois de cortar as relações diplomáticas com a Venezuela, após a contestada eleição presidencial de 28 de julho, o governo argentino, comandado por Javier Milei, pediu ao Brasil no final de julho para que representasse seus interesses na Venezuela, e assumisse a custódia da embaixada e da residência do embaixador — os dois locais estavam sendo custodiados pelo governo brasileiro desde o começo de agosto.
Na ocasião, Milei, que tem uma relação tumultuada com o Palácio do Planalto, agradeceu a iniciativa e destacou os "laços de amizade" entre os dois países ao se referir ao Brasil, que teve a bandeira hasteada na sede diplomática no dia 1º de agosto.
Horas antes do cerco de sexta-feira, a Chancelaria argentina emitiu um comunicado no qual solicitava ao Tribunal Penal Internacional (TPI) uma "ordem de prisão contra Maduro e outros líderes do regime venezuelano". Segundo o jornal La Nación, o pedido considerou o "agravamento da situação" na Venezuela, além da "prática de novos atos que podem ser considerados crimes contra a Humanidade".
A proclamação de Maduro como vencedor do pleito de 28 de julho pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) foi ratificada pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), ambos acusados de servir ao chavismo. A oposição, por outro lado, reivindica a vitória do ex-diplomata Edmundo González, de 75 anos, substituto de María Corina nas eleições devido a uma inabilitação da líder opositora imposta pela Suprema Corte. O resultado, também amplamente contestado pela comunidade internacional, levou a protestos nas ruas, que foram duramente reprimidos, com um balanço de 27 mortos, 192 feridos e 2.400 detidos.
Asilo na Espanha
Gonzáles, que estava na clandestinidade há mais de um mês, chegou na Espanha neste domingo, onde receberá asilo. O ex-diplomata de 75 anos é acusado de cinco crimes pelo Ministério Público venezuelano e tornou-se alvo de um mandado de prisão na semana passada, após ter ignorado três intimações para depor.
Sua partida vinha sendo organizada há duas semanas e as negociações contaram com a participação do ex-presidente espanhol José Luiz Rodríguez Zapatero e importantes autoridades venezuelanas, como o presidente da Assembleia Nacional do país, Jorge Rodríguez, e a vice-presidente Delcy Rodríguez — quem tornou pública a saída do ex-diplomata.
O procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, disse que a partida de González marcou "o fim dessa peça medíocre que desencadeou ansiedade, sangue, suor e lágrimas em espectadores inocentes". Em entrevista coletiva, Saab afirmou que o Ministério Público teve conhecimento "em primeira mão" do momento exato em que o ex-diplomata ingressou na Embaixada da Espanha em Caracas e "que foram informados pelas autoridades venezuelanas da solicitação de asilo feita por ele no âmbito da Declaração Nacional dos Direitos Humanos e das relações diplomáticas entre os Estados."
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