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Nova direita na Europa cresce embalada por jovens

Grupos extraparlamentares formam base de apoio a partidos extremistas
Nas ruas. Integrantes do movimento identitário se veem como “a nova geração de 68”, mas em defesa de um continente etnicamente homogêneo Foto: Divulgação
Nas ruas. Integrantes do movimento identitário se veem como “a nova geração de 68”, mas em defesa de um continente etnicamente homogêneo Foto: Divulgação

BERLIM - Um ano depois da vitória de Emmanuel Macron na França, que teve o efeito de frear provisoriamente a ascensão de Marine Le Pen, o fantasma da extrema-direita volta a assustar a Europa. Em Áustria, Itália, Eslovênia, Bulgária ou Dinamarca, populistas de direita participam de governos ou estão preparando-se para assumir o poder. No Leste Europeu, o grupo Visegrad, formado por Polônia, Hungria, República Tcheca e Eslováquia, desafia a União Europeia com a sua política de tolerância zero com refugiados. Mas o que mais preocupa especialistas é a expansão de uma rede de organizações extraparlamentares com representantes em todos os setores da sociedade que formam a base de apoio aos partidos extremistas. Essa nova cultura juvenil é de extrema-direita, e grupos racistas (como o  “movimento identitário”) ganharam fôlego com o tema refugiados e já se veem como a reedição da geração de 68, com a diferença de que, ao contrário dos seus pais, preferem hoje o patriotismo e uma sociedade homogênea do ponto de vista étnico.

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Para Johanna Bussemer, da Fundação Rosa Luxemburgo, os partidos e organizações da “nova direita” são perigosos porque cumprem as suas ameaças, como indica a última decisão do governo austríaco de aliança conservadora/extrema-direita de fechar mesquitas e deportar imãs, sob a acusação de praticarem o “Islã politico”.

Considerado pelo embaixador americano em Berlim, Richard Grenell, um “popstar”, o chanceler austríaco, Sebastian Kurz, começou a pôr em prática o programa de governo negociado com o extremista Partido da Liberdade, ao anunciar o fechamento de sete mesquitas. Como explicou o próprio Kurz, que na próxima semana visita Berlim, a decisão visa a evitar radicais muçulmanos e o surgimento de “sociedades paralelas”. Mas seus críticos, como Helgard Kramer, socióloga e cientista política da universidade da cidade tcheca de Ostrov, reagiram alarmados:

— Esse programa poderia ter saído também da pena do movimento identitário austríaco.

ROCK CONSERVADOR

Os identitários da Áustria são um dos mais fortes da Europa de um movimento que vê a homogeneidade étnica do continente ameaçada pelo excesso de imigrantes de outras etnias. Como o Pegida de Dresden, atuam através da sua rede de apoiadores que praticam ações de grande visibilidade no estilo da ONG Greenpeace para aumentar a popularidade do grupo.

Um exemplo do efeito do trabalho das bases da nova direita é Götz Kubitschek, proprietário da Editora Antaios. Com o livro “Finis Germania”, do jornalista Peter Sieferle, a Antaios ajudou o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) e os identitários. A legenda foi eleita pela primeira vez para o Parlamento federal e os identitários ficaram conhecidos em todo o país com a ajuda do mecenas.

“Finis Germania” é um best seller que aborda o “perigo” do desaparecimento da etnia alemã em consequência da imigração em massa, tema que mais movimenta a nova direita. Kubitschek, de 46 anos, é o seu ideólogo. Com a editora — que tem outros títulos, como a revista “Sezession” — ele ajuda a tornar populares os temas de interesse da direita. O debate sobre os assuntos lançados por Kubitschek influencia os jovens a aderir aos partidos e organizações extraparlamentares.

— Esses jovens da nova direita são a nova geração de 1968. Em comum com os 68, eles têm o interesse pela música pop. O rock de extrema-direita é apreciado até por jovens que não se interessam por política, como os irmãos de Daniel Fiss, vice-chefe do movimento identitário da Alemanha.

Mas aí terminam os pontos em comum. Para a nova direita, um elemento importante do espírito patriótico é o restabelecimento da homogeneidade étnica através da “frente ideológica de combate à imigração e ao multiculturalismo”.

— Não somos monstros. Queremos apenas abrir o debate sobre quanta imigração a Europa é capaz de absorver — afirmou Fiss.

A biografia do estudante de ciências políticas da Universidade de Rostock é um exemplo sobre como a nova direita procura ser simpática, evita as polêmicas como elogiar nazistas ou negar o Holocausto, mas tem no seu programa a mesma meta racista.

Os identitários atuam desde o ano passado no Mediterrâneo para salvar os fugitivos da morte por afogamento, mas devolvendo-os à Africa.

Para Johanna Bussemer, a nova direita está crescendo também por motivos econômicos.

— A desigualdade social aumentou na Europa, e os mais pobres ficam vulneráveis ao apelo dos extremistas. Isso explica porque ela é mais forte nos países do Leste Europeu — sustentou.

Mas Fiss, dono de uma gráfica, destacou que ele e seus colegas não têm motivação apenas material. O estudante vive com os pais e dois irmãos na cidade portuária de Rostock, onde praticamente não vivem imigrantes. Mas ainda assim ele se engaja na extrema-direita contra a ameaça fantasma.

— Cada país tem o direito de decidir se quer ou não imigrantes — afirmou Fiss.

Nos eventos do grupo, a formulação é menos cautelosa. No estilo do livro “Finis Germania”, os encontros são realizados com debates contra a globalização e a favor da homogeneidade étnica.

Fundado na França, em 2003, o movimento identitário expandiu-se rapidamente na Europa. No início, não foi visto como extremista pelo seu distanciamento dos nazistas clássicos.

— Nós não negamos o Holocausto, consideramos a ditadura nazista criminosa, mas assim mesmo não queremos ver as nossas cidades com grandes populações de minorias estrangeiras — concluiu.

(*Especial para O GLOBO)